Opinião

Principais atos normativos em 2019 sobre transação tributária

Autor

  • Cristiane Pires

    é doutoranda e mestre pela Universidade de São Paulo. Professora em cursos de Pós-Graduação em Direito Tributário. Sócia do escritório McNaughton Pires e Erustes Advogados.

2 de janeiro de 2020, 6h36

A transação tributária está prevista no Código Tributário Nacional como modalidade extintiva do crédito tributário tributária (artigo 156, inciso III).

Contudo, por prever a necessidade de Lei disciplinando a matéria (artigo 171, do CTN) é que a previsão do Código restou represada nos últimos anos.

O ano de 2019, no entanto, se mostrou o ano da virada!

Como bastante divulgado, recentemente, foi veiculada a Medida Provisória 899 de 16 de outubro de 2019 (MP 899), também conhecida como MP do “contribuinte legal”, que tem por objetivo estabelecer os requisitos e as condições para que a União e os devedores ou as partes adversas realizem transação resolutiva de litígios envolvendo débitos tributários, nos termos do artigo 171 da Lei 5.172, de 25 de outubro de 1966 — Código Tributário Nacional. O presente artigo tem por objetivo tecer considerações sobre tais disposições.

Nos termos da MP 899, a União, em juízo de oportunidade e conveniência, poderá celebrar transação tributária em quaisquer das modalidades previstas no referido veículo normativo, sempre que entender que a medida atende ao interesse público — o que deverá fazer de forma motivada.

De acordo com a MP 899, a transação nela prevista se aplica aos (i) aos créditos tributários não judicializados sob a administração da Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil do Ministério da Economia; (ii) à dívida ativa e aos tributos da União, cuja inscrição, cobrança ou representação incumbam à Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, (iii) no que couber, à dívida ativa das autarquias e das fundações públicas federais, cuja inscrição, cobrança e representação incumbam à Procuradoria-Geral Federal e (iv) aos créditos cuja cobrança seja de competência da Procuradoria-Geral da União, nos termos de ato do Advogado-Geral da União e sem prejuízo do disposto na Lei 9.469, de 10 de julho de 1997.

Com relação ao ingresso na transação, foram concebidas três modalidades: (i) por proposta individual ou por adesão na cobrança da dívida ativa; (ii) por adesão nos casos de contencioso judicial ou administrativo tributário; e (iii) por adesão no contencioso administrativo tributário de baixo valor.  

Ou seja, na prática, de acordo com a MP, a transação será possível tanto no caso de débitos em discussão nos tribunais administrativos e no Judiciário como para dívidas já inscritas na dívida ativa da União Federal.

Para a transação relativa à débitos inscritos em dívida ativa, é possível, conforme explicado acima, o ingresso por adesão ou por iniciativa do sujeito passivo, conforme regulamentação.

A expressão “adesão” invoca casos em que a própria União toma a iniciativa de propor transação, mediante condições estabelecidas em ato normativo infralegal, a qual o sujeito passivo pode aderir.

Para os casos de débitos inscritos em dívida ativa, a transação poderá ter por objeto: (i) a concessão de descontos em créditos inscritos em dívida ativa da União que, a exclusivo critério da autoridade fazendária, sejam classificados como irrecuperáveis ou de difícil recuperação, desde que inexistam indícios de esvaziamento patrimonial fraudulento; (ii) os prazos e as formas de pagamento, incluído o diferimento e a moratória; e (iii) o oferecimento, a substituição ou a alienação de garantias e de constrições.

Destaque-se que apesar da possibilidade de se utilizar de mais de uma das mencionadas alternativas para o equacionamento dos créditos inscritos em dívida ativa, é vedada a acumulação das reduções previstas na MP 899, com quaisquer outras reduções previstas em outros atos normativos em relação aos mesmos créditos objetos da proposta de transação.

A Medida Provisória ainda prevê que a transação não poderá ter por objeto: (i) a redução do montante principal do crédito inscrito em dívida ativa da União; (ii) as multas previstas no § 1º do artigo 44 da Lei 9.430, de 27 de dezembro de 1996, e no § 6º do artigo 80 da Lei 4.502, de 30 de novembro de 1964, e as de natureza penal; e (iii) – os créditos: a) do Regime Especial Unificado de Arrecadação de Tributos e Contribuições devidos pelas Microempresas e Empresas de Pequeno Porte – Simples Nacional; b) do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço – FGTS; e c) não inscritos em dívida ativa da União.

Agora, a proposta de transação de dívida ativa, observará os seguintes limites: (i) quitação em até oitenta e quatro meses, contados da data da formalização da transação; e (ii) redução de até cinquenta por cento do valor total dos créditos a serem transacionados.

Já com relação à transação relativa a casos de contencioso judicial ou administrativo tributário, a Medida Provisória 899/19 prevê que o Ministro de Estado da Economia poderá propor aos sujeitos passivos transação resolutiva de litígios tributários ou aduaneiros que versem sobre relevante e disseminada controvérsia jurídica, com base em manifestação da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional e da Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil do Ministério da Economia.

Note-se, portanto, que haverá dois requisitos a serem observados pelo Ministro da Fazenda: a controvérsia jurídica deverá ser relevante e controversa. Observados tais critérios, há aparente discricionariedade no estabelecimento da transação, por parte do Ministro da Fazenda, quebrando-se o paradigma do artigo 3º do Código Tributário Nacional que estabelece que a atividade da administração pública, na cobrança do tributo, deve ser amplamente vinculada.

Vale apontar que a transação, nesse caso, não poderá versar sobre créditos tributários do Regime Especial Unificado de Arrecadação de Tributos e Contribuições devidos pelas Microempresas e Empresas de Pequeno Porte — Simples Nacional ou do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço — FGTS e deverá observar o limite de quitação em até oitenta e quatro meses, contados da data da formalização da transação.

 Ademais, a transação, em tal hipótese, somente será celebrada se constatada a existência, na data de publicação do edital, de ação judicial, embargos à execução fiscal ou recurso administrativo pendente de julgamento definitivo, relativamente à tese objeto da transação.

Note-se que, em tais hipóteses, é vedada a celebração de nova transação relativa à mesma controvérsia jurídica objeto de transação anterior, com o mesmo sujeito passivo; e II – a oferta de transação por adesão: a) nas hipóteses previstas no artigo 19 da Lei 10.522, de 19 de julho de 2002, quando o ato ou a jurisprudência for em sentido integralmente desfavorável à Fazenda Nacional; e b) nas hipóteses previstas nos incisos V e VI do caput do artigo 19 da Lei 10.522, de 2002, no que couber, quando a jurisprudência for em sentido integralmente favorável à Fazenda Nacional, sendo certo que esta última vedação não obsta a oferta de transação relativa a tema não especificamente abrangido pelo ato ou jurisprudência, ainda que se refira a uma controvérsia destes decorrente.

Deve-se apontar ainda que a transação será considerada rescindida quando (i) contrariar decisão judicial definitiva prolatada antes da celebração da transação; (ii) for comprovada a existência de prevaricação, concussão ou corrupção passiva na sua formação; (iii) ocorrer dolo, fraude, simulação, erro essencial quanto à pessoa ou quanto ao objeto do conflito; ou (iv) for constatada a inobservância de quaisquer disposições da Medida Provisória ou do edital.

Importante mencionar que no final de novembro (2019) a PGFN publicou a Portaria 11.956, disciplinando os procedimentos, requisitos e condições necessárias à realização da transação na cobrança da dívida ativa da União, cuja inscrição e administração incumbam ao referido órgão.

De acordo com a Portaria, a transação com devedores cujo valor consolidado dos débitos inscritos em dívida ativa da União seja superior a R$ 15 milhões somente será permitida a transação individual. Já no caso de valores iguais ou abaixo desse limite, a transação será exclusivamente admitida por adesão à proposta da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, o que será realizado mediante publicação de edital, sendo autorizado, nesses casos, o não conhecimento de propostas individuais.

O primeiro edital (01/2019) prevê quatro possibilidades de transação por adesão: (i) para débitos inscritos em dívida ativa da União de pessoas jurídicas baixadas, inaptas ou suspensas no cadastro CNPJ, sem anotação atual de parcelamento, garantia ou suspensão por decisão judicial; (ii) para débitos inscritos em dívida ativa da União há mais de 15 anos, sem anotação atual de parcelamento, garantia ou suspensão por decisão judicial; (iii) para débitos inscritos em dívida ativa da União com anotação de suspensão por decisão judicial há mais de dez anos; e, finalmente, para débitos inscritos em dívida ativa da União de titularidade de pessoas físicas cuja situação cadastral no sistema CPF seja titular morto.

A finalidade é começar pelos créditos considerados de maior dificuldade de recuperação.

Os descontos oferecidos podem chegar a 50% para a opção de pagamento em parcela única e entrada de, no mínimo, 5% do valor consolidado do débito sujeito à transação. Em se tratando de devedor pessoa física, cuja situação cadastral no sistema CPF seja titular falecido, micro ou pequena empresa, o desconto pode atingir 70%.

A implementação de transação é oportuna para se atingir o objetivo de se aprimorar as relações entre Fisco e contribuintes, tornando-a menos beligerante. É preciso agora aguardar a conversão em lei da Medida Provisória 899/19 e verificar como autoridades judiciais e administrativas aplicarão, na prática, o novo procedimento.

E que venha 2020!

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  • é doutoranda e mestre pela Universidade de São Paulo. Professora em cursos de Pós-Graduação em Direito Tributário. Sócia do escritório McNaughton, Pires e Erustes Advogados.

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