Opinião

Antonio Carlos de Araújo Cintra: saudade do mestre e amigo

Autor

  • José Rogério Cruz e Tucci

    é sócio do Tucci Advogados Associados ex-presidente da Aasp professor titular sênior da Faculdade de Direito da USP membro da Academia Brasileira de Letras Jurídicas e do Instituto Brasileiro de Direito Processual e conselheiro do MDA.

10 de dezembro de 2020, 12h21

Foi no final da tarde desta última quarta-feira, que o meu velho e estimado colega de turma, Luíz Perissé, noticiou-me a morte de Antonio Carlos de Araújo Cintra, meu querido professor de direito processual civil e grande amigo durante décadas.

Ainda comovido pelo seu passamento, aproveito para prestar-lhe singela homenagem…

Araújo Cintra nasceu em São Paulo, no dia 4 de fevereiro de 1934, filho de Antonio Félix de Araújo Cintra e Vera Aguiar de Araújo Cintra.

Ingressou na Faculdade de Direito do Largo de São Francisco em 1952, tendo se formado em 1956.

Casou-se com a Sra. Maria Thereza Sampaio de Araújo Cintra. Antonio Félix, seu filho primogênito, é advogado militante, franciscano da turma de 1986. O professor Araújo Cintra deixou mais três filhos, Antonio Carlos, igualmente bacharel em direito e também engenheiro pela Escola Politécnica, Ana Carolina e Isabel, somando a família oito netos.

Araújo Cintra cursou a especialização na Faculdade de Direito, nos anos de 1964 a 1966, na cadeira de teoria geral do Estado, apresentando a dissertação intitulada Aspectos da atividade jurisdicional em face do princípio da divisão de poderes; e na cadeira de direito administrativo, concluindo com a dissertação Da declaração de utilidade pública no direito brasileiro; e na cadeira de direito processual, apresentando como trabalhos finais Da substituição processual e Da ação rescisória no anteprojeto do Código de Processo Civil.

Em imediata sequência, no biênio 1965-1966, viveu nos Estados Unidos, cursando disciplina de direito comparado na New York University of Law, recebendo, em 1971, o grau de Master of Comparative Jurisprudence.

Obteve o título de doutor em direito, na São Francisco, em 1968, com a tese Do litisconsórcio unitário.

Ainda em 1971, inscreveu-se no concurso para livre-docência, nas Arcadas, com a tese seminal Do chamamento à autoria. A partir de sua aprovação, em 1972, passou a reger a disciplina teoria geral do processo.

Em 1975, fui aluno do prezado professor Araújo Cintra, exatamente de teoria geral do processo no segundo ano diurno do curso de bacharelado, na sala Brasílio Machado, no 3º andar da Faculdade de Direito. O livro básico para seguir o respectivo programa tinha o mesmo título da disciplina — Teoria geral do processo —, que havia sido então escrito pelo próprio professor Cintra, em co-autoria com Ada Pellegrini Grinover e Cândido Rangel Dinamarco. Esta obra, como é notório, lançada no início da vigência do Código de 1973, teve retumbante aceitação e, por esta razão, sempre atualizadas, um número significativo de edições — mais de 30 —, foram publicadas pela editora Revista dos Tribunais e, depois, pela Malheiros.

Anos mais tarde, em 1978, o professor Araújo Cintra conquistou a sua segunda livre-docência, desta feita em direito administrativo, com a tese Motivo e motivação do ato administrativo, monografia interdisciplinar, na qual vem examinada, com acuidade, a teoria do controle jurisdicional do ato administrativo e de seus motivos.

Araújo Cintra, por força do Decreto de 13 de setembro de 1984, foi nomeado, pelo quinto constitucional, na classe advogado, para juiz do Tribunal de Alçada Criminal de São Paulo, depois, em 1º de abril de 1985, removido para o 1º Tribunal de Alçada Civil e, então, em 26 de junho de 1991, promovido a desembargador do Tribunal de Justiça paulista, aposentando-se, por tempo de serviço, em 24 de fevereiro de 1993.

Com a aposentadoria compulsória dos professores Celso Neves, em 1983, e Alfredo Buzaid, em 1984, abriram-se duas vagas para a cadeira de direito processual civil, sendo então realizado um único concurso. Inscreveram-se três professores adjuntos da carreira docente no Largo de São Francisco: Antonio Carlos de Araújo Cintra, com a tese Limites objetivos da apelação civil, Cândido Rangel Dinamarco e Vicente Greco Filho.

O importante e memorável certame acadêmico, para provimento de dois cargos de professor titular de direito processual civil, foi marcado para se realizar em meados do mês de junho de 1986. Iniciando a minha docência na Faculdade de Direito, assisti de corpo presente ao disputado concurso.

Para preenchimento dos dois cargos em disputa, foram indicados, em 20 de junho de 1986, os professores Cândido Dinamarco e Araújo Cintra.

Empossados na mesma sessão solene, o professor Cintra, com a discrição que conotava a sua personalidade, ao agradecer o discurso feito em nome da Congregação, limitou-se a asseverar:

“Douta Congregação, que ora me acolhe com fidalguia inexcedível. Meus queridos alunos, de tantas gerações das Arcadas imortais. Caros funcionários, cuja amável colaboração nunca me faltou. Minhas senhoras e meus senhores: Noutras circunstâncias, seria inescusável ousadia pretender falar-vos, pois não recebi o dom da eloquência que adorna o verbo inspirado dos oradores desta manhã de primavera. Hoje, porém, não me é dado calar. Para mim, é um dia de plenitude e de festa, o coroamento de longo e prolongados esforços, de estudos, pesquisas, meditação e trabalho a que me dediquei, no correr de anos, com sempre renovado entusiasmo, estimulado pelo esplêndido convívio com a mocidade acadêmica e pelo constante apoio e conselho dos Mestres desta Casa. Por isso, quero partilhar com todos a alegria desta hora singular, agradecendo, profundamente, a cada um que me tenha ajudado na caminhada para que ela se tornasse possível. Volto meus olhos para o futuro. Assumindo o honroso cargo de Professor Titular de Direito Processual Civil da Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, Alma Mater, prometo consagrar a maior energia e a diligência de que for capaz ao desempenho da grata missão que lhe é inerente. Prometo prosseguir, com o mesmo ardor do noviciado, no cumprimento do ofício docente, com o fito maior de despertar a chama da consciência jurídica dos jovens estudantes, lançando em campo fértil a semente dos valores fundamentais do direito, que se alicerçam na transcendente dignidade da pessoa humana. Prometo lutar, na medida das minhas forças, pela continuidade das tradições da Velha Academia pois, plasmadas nos bancos escolares e nas cátedras, em torno dos ideais vivificantes de liberdade e de justiça, elas a mantêm sempre nova e atual. Tudo farei para corresponder à confiança em mim depositada…”.

O professor Antonio Carlos de Araújo Cintra foi muito próximo de seus colegas e, sobretudo, de seus alunos, durante todo o arco temporal em que exerceu o magistério, até a sua aposentadoria compulsória em 2004.

Vale salientar que o professor Araújo Cintra era dotado de vasta cultura literária e jurídica — de Joyce (ele é, de fato, especialista do intrincado vocabulário de James Joyce) a Kelsen — e, dada a sua privilegiada memória, citava, muitas vezes, passagens dos grandes clássicos da literatura mundial sem qualquer consulta.

A sua morte representa realmente uma grande perda no mundo da ciência do direito.

Sempre tive especial consideração pelo meu primeiro e inesquecível Mestre de processo civil, com quem, até hoje, embora de forma esporádica, mantinha sincera e estreita relação de amizade!

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