Opinião

As armadilhas do planejamento sucessório

Autores

  • Daniel Bucar

    é advogado do escritório Bucar Marano Advogados parecerista professor de Direito Civil da Uerj e do IBMEC-RJ doutor e mestre em Direito Civil pela Uerj e especialista em Direito Civil pela Universitá degli Studi di Camerino.

  • Daniele Chaves Teixeira

    é advogada parecerista doutora e mestre em Direito Civil (Uerj).

17 de julho de 2020, 16h11

Introdução
Acúmulo de patrimônio, variadas configurações familiares, custos da sucessão e a busca para se evitar um inventário com ostensiva intervenção estatal são fatores que, entre outros, vêm estimulando a doutrina a expandir a outrora limitada fronteira do direito das sucessões. Esses novos ares, direcionados à ideia de conceder: a) maior autonomia na sucessão; e b) rápida mobilidade de bens, trouxe à disciplina o que hoje vem sendo denominado de planejamento sucessório [1].

Para tanto, são diversos os instrumentos que vêm sendo utilizados para a estruturação do programa pessoal de sucessão, os quais, além do conhecido testamento, podem tocar constituição de sociedades, provisão de seguros, instituição de direitos reais, entre outros. A construção deste delicado xadrez requer uma forte interação entre os envolvidos e o profissional, de forma que o planejamento não se transforme em algo dissociado das intenções de quem o procura e apartado da realidade jurídica patrimonial do interessado. Sob esta perspectiva, é importante a enumeração de certos aspectos, divididos entre subjetivos e objetivos, que devem ser observados na construção de um planejamento.

Aspectos subjetivos
O planejamento patrimonial para após a morte é a única forma de o autor da herança (e não a lei) decidir sobre o destino dos próprios bens. Entretanto, a despeito da autonomia que é conferida ao titular do patrimônio, uma lembrança é necessária. As normas do ramo não estão centradas unicamente na proteção de interesses do falecido, mas também de seus herdeiros. É nesse contexto que surgem os dois principais obstáculos para o planejamento sucessório.

O primeiro deles é a proibição de o autor da herança dispor da metade de seus bens (a legítima) caso tenha herdeiros necessários (descendente, cônjuge/companheiro ou ascendente), prevista nos artigos 1845 e 1846, CC [2]. O segundo obstáculo refere-se ao consenso entre os herdeiros e o titular do patrimônio, muitas vezes imprescindível, tanto para os atos de planejamentos inter vivos, quanto causa mortis. Em relação aos primeiros, a doação exige aceitação do donatário (artigo 539, CC). A formação de sociedades empresárias para concentração do patrimônio, com eleição de um ou alguns dos herdeiros para administração, exige união e organização de pessoas, de modo que a manifestação de vontade sentido permanece como requisito essencial [3]. Tampouco a disciplina do adiantamento da partilha em vida (2018, CC) permite entendimento em sentido diverso.

Enquanto isso, certas vontades externadas no planejamento causa mortis, através da deixa testamentária, também só se concretizam com a anuência dos herdeiros que o executarão.

Assim, para criar consensos, os profissionais que auxiliam em sua formatação devem, antes de tudo, ir além das barreiras e dos permissivos legais. E esse é um dos maiores desafios da área. Conforme os diversos (e até conflitantes) interesses do autor da herança e de seus herdeiros será preciso: I) buscar que todos aceitem o programa; ou II) garantir a previsibilidade da futura aceitação. Dessa forma, o planejamento envolve não só uma consulta ao titular do patrimônio a se transmitir, mas um diálogo honesto relativo aos anseios e à situação de todos os integrantes de sua família. Só assim serão identificadas aptidões, conflitos intrafamiliares (que precisam, em alguma medida, ser neutralizados) e preocupações com vulnerabilidades específicas de certos parentes.

Resume-se este conjunto de procedimentos como a necessidade de customização do planejamento sucessório para obter um resultado efetivo no caso concreto.

Aspectos objetivos
Por outro lado, concomitantemente à efetiva adequação subjetiva do plano, não podem ser afastados, para o seu delineamento, seus aspectos objetivos, compreendidos na própria qualidade dos bens que compõem o patrimônio e os custos incidentes sobre o respectivo planejamento. Não se está a dizer que existe uma fórmula imperiosa, como uma receita de bolo. Porém, o aproveitamento financeiro e a economia fiscal na transmissão de bens entre o autor da herança e seus herdeiros são objetivos que encontram algumas possibilidades de sucesso no ordenamento jurídico brasileiro. Chegar a ambas pretensões demanda uma fina sintonia, do advogado, com a disciplina de bens e, de igual modo, com a tributação incidente nesta operação.

No que toca à simples transmissão causa mortis do patrimônio mediante a adesão de seu titular à disciplina já disposta na legislação, sabe-se que aos herdeiros é facultada, em certas hipóteses, a escolha de uma complexa rede tributária. Nela, encontram-se 27 leis estaduais próprias que disciplinam a incidência de tributo direto (ITCMD), sem contar com o complemento de legislações municipal e federal para a eventual tributação do ITBI e do Imposto de Renda sobre acréscimos patrimoniais a que um acervo imobiliário venha a ser contemplado [4].

Ademais, a mutação do ativo para aproveitamento de outras potencialidades, seja por ato inter vivos ou mesmo por testamento, é outra importante estratégia a se considerar. Contudo, é indispensável a plena ciência acerca das alterações da disciplina incidente sobre cada espécie de bens. Pense-se, neste propósito, na constituição da denominada holding patrimonial, para cuja sociedade são destinados bens imóveis de determinada família. Para além da possível perda de garantias e incentivos fiscais sobre os bens (impenhorabilidade do bem de família e isenção tributária de imposto de renda sobre ganho de capital), as quotas passam a ser submetidas a uma normativa empresarial, que não foi esquadrinhada para um ambiente de solidariedade familiar.

Conclusão
Dentro do limite que aqui é proposto, é de se chamar atenção para linhas gerais de imprescindível consideração no estudo e prática do planejamento sucessório, as quais permitem conhecer os efeitos das opções feitas para o seu desenvolvimento. Tal conhecimento deve garantir que a alternativa eleita (entre várias outras) não se torne, ela mesma, a própria armadilha do planejamento sucessório.

 

[1] Ao que toca o assunto seja permitido remeter a: TEIXEIRA, Daniele Chaves. Planejamento sucessório: pressupostos e limites. p. 56-61.

[2] Chamando o respeito à legítima de primeira regra de ouro a se considerar no planejamento sucessório: TARTUCE, Flávio; HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes. Planejamento sucessório: conceito, mecanismos. In: TEIXEIRA, Daniele Chaves. Arquitetura do Planejamento Sucessório (coord). 2ª ed. Belo Horizonte: Fórum, p. 385-401, 2019. .p. 435/439

[3] TEPEDINO, Gustavo; OLIVA, Milena Donato. Teoria Geral do Direito Civil. In: TEPEDINO, Gustavo (org.). Fundamentos de direito civil. Rio de Janeiro: Forense, 2020. p. 127-128.

[4] Tratando detalhadamente do assunto, PAULA, Fernanda. A tributação de herança sob um enfoque de justiça: considerações e propostas para um correto aproveitamento das heranças nos sistemas de ITCMD e do IRPF. Rio de Janeiro: Lumen Iuris, 2019. p. 123/165.

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