Opinião

O regime semiaberto é incompatível com a prisão preventiva

Autores

  • David Metzker

    é sócio do escritório Metzker Advocacia advogado criminalista professor e palestrante pós-graduado em Direito Penal e Criminologia pela PUC-RS e MBA em Gestão Empreendedorismo e Marketing pela mesma instituição diretor cultural e acadêmico da Abracrim-ES.

  • Amanda Araújo

    é colaboradora do escritório Metzker Advocacia.

4 de julho de 2020, 6h36

O presente artigo tem por objetivo tratar da incompatibilidade da decretação, ou manutenção da prisão preventiva, após sentença que fixou o regime inicial da pena a ser cumprido em regime semiaberto. Todavia, inicialmente se faz necessário destacar algumas premissas.

Primeiramente, é importante definir o que é prisão. Seguindo as lições de Nestor Távora e Rosmar Alencar, "a prisão é o cerceamento da liberdade de locomoção, é o encarceramento. Pode advir de decisão condenatória transitada em julgado, que é chamada de prisão pena, regulada pelo Código Penal, com o respectivo cumprimento, que é a verdadeira prisão satisfativa, em reposta estatal ao delito ocorrido, tendo por título a decisão judicial definitiva. No transcorrer da persecução penal, contudo, é possível que se faça necessário o encarceramento do indiciado ou do réu, mesmo antes do marco final do processo".

Quando falamos em regime semiaberto, está a tratar de pena privativa de liberdade, podendo ser reclusão ou detenção. Ademais, em relação ao cumprimento de pena no regime semiaberto, este traz certas possibilidades ao apenado, como trabalhar e fazer cursos fora do complexo penitenciário durante o dia, retornando somente no período da noite, além de abrir a possibilidade para o detento de reduzir o tempo de pena através do trabalho e de estudos, este abrangendo ensino fundamental, médio, cursos, e até mesmo aprovação em exames nacionais.

Já no que diz respeito à prisão preventiva, tem-se como uma espécie de prisão provisória, de natureza cautelar. Uma medida restritiva ao direito de locomoção, devendo ser aplicada em último caso, pois se trata de medida excepcional, visando à proteção da efetividade processual. A prisão provisória é aquela que ocorre antes do trânsito em julgado da sentença condenatória. Não tem por objetivo a punição do indivíduo, mas sim impedir que venha ele a praticar novos delitos (relacionados ou não com aquele pelo qual está segregado) ou que sua conduta interfira na apuração dos fatos e na própria aplicação da sanção correspondente ao crime praticado.

A prisão preventiva pode ser aplicada tanto na fase extraprocessual como na fase processual. Nesta fase, pode ser aplicada a qualquer momento, desde que fundamentada nos artigos pertinentes. Um dos artigos referentes à prisão preventiva, é o artigo 387 do CPP, que traz a possibilidade de ser decretada a prisão preventiva na sentença ou, caso já tenha sido decretada, a manutenção, sempre de forma fundamentada, interferindo diretamente no direito de recorrer em liberdade, caso faça uso do recurso adequado.

Verifica-se, de imediato, que prisão preventiva e o regime semiaberto não se confundem, possuindo contornos diversos, com objetivos diferentes e forma de cumprimento distantes um do outro, sendo mais gravoso e duro no ponto de vista do apenado.

Feitas essas premissas, passa-se ao ponto principal do tema proposto, em que se mostra extremamente contraditória a decretação ou manutenção da prisão preventiva quando já fixado o regime semiaberto, não sendo compatível a medida cautelar por se mostrar mais gravosa, indo dessa forma contra o princípio da razoabilidade.

Nesse sentido, a negativa do juízo sentenciante para que o réu recorra da sentença em liberdade não pode prosperar, visto que se assim ocorresse implicaria em execução provisória da pena em regime inapropriado do que o fixado na própria sentença.

Quando se trata de fixação de regime fechado, a decretação ou manutenção da prisão preventiva não tornará a situação do apenado mais gravosa. Todavia, quando é fixado o regime semiaberto, caso o apenado permaneça preso preventivamente, estará em uma situação mais gravosa que o regime a qual deverá cumprir a pena. No entanto, caso ele recorra, estando preso e sendo expedida a guia de execução provisória e ocorra a transferência para a unidade adequada para o regime semiaberto, estaremos diante de uma execução provisória da pena, já decidido pelo STF pela inconstitucionalidade.

Ao analisarmos o HC 185.087/MG, que tem como relator o ministro Celso de Mello, vislumbra-se uma decisão que concede a liberdade ao paciente para recorrer em liberdade, visto que se encontrava preso preventivamente e teve condenação em primeiro grau fixada em cinco anos e três meses, ensejando assim o cumprimento inicial em regime semiaberto, tornando-se incompatível com a prisão preventiva.

Veja que é vasto o entendimento do STF em garantir a liberdade ao réu para que recorra em liberdade nestes casos, ou seja, ambas as turmas vêm concedendo HCs com o mesmo embasamento, tornando-se cada vez mais segura a jurisprudência nesse sentido.

No que diz respeito ao HC mencionado anteriormente, o ministro justifica que a prisão preventiva imposta ao paciente implica em medida cerceadora de liberdade mais gravosa do que a própria pena em que foi condenado. Ao fundamentar, o ministro Celso de Mello afirma que "a considerar que a prisão preventiva imposta ao paciente constitui medida constritiva de liberdade mais gravosa que a própria pena a que foi condenado, cuja execução iniciar-se-á no regime prisional semiaberto".

A decisão que manteve a prisão preventiva do paciente, negando-lhe recorrer da mesma em liberdade, foi justificada pelo juízo a quo por conta de o mesmo já responder a outros processos, alegando, assim, que a ordem pública já se sentia ameaçada, mantendo, assim, a prisão do réu.

Porém, devemos trazer a baila o entendimento da prisão em ultima ratio, ou seja, como última medida, não devendo utilizá-la de modo comum, e generalizada, mas apenas quando se comprovar plenamente seu cabimento, não ensejando na possibilidade de prejudicar ainda mais o indivíduo que já se encontra com uma sentença condenatória, mas possibilitando a este todos os direitos de recorrer em liberdade sem que uma medida mais extrema seja a ele imposta.

E, como já mencionado, em decretação de preventiva no regime semiaberto há uma cristalina violação ao princípio da proporcionalidade, demonstrado também no HC 123.226/PI da relatoria do ministro Dias Toffoli, em que deixa claro o constrangimento ilegal à imposição ao paciente, cautelarmente, de um regime mais negativo a sua liberdade que o já estabelecido anteriormente no título penal condenatório, ora fixado pelo juízo sentenciante para o cumprimento inicial da pena, ferindo assim o princípio da proporcionalidade.

Cabe ressaltar que o princípio da proporcionalidade, por sua vez, tem o objetivo de coibir excessos desarrazoados, verificando, assim, a compatibilidade entre o fato e o que foi imposto ao indivíduo, com o fim de evitar restrições desnecessárias ou abusivas. Desse modo, encaixa-se perfeitamente ao mencionado pelo ministro Dias Toffoli em seu voto, não sendo plausível que o poder estatal extrapole no seu dever de julgar.

Finalmente podemos concluir que a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal ampara ser completamente incompatível a prisão preventiva nos casos de fixação no regime semiaberto, devendo o Estado agir com proporcionalidade e razoabilidade, não atuando em desacordo com o texto constitucional, em que prevê como direito e garantia fundamental a liberdade plena do indivíduo, não podendo esta ser restringida de forma abusiva e irregular, garantindo medida cautelar necessária, adequada e proporcional.

Autores

  • é advogado, professor universitário, pós-graduado em Direito Penal e Criminologia pela PUCRS e especialista em Gestão pela mesma instituição. Membro da Comissão da Advocacia Criminal e de Política Penitenciária da OAB-ES.

  • é colaboradora do escritório Metzker Advocacia.

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