Opinião

Os milhões das execuções fiscais e os conselhos profissionais

Autores

  • Gustavo Sipolatti

    é presidente da Comissão de Direito Tributário da OAB-ES procurador do Estado do Espírito Santo mestre e doutorando em Direito pela FDV.

  • Ciro Benevenuto Soares

    é presidente da Diretoria de Advocacia Tributária da Comissão de Direito Tributário da OAB-ES advogado e especialista em Direito Tributário pelo IBET e em Processo Civil pela FDV.

  • Álvaro Augusto Lauff Machado

    é vice-presidente da Comissão de Direito Tributário da OAB-ES advogado professor universitário mestre e doutorando em Direito pela PUC-SP e conselheiro do Conselho de Recursos Fiscais do Município de Vitória-ES.

10 de junho de 2020, 19h08

A Ordem dos Advogados do Brasil é uma autarquia sui generis (STF, ADI 3026, Relator Min. EROS GRAU, Tribunal Pleno, julgado em 08/06/2006) e tem como objetivos: I) defender a Constituição, a ordem jurídica do Estado democrático de Direito, os direitos humanos, a justiça social, a boa aplicação das leis, a rápida administração da justiça e o aperfeiçoamento da cultura e das instituições jurídicas; e II) promover, com exclusividade, a representação, a defesa, a seleção e a disciplina dos advogados em toda a República Federativa do Brasil (artigo 44, inciso I e II da Lei 8.906/94).

O custeio das suas atividades se dá pelo pagamento das anuidades pelos seus filiados [1]A medida tradicionalmente utilizada para cobrança desses créditos inadimplidos é a execução fiscal [2].

Atualmente tramitam na Justiça Federal, seção judiciária do Espírito Santo, 5.997 processos ajuizados pela OAB-ES. Grande parte das execuções ajuizadas envolve valores de até duas anuidades. O crédito recuperado é de baixo valor, sequer cobrindo os custos com a sua gestão pela Seccional Capixaba [3].

Além dos gastos da seccional, para boa compreensão também deve ser verificado o dispêndio com a Justiça. O estudo "Custo unitário do processo de execução fiscal da União", realizado por meio de cooperação técnica entre o IPEA e o Conselho Nacional de Justiça, apurou que em 2001 o custo médio de cada processo apresenta dois valores distintos, que oscilam entre R$ 1.854,23 e R$ 4.368,00 (http://repositorio.ipea.gov.br/bitstream/11058/7862/1/RP_Custo_2012.pdf)

Assim, por parâmetros balizados em 2011, o gasto da Justiça com a manutenção do estoque das 5.997 execuções fiscais ajuizadas pela Seccional Capixaba tem potencial de variação entre R$ 11.119.817,31 e R$ 26.194.896,00.

Também como elemento importante para a compreensão dessa conjuntura vem a ser a taxa de congestionamento do Judiciário, de 91,7%, tramitando em 2017 31,2 milhões de execuções, sendo 36,4% ajuizadas pelos conselhos de fiscalização das profissões liberais, ou seja, 11.356.800 de ações, tendo tempo de giro de 11 anos, indicando como breaking even point para a sua promoção o valor de R$ 21.731,45 [4].

Diante desse anacronismo, necessária a análise do custo-benefício com o ajuizamento da execução fiscal, que não pode ser um fim em si mesma, em que o custeio da sua gestão é superior ao crédito arrecadado. Nesse sentido, os conselhos profissionais e as fazendas (municipais, estaduais e federal) [5] têm se empenhado cada vez mais em buscar meios alternativos para solucionar essa equação.

A Lei Federal nº 12.514/2011 estabelece como valor mínimo para o ajuizamento das execuções fiscais a serem manejadas pelos conselhos de classe o montante correspondente a quatro anuidades.

Inclusive já há precedente do Superior Tribunal de Justiça inadmitindo o ajuizamento de execução pela OAB de valor inferior a quatro anuidades (RECURSO ESPECIAL Nº 1.814.337-SE).

Como via residual, se possibilita nessas hipóteses aos conselhos realizar a cobrança de forma alternativa, nos termos do artigo 8º, parágrafo único da Lei Federal nº 12.514/2011, pelo protesto.

O protesto fundamentado na Lei Federal nº 9.492/97 na prática tem se mostrado menos custoso e uma forma mais eficiente de coagir ao devedor para que cumpra a sua obrigação, dispensando o ajuizamento da execução fiscal.

O Conselho Nacional de Justiça há mais de uma década já havia editado a Recomendação nº 26/2009, o Provimento nº 0004537-54.2009.2.00.0000 e o Provimento nº 0007390-36.2009.2.00.000 para que os tribunais editassem atos normativos regulamentado a questão do protesto de dívida ativa.

Soma-se como fator de relevo para essa análise o bom resultado obtido pela OAB-ES com o protesto das anuidades não adimplidas, atividade que não gerou custos administrativos e se mostrou com uma eficácia muito superior à execução fiscal, gerando uma arrecadação no valor de R$ 1.783.073,71, período 2019-2020.

Pela realidade desvelada, pela legislação vigente e pelo entendimento jurisprudencial, o movimento institucional deve ser no sentido de evitar a judicialização das execuções e estabelecer como medida prioritária o protesto das anuidades não adimplidas, meio menos oneroso e mais eficiente do que a execução fiscal para a recuperação do crédito tributário.

Portanto, pela experiência da Seccional da OAB-ES, observando-se os limites impostos pela legislação de regência, conclui-se pela necessidade imperiosa de serem adotados procedimentos para a cessação do ajuizamento e suspensão das execuções fiscais em tramite de valor inferior a quatro anuidades.

 


[1] Artigo 2º, II, da Lei n.º 12.514/2011

[2] Por estar prevista em lei, artigo 150, I da Constituição da República, pelo caráter contraprestacional e obrigatório, se denota a natureza tributária da anuidade devida aos conselhos. O procedimento tradicional de cobrança desses créditos se dá por meio da execução fiscal, conforme previsão contida na Lei Federal de n.º 6830/80, com tramitação perante a justiça federal, Súmula 66 do STJ.

[3] Numa análise preliminar, o crédito anual recuperado com o ajuizamento das execuções fiscais pela OAB/ES é de aproximadamente R$ 70 mil, o que corresponde a 1/3 dos custos com a cobrança. O prejuízo anual é de aproximadamente R$ 210 mil para a seccional capixabas. Os dados são preliminares, abrangendo apenas o custeio com os advogados responsáveis pela gestão dos processos que tramitam perante a Justiça Federal.

[4] "Além do elevado número de processos judiciais pendentes de julgamento e do padrão de expansão contínua do estoque para o ano subsequente, também a taxa de congestionamento nos órgãos judiciários nacionais é bastante alta. Esse índice significa que o grau de eficiência dos tribunais judiciários é deficiente no que se refere à proporcionalidade entre os casos novos que ingressam em determinado período e os processos que são arquivados com baixa na distribuição no mesmo interregno". FRANCO, Marcelo Veiga. A Cobrança Extrajudicial De Dívida Ativa Como Meio De Enfrentamento Do “Gargalo” Das Execuções Fiscais. Disponível em: <file:///C:/Users/Gustavo%20Sipolatti/Downloads/33-Texto%20do%20artigo-155-1-10-20190628.pdf>. Acesso em 25 de maio de 2020.

[5] A Procuradoria da Fazenda Nacional, pioneira nessa forma de cobrança alternativa, utiliza com êxito o protesto. Inicialmente para dívidas de até R$ 20.000,00, sempre aumentando o limite para a sua realização, chegando em 2015 a R$ 1.000.000,00 (http://intra.serpro.gov.br/tema/noticias-tema/governo-utiliza-protesto-para-cobrar-creditos-da-divida-ativa-da-uniao). A Portaria PGFN de nº 520, publicada em 27 de maio de 2019, autorizou que não seja dado prosseguimento e ajuizadas execuções fiscais cujo valor total consolidado seja igual ou inferior a R$ 1 milhão de reais. O protesto de CDA também é previsto na Lei nº 9.876/2012, que autoriza a Procuradoria Geral do Estado do Espírito Santo a efetuá-lo, na Lei n° 13.160/2008 de São Paulo, na Lei n° 5.351/2008 do Rio de Janeiro, na Lei n° 8.612/2004 do Rio Grande do Norte, na Lei n° 9.170/2010 da Paraíba.A referida prática já veio a ser adotada com êxito pela OAB/ES, pela OAB/SP – http://www.oabsp.org.br/informacoesuteis/duvidasfrequentes/financeiro-anuidade, OAB/MS – https://www.anoreg.org.br/site/2019/11/19/ieptb-br-em-novembro-comeca-o-protesto-de-divida-relativa-a-anuidades/ e OAB/MG – http://www.juizdefora-oabmg.org.br/noticias/exibir/3822/OABJF-divulga-Seccional-levara-a-protesto-o-debito-dos-inadimplentes.html).

Autores

  • é advogado, professor, especialista em Direito Tributário pelo Ibet e em Direito Constitucional pela Universidade Federal do Espírito Santo.

  • é presidente da Diretoria de Advocacia Tributária da Comissão de Direito Tributário da OAB-ES, advogado e especialista em Direito Tributário pelo IBET e em Processo Civil pela FDV.

  • é vice-presidente da Comissão de Direito Tributário da OAB-ES, advogado, professor universitário, mestre e doutorando em Direito pela PUC-SP e conselheiro do Conselho de Recursos Fiscais do Município de Vitória-ES.

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!