Que seja bem-vinda a diversidade
10 de dezembro de 2020, 11h35
A decisão de instituir a aplicação de cotas de gênero e de etnias, adotada no dia 1º de dezembro deste ano pelo Colégio de Presidentes da OAB, é, sem dúvida, o maior avanço promovido por nossa entidade máxima desde sua criação há 90 anos. A Ordem deu um passo em direção à inclusão. E isso não é uma mera questão protocolar ou de simples retórica, num mundo onde o politicamente correto é cada vez mais valorizado. É, acima de tudo, uma questão de atitude.
Pela decisão do Colégio de Presidentes, teremos cotas de 15% para etnia afrodescendente e 50% para mulheres e homens nas chapas para eleições da Ordem. A importância dessa decisão é oxigenar a OAB, que durante a maior parte da sua existência foi comandada por homens brancos, heterossexuais e com posição econômica privilegiada, como registraram as colegas Janaina Matida e Daniela Portugal em artigo sobre a decisão do Colégio de Presidentes publicado nesta ConJur no dia 4 de dezembro.
A OAB do Distrito Federal já foi presidida por uma mulher, Estefânia Viveiros, que fez um grande trabalho à frente da instituição. Foi a única a ocupar o cargo. Na OAB federal, nunca uma mulher teve a oportunidade de ocupar a presidência. Isso mostra o quanto é importante a diversidade enquanto atitude e não apenas como retórica.
Há 121 anos, Mytrthes Gomes de Campos fazia sua estreia como primeira mulher a advogar no Brasil. Ela se formou em 1898 e só a muito custo conseguiu registrar seu diploma, depois de recorrer ao Tribunal da Relação do Rio de Janeiro, após enfrentar a má vontade do presidente da corte, desembargador José Rodriguez.
No ano seguinte, Myrthes Campos fez sua primeira defesa perante o Tribunal do Júri e conseguiu a liberdade de seu cliente. Mesmo com sua competência, provada e comprovada, a jovem advogada de 24 anos não conseguia filiar-se ao antigo Instituto da Ordem dos Advogados Brasileiros. Era a primeira mulher a pleitear a filiação, o que gerou enorme resistência numa época em que a virilidade e a advocacia andavam de mãos dadas.
Myrthes Campos somente conseguiu filiar-se ao velho IOAB em 1906, seis anos após sua primeira vitória no Tribunal do Júri. A admissão da jovem advogada abriu o IOAB para o debate de questões jamais abordadas numa República que ainda dava seus primeiros passos, como o trabalho feminino e infantil, o divórcio e os direitos trabalhistas, que ficaram de fora da Constituição de 1891, a primeira da era republicana.
Era pequena e muito inteligente, nas palavras de Evaristo de Morais, que teve o privilégio de conhecê-la. Sua luta pelo direito das mulheres exercerem a profissão e serem reconhecidas pela sociedade é um exemplo a ser lembrado sempre. Ela deve servir de inspiração para nossa geração e as futuras. Revendo a história desta guerreira, tive a certeza do avanço e do significado da decisão do nosso Colégio de Presidentes. Ter uma mulher no comando da OAB será motivo de orgulho para todos nós e a realização de um sonho de mais de um século.
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