Opinião

O pacote que deverá ser desembrulhado em 2020 — o "anticrime"

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17 de janeiro de 2020, 6h30

O ano de 2019 foi marcado por diversas alterações legislativas e jurisprudenciais no âmbito penal e processual penal, que exigirão dos operadores do Direito bastante cautela, especialmente, tendo em vista a criação de novos institutos jurídicos.

Ao longo dos últimos 12 meses, a comunidade jurídica e a sociedade civil assistiram, atentas, ao embate travado no Supremo Tribunal Federal quanto à execução antecipada da pena — que vedou a prisão (automática) após a confirmação da condenação em segundo grau — bem como o explosivo vazamento das mensagens trocadas por autoridades públicas, obtidas pelo site The Intercept Brasil.

No entanto, o maior destaque ocorreu no final de dezembro de 2019 com a promulgação da Lei 13.964/2019 — denominada pacote "anticrime" —, cujo projeto teve origem no Ministério da Justiça e Segurança Pública e instituiu diversas modificações legais, com repercussão em todo ordenamento jurídico.

Dentre elas, destaca-se a criação da figura do “juiz de garantias”, “responsável pelo controle da legalidade da investigação criminal e pela salvaguarda dos direitos individuais” (artigo 3º-B do Código de Processo Penal), com competência, dentre outras, para receber, autorizar ou negar todas as iniciativas de investigação policial que afetem os interesses do investigado, como quebra do sigilo bancário, colaboração premiada, escuta telefônica, captação ambiental e agente infiltrado.

Encerradas as investigações, os autos são remetidos a outro juiz para a instrução do processo e sentença.

Em outras palavras, para cada iniciativa de investigação criminal —presidida pela autoridade policial ou órgão do Ministério Público — que resulte em processo penal ou não, haverá um juiz de garantia, distinto daquele que promoverá a instrução processual e proferirá sentença.

O trabalho atualmente realizado por único magistrado será exercido por dois, onde um não pode intervir na atividade do outro no mesmo processo.

Ao mesmo tempo em que recebe apoio de entidades como a OAB, em razão de ser garantista de direitos individuais, por outras instituições, como o Ministério Público e associações de advogados, recebe críticas sobre o argumento de que, nas comarcas do interior, que tenham poucos juízes, a novidade obrigaria um rodízio de juízes, inclusive impedindo a especialização, por conta do pouco número de magistrados.

Além disso, afirmam que a falta de orçamento e a ausência de regulamentação impendem a adoção imediata do juiz de garantias. Como consequência, não seria razoável entender que, em 30 dias, seja possível implementar o juiz das garantias em sua integralidade, em um país da extensão territorial do Brasil.

A referida lei — que entrará em vigor no dia 23 de janeiro de 2020 — já é alvo de três ações diretas de inconstitucionalidade ajuizadas pela Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe), Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) e Partido Trabalhista Nacional (Podemos), sem previsão de julgamento.

O pacote anticrime também instituiu o artigo 28-A do Código de Processo Penal, que cuida do “acordo de não persecução penal”, por meio do qual o Ministério Público poderá deixar de oferecer a ação penal contra quem, sendo primário, cometeu crime punido com pena inferior a quatro anos, sem violência ou grave ameaça, desde que o interessado repare o dano ou restitua a coisa à vítima, renuncie voluntariamente aos bens e direitos indicados pelo órgão ministerial e, conforme o caso, preste serviços à comunidade.

A análise do acordo de não persecução penal (assim como os de colaboração premiada) é de competência do juiz de garantias (CPP, artigo 3º-B, XVII). Não se trata de colaboração premiada, porquanto, não se exige a cooperação para esclarecimento dos fatos ou auxílio em investigações — a simples confissão e o cumprimento das obrigações impostas é o bastante para afastar o processo penal.

Esse instituto tem como principal finalidade desafogar o Poder Judiciário e reduzir o número de presos.

No âmbito probatório, a Lei 13.964/2019 estabeleceu a figura da “cadeia de custódia” consistente, em suma, no procedimento de rastreio e documentação dos vestígios coletados em locais ou em vítimas de crimes, ou seja, desde o reconhecimento daquilo que se presta à caracterização da prova até o seu efetivo descarte.

Ao descrever os atos que integram essa cadeia de custódia, a violação de qualquer um de seus elementos repercutirá, certamente, na inadmissão da prova ou, até mesmo, na sua menor valoração dentro do processo, cuja aplicação somente o tempo, a doutrina e a jurisprudência poderão dimensionar.

Por fim, o pacote anticrime não se limitou a modificar às normas penais ou processuais penais.

Também alcançou importantes leis extravagantes, dentre elas, a Lei de Improbidade Administrativa, que agora prevê, expressamente, a possibilidade de acordo de não persecução civil, bem como vedou a concessão de medidas cautelares (apreensão e bloqueio de bens, prisões ou o recebimento de denúncia ou queixa-crime) apenas com base na palavra do delator.

Desembrulhar o complexo e polêmico pacote "anticrime" será a principal tarefa para todos os operadores do Direito nesse ano que se inicia.

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