Política indigenista

MPF recomenda que Funai volte a distribuir cestas básicas em MS

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3 de fevereiro de 2020, 21h12

O Ministério Público Federal em Mato Grosso do Sul enviou recomendação à Funai e à Conab para que retomem a distribuição de cestas de alimentos aos indígenas que vivem em terras ainda não demarcados no sul do estado.

Mário Vilela/ Funai
MPF cobra distribuição de alimentos para os povos indígenas em MS
Mário Vilela/Funai

A distribuição de alimentos foi interrompida no começo deste ano após determinação da direção da fundação, em Brasília. No despacho enviado ao MS, a entidade alega que não é sua responsabilidade a aquisição e distribuição de cestas às comunidades indígenas, nem existir orçamento para o deslocamento dos servidores que acompanham os caminhões da Conab na entrega dos alimentos.

A Recomendação foi expedida em 27 de janeiro. O prazo para resposta é de 48 horas, contado a partir da data do recebimento. Caso não haja resposta, o MPF adotará as medidas administrativas e ações judiciais cabíveis contra Fundação Nacional do Índio e Companhia Nacional de Abastecimento.

Nomeação de missionário
Já a INA (Indigenistas) Associados divulgou nota sobre
a possível nomeação de um missionário para chefe do Departamento da Funai que cuida dos índios isolados. Leia abaixo na íntegra:

Nota Pública
Risco iminente

A INA – Indigenistas Associados, associação de servidores da Fundação Nacional do Índio, vem a público manifestar a profunda incompatibilidade técnica e o risco de danos irreparáveis em virtude de possível nomeação de um profissional com experiência missionária contrária aos objetivos da CGIIRC – Coordenação-Geral de Índios Isolados e de Recente Contato e da própria Funai, conforme noticiado nacional e internacionalmente desde o dia 31 de janeiro.

A CGIIRC é a responsável, na Funai, por coordenar as políticas e ações de proteção dospovos indígenas isolados e de recente contato, visando garantir o pleno exercício de sua liberdade e das suas atividades tradicionais sem a necessária obrigatoriedade de contatá-los. Os estudos de localização e monitoramento dos povos indígenas isolados seguem diretrizes específicas, respaldadas na Constituição Federal e na Política para Índios Isolados, em consonância com convenções e tratados internacionais.

Segundo dados da Funai, há cerca de 107 registros da presença de índios isolados no Brasil. A Funai considera isolados “os grupos indígenas que não estabeleceram contato permanente com a população nacional, diferenciando-se dos povos indígenas que mantêm contato antigo e intenso com os não-índios”. Essa decisão autônoma de isolamento desses grupos é reconhecida e deve ser protegida.

Contraditoriamente, de acordo com as reportagens, Ricardo Lopes Dias atuou durante anos como missionário profissional da filial brasileira da ONG americana New Tribes Mission, que tem por objetivo, como descrito pelo próprio indicado em sua dissertação, “a plantação de uma igreja nativa autóctone em cada etnia”.

Embora tenha formação em antropologia e teologia, a experiência profissional do indicado se mostra contrária ao artigo 231 da Constituição, no qual “são reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam”. O projeto de plantar uma igreja em cada etnia é antagônico ao reconhecimento da diversidade de povos e culturas, quando se visa, de forma planejada e sistemática, alterar drasticamente tais culturas.

A incompatibilidade profissional é notória. Destituída de qualquer experiência na política indigenista, esta nova indicação na Funai configura mais um ato contra os direitos indígenas. O histórico profissional do indicado representa um duplo risco aos povos isolados e de recente contato – grupos de extrema vulnerabilidade física e social -, seja por sua completa inabilidade em tema altamente sensível e complexo, seja por sua ligação histórica com ONGs missionárias internacionais.

É em função da extrema vulnerabilidade destes povos que o cargo em questão, até o momento, foi ocupado apenas por profissionais com experiência. Para povos indígenas isolados e de recente contato, amadorismos e experimentações como esta podem causar, rapidamente danos irreparáveis, correndo-se riscos de genocídios e alterações traumáticas na organização social e cultural dos povos.

A Indigenistas Associados se soma ao grande conjunto de manifestações que ressaltam a incompatibilidade de nomeação de um profissional com tal perfil de planejada ingerência religiosa ao cargo de coordenador da política para povos indígenas isolados e de recente contato.

Reiteramos e apoiamos ainda a “Carta aberta dos servidores da Funai responsáveis pela política de povos indígenas isolados e de recente contato ”. Essa carta ressalta que o proselitismo religioso e a atuação missionária, ao pertubar as práticas religiosas dos povos indígenas, se configuram como crimes aos costumes , agravados quando em comunidades de Povos Indígenas Isolados ou de Recente Contato (art. 231 da CF/88 e art. 58 e 59 da Lei nº 6.0001/1973).

É necessário que o Ministério da Justiça e Segurança Pública avalie a incompatibilidade técnica e o risco às vidas indígenas acarretados por tal nomeação, cabendo ao Ministro Sérgio Moro não endossar práticas criminosas contra os povos indígenas no Brasil, aos quais cumpre proteger.

INDIGENISTAS ASSOCIADOS

3 de fevereiro de 2020.

Leia a nota dos servidores da Funai que trabalham com os índios isolados:

Nós, servidores da Coordenação-Geral de Índios Isolados e de Recente Contato (CGIIRC) e das Frentes de Proteção Etnoambiental (FPEs) da Fundação Nacional do Índio (Funai) vimos, por meio da presente carta, manifestar nossa profunda consternação e indignação diante das notícias divulgadas de mais uma troca de gestão da CGIIRC em menos de 04 meses, contrária aos objetivos técnicos da coordenação. A CGIIRC e as FPEs são as unidades responsáveis pela atuação indigenista para proteção de povos indígenas isolados e de recente contato, populações de extrema vulnerabilidade.

Em outubro de 2019 o Governo Brasileiro já decidira trocar a gestão da CGIIRC, exonerando, sem motivo, o então Coordenador-Geral, designando Paula Wolthers de Lorena Pires como substituta. Na ocasião, a Funai publicou notícia oficial enaltecendo a colocação de Paula Pires à frente da CGIIRC , por ser servidora da Funai há mais de nove anos e com experiência na área de povos isolados e de recente contato.

A política pública brasileira para tais povos é reconhecida internacionalmente por sua qualidade e caráter estritamente técnico. Baseada na política do não-contato e no respeito ao direito desses povos à sua organização social, costumes e tradições, vedando, assim, proselitismo religioso e atuação missionária, crime agravado quando em comunidades de Povos Indígenas Isolados ou de Recente Contato (artigo 231 da CF/88 e artigo 58 e 59 da Lei nº 6.0001/1973). Por conta da vulnerabilidade destes povos, os(as) ocupantes do cargo de Coordenador-Geral, até o presente momento, foram servidores(as) da área, com experiência na política, escolhidos em diálogo com coordenadores das FPEs.

A possível nomeação por parte da Funai do senhor Ricardo Lopes Dias para o cargo, mais uma vez sem consulta, pretende colocar à frente da CGIIRC alguém com atuação contrária aos direitos dos povos indígenas isolados e de recente contato. De acordo com o publicado, Ricardo Lopes Dias, atuou, enquanto membro da organização religiosa Missão Novas Tribos do Brasil, filial da ONG internacional New Tribes Mission, como missionário na Terra Indígena Vale do Javari. A organização indígena da região também já manifestou repúdio a esta indicação.

Em comprometimento ao nosso dever institucional de proteger os direitos dos povos indígenas isolados e de recente contato, em consonância com a legislação vigente e com a política pública indigenista de referência mundial desenvolvida pela Funai, reivindicamos a imediata revogação do trâmite de nomeação de Ricardo Lopes Dias e a efetivação de Paula Wolthers Pires como Coordenadora-Geral da CGIIRC.

3 de fevereiro de 2020"

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