Insegurança e inadimplência

Decisão do Supremo sobre correção de dívida trabalhista preocupa especialistas

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18 de dezembro de 2020, 12h11

Especialistas do Direito do Trabalho manifestaram preocupação com a decisão do Supremo Tribunal Federal desta sexta-feira (18/12), que afastou a taxa referencial da correção das dívidas trabalhistas e determinou a aplicação do IPCA-E na fase pré-judicial e da Selic a partir da citação.

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Entre as principais preocupações estão o efeito cascata da decisão, que vai gerar uma série de recursos na Justiça Trabalhista, e o incentivo à inadimplência. A solução, segundo os especialistas, deve partir do próprio Supremo em sede de embargos, ou do Legislativo.

Para Ricardo Calcini, embora os ministros tenham debatido correção monetária, os efeitos da decisão vão impactar diretamente os juros de mora na Justiça Trabalhista, que, segundo o artigo 833 da CLT, são devidos à razão de 1% ao mês após a distribuição da ação.

No entanto, a taxa Selic, que é o índice básico de juros da economia, já compreende juros de mora. "Em tese, a decisão do Supremo tornou letra morta o artigo 833 da CLT, salvo se for modificada via embargos de declaração".

Como só os casos em que já houve pagamento do débito dos trabalhadores não serão afetados pela decisão, a previsão de Calcini é de que a Justiça do Trabalho será inundada de recursos.

"Na prática, teremos uma avalanche de novos recursos judiciais, especialmente manejados pelas empresas, as quais, doravante, terão que refazer seus provisionamentos com os passivos trabalhistas a partir de 2021", explicou.

"É indiscutível que os critérios de atualização fixados pelo Supremo prejudicam os trabalhadores que, até então, recebiam seus créditos com a aplicação do IPCA-E, como índice de correção monetária, além de juros de 1% de mora a partir da distribuição da ação", avaliou.

"De agora em diante, ficará muito mais barato o custo com as reclamações, o que, por certo, incentivará a inadimplência por parte dos empregadores, dificultando os acordos e aumento o número de recursos para as instâncias superiores."

A mesma opinião tem o advogado Ronaldo Tolentino, sócio da Ferraz dos Passos Advocacia. "Penso que a decisão foi equivocada e irá incentivar o inadimplemento no pagamento das verbas trabalhistas. Sairá muito mais barato ao empregador não pagar o trabalhador e deixar que este vá buscar o pagamento na Justiça do Trabalho pela taxa Selic que hoje é próxima de 2% ao ano. Em última ratio, a decisão irá aumentar o número de processos na Justiça do Trabalho."

O risco de inadimplência também preocupa a Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra), que atuou como amicus curiae no julgamento. Em nota, a presidente da entidade, Noemia Porto, afirmou que "a possibilidade que aponte para uma correção adequada e justa dos créditos trabalhistas, que têm caráter alimentar, terá que vir do Poder Legislativo. É o que a Anamatra espera. Até lá, infelizmente, é possível e previsível que teremos que conviver com o agravamento da inadimplência e com o retardo no cumprimento de decisões judiciais em sede de execução trabalhista".

Para Luiz Marcelo Góis, sócio do BMA Advogados, o julgamento trouxe segurança jurídica, mas também deixou muitas questões em aberto. "Depois de muita expectativa, esse julgamento trouxe uma perspectiva para as empresas terem um pouco mais de segurança jurídica em quantificar suas contingências trabalhistas e realizar seus planejamentos financeiros. Mas ainda há questões para serem respondidas. O que acontece com os casos em execução provisória? As empresas podem fazer o levantamento dos valores que estão em excesso? O que acontece com os processos que não estão mais em fase de conhecimento, mas onde ainda não há depósito da condenação? É necessário observar os novos parâmetros?", questiona.

Juvenal Norberto, advogado e professor, defende que a decisão evita "as grandes perdas financeiras ocasionadas pela demora no recebimento dos direitos trabalhistas inadimplidos, demora esta agravada pelo crescimento do número de demandas trabalhistas em detrimento do aparato necessário para empreender celeridade aos julgamentos".

"Na outra ponta encontram-se os empregadores que reclamam dos altos impostos a que são submetidos e da situação financeira de alguns que se agravou com a crise que enfrentamos. Porém, só haverá prejuízo aos empregadores se houver inadimplência", pondera.

Na opinião de Paulo Peressin, advogado do Lefosse Advogados, a decisão chama a atenção e promete gerar desdobramentos, tendo em vista que, ao declarar que, a partir da citação do réu, os débitos devem ser atualizados pela Selic, o STF expressamente derruba o critério de aplicação de juros de 1% ao mês sobre os débitos trabalhistas, posto que a taxa básica, por conceito, já engloba juros mais correção monetária.

“E não há dúvidas quanto à intenção da alteração perpetrada, já que, em trecho do voto condutor do assunto, do ministro Gilmar Mendes, há clara sugestão de que o legislador, futuramente, ‘corrija’ a questão, ‘equalizando os juros e a correção monetária aos padrões de mercado’, de modo a adotar a taxa Selic ‘em substituição à TR e aos juros legais’”.

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