Opinião

O Supremo precisa mudar para manter-se no mais alto patamar

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30 de julho de 2020, 15h27

O ministro Luiz Fux, no discurso de agradecimento pela sua eleição para presidente do Supremo Tribunal Federal (25 de junho de 2020), prometeu aos colegas ministros lutar intensamente para manter a corte no mais alto patamar de instituições brasileiras. Prometeu ainda se empenhar pelos valores morais, pelos valores republicanos, pela democracia, respeitando a independência entre os poderes da República, nos limites da Constituição e da lei.

O ministro vai precisar de muita energia, persistência e colaboração contínua de seus pares para manter o Supremo Tribunal Federal no mais alto patamar de instituições brasileiras. Há muito tempo o Supremo vem sofrendo pesadas críticas de respeitáveis juristas, desconsideração de boa parte dos cidadãos comuns (o que é muito grave) e até ataques ofensivos de pequenos grupos radicais. Um panorama de decadência da Corte Suprema é um mal imenso, que precisa ser desfeito com urgência.

Para esta crítica não parecer tresloucada, é preciso destacar, logo no início, a indispensabilidade de um Poder Judiciário independente e, especialmente, de uma Suprema Corte que ponha um fim, que dê a última palavra, nas questões nacionais fundamentais. Pela mesma razão, é necessário registrar a responsabilidade, honradez e competência jurídica dos ministros que compõe o nosso Tribunal Maior, que enfrentam um monstruoso volume de trabalho com exemplar dedicação.

É importante relembrar também, antes, o papel central e estrutural do Supremo no nosso sistema judicial, na afirmação da nossa democracia, na garantia dos direitos fundamentais, na funcionalidade da economia e na realização dos valores nacionais. Por outro lado, é preciso ponderar, com responsabilidade, que o mundo moderno e globalizado exige decisões nacionais urgentes, que proporcionem efetiva segurança jurídica, desafio inafastável que o Supremo tem de enfrentar e encaminhar soluções.

Postas essas premissas, vai a crítica, com propostas de mudanças práticas, tendo por eixo quatro pontos fundamentais: 1) a exagerada competência processual e recursal do Supremo; 2) a exagerada estrutura de até quatro instâncias de julgamentos do Judiciário, com elevadíssimo encaminhamento de processos subjetivos ao Supremo como quarta instância; 3) a divisão do Supremo em duas turmas para julgamentos de recurso; e 4) o crescente poder dos ministros para decisões monocráticas.

A exagerada competência processual e recursal do Supremo é fato incontestável. Virou até motivo de chacota na comparação com outras Cortes Supremas do mundo. Basta mencionar o brutal estoque de quase 35 mil processos e o julgamento de 3,5 mil processos no ano, volume incompatível para um tribunal de 11 ministros, num país de 210 milhões de habitantes, com elevadíssimo índice de judicialização, que precisa decidir centenas de questões nacionais urgentes, constitucionalidade de leis e atos normativos, além de conflitos políticos candentes.

Essa exagerada competência decorre do amplo poder concedido ao Supremo para decidir todas as questões constitucionais, em todos os tipos de processos. Como temos uma Constituição extensa, regulando quase toda a vida nacional, o Supremo acaba recebendo milhares de processos subjetivos, questões particulares, que deveriam ser resolvidas nas instâncias inferiores. Uma Suprema Corte não pode perder seu precioso tempo com questões menores, em detrimento das questões nacionais urgentes.

A estrutura de até quatro instâncias de julgamentos (juiz local, tribunal regional, tribunal nacional e Supremo) está ligada ao ponto anterior. A Constituição de 1988 criou o Superior Tribunal de Justiça, com competência sobre todo o território nacional, exatamente para diminuir a carga de processos do Supremo. A transferência de poderes ao novo tribunal foi uma batalha, quase "a fórceps", segundo comparou um importante deputado constituinte, e mesmo assim foi uma divisão artificiosa, que pouco resolveu.

O novo tribunal, o STJ, ficou somente com competência para julgar questões relacionadas às leis comuns, abaixo da Constituição, mantendo todas as questões relacionadas com a Constituição, em todos os processos, na competência do Supremo. Essa divisão de poderes é insólita. As questões do processo são cindidas, o STJ decide as questões de lei comum e, após, o mesmo processo pode ir ao Supremo para decidir questões constitucionais alegadas, que podem até modificar a decisão do STJ.

Essa competência restrita do STJ, que não ocorre nas instâncias inferiores (em que o julgamento considera todas as normas, leis e constituições, resolvendo totalmente o processo), confirmou, na prática, o que tem sido chamado um sistema de quatro instâncias, uma estrutura pesada, verticalizada, farta de recursos processuais, que faz o processo demorar anos, quando não décadas. Essa demora é sentida e muito criticada nos processos criminais, especialmente com a aplicação do famigerado princípio da inocência, aumentando a possibilidade de prescrição do crime e impunidade decorrente.

O terceiro ponto, a divisão do Supremo em duas turmas de cinco ministros, feita depois para enfrentar o monstruoso número de recursos de processos subjetivos. A divisão, por si, já é um problema, pois turma não é o Plenário, único órgão que representa efetivamente o Supremo, conforme define a constituição. A divisão gerou diferenças de entendimentos, injustiças comparativas e até jurisprudência setorial, exigindo a permissão de novo recurso ao Plenário, mais atraso, mais processo e mais burocracia.

Por fim, o crescente poder dos ministros para decisões monocráticas, que tem causado acirramentos com os demais poderes políticos (Legislativo e Executivo), grave insegurança jurídica e críticas fundadas de toda sociedade. É necessária a concessão de poder cautelar ao ministro relator para decisões urgentes, entretanto, a decisão deve ser submetida ao colegiado, em prazo curto e certo, evitando a manutenção de um poder pessoal afrontoso ao próprio Plenário — onde as diversas visões são compensadas e pacificadas — e contrário aos princípios republicanos.

O Supremo Tribunal Federal foi colocado nessa situação de crescente poder por razões históricas e, especialmente, pelo processo político de democratização realizado pela Constituição de 1988. A mesma Constituição, entretanto, impõe expressamente a todos os entes públicos obrigação de eficiência e, ao Poder Judiciário, em especial, o combate à demora processual (princípio da razoável duração dos processos). O Supremo tem que ser o órgão exemplar na realização dessas determinações constitucionais, a par com a autocontenção de seus próprios poderes.

O Poder Judiciário brasileiro, pela sua formatação unitária e centralizada, imposta pela Constituição Federal, é doentiamente dependente de decisões nacionais objetivas do Supremo. A demora de anos para formação de jurisprudência nacional segura é mal que contamina todo o sistema judicial e dificulta a rápida busca de pacificação social. O Supremo, nossa instituição jurídica máxima, tem obrigação histórica de apresentar soluções estruturais, especialmente quando envolve a sua área de atuação.

Por outro lado, a monumental máquina do Poder Judiciário — uma das mais dispendiosas do mundo civilizado, na comparação com o PIB, mesmo assim reconhecidamente ineficiente, no que ser refere à demora processual — exige a manutenção de grandes estruturas paralelas — procuradorias públicas, advocacias, Ministérios Públicos, polícias e assessorias —, que agregam proporcional custos e despesas ao sistema judicial, agravando fortemente o chamado "custo Brasil" e a eficiência da produção nacional.

Nesse estado de pandemônio jurídico, como já resumiu um importante jurista, o Supremo tem obrigação de dialogar com o Parlamento, encaminhar a formatação de um Judiciário que conclua todos os processos subjetivos em três instâncias, transferindo mais poder ao STJ, reservando à Corte Suprema apenas o julgamento de questões nacionais fundamentais, objetivas, através do controle concentrado de constitucionalidade de leis e jurisprudências dos tribunais superiores, permitindo rápida produção de jurisprudência constitucional estabilizadora, gerando segurança jurídica e abreviando a pacificação social. Assim, a corte certamente será mantida no mais alto patamar das instituições brasileiras, como prometeu o presidente eleito.

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