Opinião

A oportunidade para propositura do acordo de não persecução penal

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1 de junho de 2020, 14h32

Para atender à duração razoável do processo, em atendimento à EC 45, o legislador ajustou esse princípio a dois outros de ordem implícita, a saber, a economia processual e a estrita legalidade da prisão cautelar.

Na verdade, a duração razoável do processo veio como instrumento a evitar o excesso de prazo na formação da culpa, em especial, para atender à excepcionalidade da prisão cautelar em qualquer de suas formas, o que implicaria em antecipação de pena.

Antes das alterações trazidas em 2008, os prazos processuais eram balizados por mera somatória, fruto de construção doutrinária e jurisprudencial, de todos os prazos previstos desde a denúncia até a sentença, atingindo resultado, meramente matemático, entre 81 e 101 dias nos procedimentos comuns e 38 no procedimento da então vigente Lei 6368/76.

Entretanto, mesmo diante desse raciocínio sempre se observou, pela própria peculiaridade que envolve cada processo, o princípio da proporcionalidade mitigada.

E o próprio legislador sempre reconheceu que essa antecipação de pena, por fatores diversos, prejudicaria o agente e, por isso, criou como escape inicialmente a detração da pena (artigo 42 do CP) e, mais recentemente, a detração do regime prisional (artigo 387 do CPP).

Após essa novatio legis, a economia processual veio a se pautar pelos princípios da oralidade preponderante dos autos processuais e pela concentração de atos de instrução processual.

A oralidade veio de forma mitigada ou contida na efetiva proposta de se manter a literalidade como mecanismo a não melindrar a nossa tradição ibérica que insiste em dar ao que está materializado (escrito) maior força do que aos atos orais, que se acredita mais vulneráveis (antes de diferentes plataformas digitais e processos virtuais). A oralidade, na sua plenitude, somente se perpetua na fase final de julgamento no procedimento do júri.

A instrumentalidade de formas fez com que a concentração dos atos instrutórios em uma única audiência também viesse a proteger o princípio da identidade física do juiz, colocando-o como destinatário da prova e, assim, mais próximo da sua livre apreciação e, pela persuasão racional, de prestar a função jurisdicional.

Sendo o processo, em si, um instrumento de pacificação social, originário da lide penal, vem como mecanismo de resgate a mera violação do direito material que traz em risco essa pacificação.

Portanto, a função do processo não está em simplesmente prestar a jurisdição, mas de resgatar a pacificação social posta em risco pela mera violação do direito material, positivado pela norma jurídica.

Todavia, o processo, por sua estrutura e dentro de um sistema acusatório, é um ônus constrangedor e, em si, um ato que atinge, para a proteção do Estado democrático de Direito, a dignidade da pessoa humana.

Ainda que pautando-se por princípios regrados que protegem a pessoa e o próprio processo (vg. a ampla defesa, o contraditório, o devido processo legal), a estrita legalidade é o que dá a pauta a todos.

Nessa linha, a busca de mecanismos prévios, conciliatórios, já estabelecia para alguns crimes a disponibilidade do direito de ação (não do bem jurídico em si, que é de ordem difusa) nos crimes de ação penal de iniciativa privada, pelos institutos da renúncia e do perdão.

Posteriormente, a Lei 9099/95 veio a estabelecer medidas alternativas ao processo em si, delimitando-se sua aplicação, todavia, ao que objetivamente tratou por infrações de menor potencial ofensivo.

Erigiu o legislador o conceito de crime a três categorias, duas extremas e uma temperada. Numa ponta, os hediondos (por raiz constitucional), e, na outra extremidade, as infrações de menor potencial ofensivo. A equilibrar, o crimes comuns.

Como regra a afastar a subjetividade, que gera a insegurança jurídica, o legislador procedeu essa classificação por critérios objetivos, partindo-se dos crimes hediondos, tratados por equiparação na partitura do texto constitucional (artigo 5, inciso LXIII) para efetiva regulamentação pela Lei 8072/90, que delimitou a hediondez desses crimes para, em seguida, atingir a menor potencialidade lesiva (artigo 61) na Lei 9099/95. Por exclusão, os crimes comuns.

Criou-se, com esse ritmo, uma forma de evitar um ritual processualístico e demandas que nem sempre resultariam na função de resgate de pacificação social, mesmo porque, muitas vezes, o Estado intervém além do necessário.

A transação penal (artigo 76 da Lei 9099/95) assentou o instituto como uma forma a permitir que o titular constitucional da ação penal exercitasse, ainda que regradamente, um mecanismo conciliatório entre o interesse da vítima (em qualquer de suas representações, própria ou difusa) e a desnecessidade do processo.

O mesmo ocorreu com o artigo 89, criando a figura do sursis processual e até a criação de uma nova espécie de pena, com previsão restrita à Lei de Drogas (11343/06), que é a advertência.

Ainda que o artigo 2º do Código de Processo Penal atribua à lei de caráter processual aplicação imediata e o seu artigo 3º permita a interpretação analógica, isso não se confunde com a irretroatividade e a ultratividade que asseguram a norma benéfica a lei penal.

Nessa linha de raciocínio, com a edição da lei surgiu a discussão quanto à aplicação de rito mais benéfico ou não ao acusado, como ocorre em relação à lei penal.

Sedimentou o Pretório Máximo que a desclassificação do crime, em sentença, assegurasse a aplicação desses institutos chamados despenalizadores, entretanto, em essência, formas alternativas ao processo, e não a pena.

Com as alterações trazidas pela nova redação do artigo 28 do CPP, pelo Pacote Anticrime, novas discussões na mesma linha começam a despontar, com o acordo da não persecução penal.

Primeiro, por sua específica natureza jurídica: não é mecanismo despenalizador, mas alternativo ao processo que procura evitar.

Segundo, porque atribuição exclusiva do titular da ação penal em termos constitucionais (artigos 127/129 da CF).

Portanto, sendo forma de evitar o processo, não poderia funcionar como mecanismo para abortar procedimentos em curso, o que desvirtuaria sua função primária e criaria uma forma procedimental mista que suspenderia o processo condicionalmente, equiparando a uma extensão do artigo 89 da Lei 9099/95.

Depois porque a literalidade da lei não permite sua interpretação subjetiva, tal como exigir sua aplicação de ofício pelo juiz, quando não se trata de um ato processual e que, portanto, não permitiria a intervenção jurisdicional e porque não se trata de direito público e subjetivo, anacronismo entre obrigatoriedade e possibilidade.

Desse modo, o acordo da não persecução inibe o processo e não aborta o seu desenvolvimento, insistindo-se que pela objetividade e literalidade da norma em si tem caráter pré processual e condicionante à confissão integral e à plena reparação do dano materialmente atestado.

Daí sua inaplicabilidade aos crimes em que esse dano não seja mensurado pela denominada vítima indeterminada (bem de proteção difusa), como ocorre no tráfico de drogas, em que, ainda que extraída sua hediondez por construção legal, não deixa de apresentar uma nocividade social que impede objetivamente essa disponibilidade.

Outrossim, o privilégio será estabelecido em sentença e não por presunção, o que implicaria em violação ao devido processo legal por pré-julgamento, inclusive pela projeção de pena.

Ademais, a conveniência e a oportunidade atendem a uma regra preclusiva lógica e consumativa pelo interesse recíproco.

Em se tratando de "acordo" (plain bargain), a bilateralidade torna o ato discricionário, ainda que não absoluto, pautado pelo próprio Ministério Público sem a intervenção direta e inconstitucional do Poder Judiciário, que se delimitaria a um ato homologatório, de jurisdição imprópria e sem força decisória.

Portanto, exigir sua aplicação após o recebimento da denúncia implicaria em ato de suspensão e não de inibição aos efeitos deletérios, sendo a denúncia condicionante como cláusula ao acordo, e não do processo.

Na mesma esteira, a proposta impositiva em sede de acórdão, ainda que por decisão colegiada, ultrapassando a legalidade estrita e invadindo atribuição ministerial típica e assegurada constitucionalmente.

Ainda, dentro dos critérios de oportunidade, a preclusão consumativa pela omissão tácita. Se já vigente a lei e não reclamando o réu e sua defesa por sua aplicação, demonstra que não têm interesse no acordo que não pode ser a eles convenientes, após uma sentença condenatória ou para evitar sua consolidação pelos tribunais.

Dessa forma, não pode o tribunal converter julgamento de mérito em diligência para propositura de "acordo" porque estaria interferindo em um ato bilateral em que não tem atividade jurisdicional própria e nem condição parcial para que possa prejulgar e, com isso, impor o que é efetivamente vontade de partes, e não prestação jurisdicional.

Disparatado de qualquer limite legal à propositura de ofício onde estaria o juízo ou tribunal invadindo a condição de parte e fugindo da imparcialidade que se espera da prestação jurisdicional efetiva.

Assim há de se observar se a parte não manifestou interesse no acordo pela omissão imprópria ou se simplesmente aguardou o desfecho do processo para que depois pretendesse acordo exatamente para que esse não se desenvolvesse.

Portanto, o acordo de não persecução penal não pode ser aplicado aos processos em andamento e muito menos aos já em grau de recurso, tal como sua imposição e interferência de ofício, o que implicaria em desvirtuamento da função jurisdicional.

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