Opinião

Reforma tributária aplicada ao terceiro setor e às organizações religiosas

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26 de agosto de 2020, 15h23

O Projeto de Lei nº 3.887/20 propõe o regime de simplificação das contribuições sociais PIS/Pasep e Cofins para a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS). São contribuintes da CBS as pessoas jurídicas de direito privado e as que lhe são equiparadas pela legislação do Imposto de Renda das Pessoas Jurídicas (IRPJ).

Do fato gerador
"Artigo 2º — A CBS incide sobre o auferimento da receita bruta de que trata o artigo 12 do Decreto-Lei nº 1.598, de 26 de dezembro de 1977, em cada operação.

§1º. A CBS incide ainda sobre as receitas decorrentes de acréscimos à receita bruta de que trata o caput, tais como multas e encargos.

§2º. A CBS não incide sobre receitas decorrentes da exportação para o exterior, assegurada a apropriação dos créditos a elas vinculados".

O Supremo Tribunal Federal pacificou o entendimento sobre o conceito de faturamento e de sua equivalência ao conceito de receita bruta, nos termos do artigo 12 do Decreto-Lei nº 1.598, de 1977. De acordo com esse artigo, a receita bruta é o produto da venda de bens e serviços, ou, no caso, de não se caracterizar como coisa ou outra, o produto das demais atividades empresariais da pessoa jurídica.

"Artigo 12 — A receita bruta compreende:

I o produto da venda de bens nas operações de conta própria;

II o preço da prestação de serviços em geral;

III o resultado auferido nas operações de conta alheia;

IV as receitas da atividade ou objeto principal da pessoa jurídica não compreendidas nos incisos I a III".

Apesar da conceituação do que é receita bruta, resta definida em tese o que a compreende. Por que definição em tese? O inciso IV é uma previsão genérica. E a falta de definição sobre o que incide a CBS além das hipóteses dos incisos I a III, e do artigo 22 do Projeto de Lei, permite a interpretação extensiva da norma.

Por exemplo, o Fisco pode considerar como hipótese de incidência da CBS as hipóteses de doações e contribuições dos associados às entidades que fazem parte.

As organizações da sociedade civil pactuam com o ente público convênios, termos de parceria e outras modalidades de contratos que permitem a transferência de recursos públicos. Esses recursos são contabilizados como receita, pois servem a um propósito específico e custeiam o objeto do contrato. Nos termos do citado dispositivo, parece-nos que a definição aberta do artigo 2º do Projeto de Lei permitiria a incidência da CBS sobre essas receitas.

Um dos importantes diferenciais no Projeto de Lei é a não cumulatividade, com compensação da CBS paga nas etapas anteriores.

"Artigo 13  Os créditos da CBS apropriados em cada período de apuração serão descontados da CBS incidente sobre as operações ocorridas no mesmo período.

Parágrafo único. Eventual excedente de créditos em determinado período de apuração poderá ser utilizado nos períodos de apuração subsequentes".

A base de cálculo da CBS é o valor da receita bruta auferida em cada cooperação. A alíquota geral será de 12%. É importante também ver o que não integrará a base de cálculo:

"Artigo 7º (…)

Parágrafo único. Não integra a base de cálculo da CBS o valor:

I do Imposto sobre Operações relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação – ICMS destacado no documento fiscal;

II do Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza – ISS destacado no documento fiscal;

III dos descontos incondicionais indicados no documento fiscal; e

IV da própria CBS".

No artigo 20 e seguintes do PL nº 3.887/20 restam previstas as regras de imunidades e isenções. Assim, são imunes à CBS as entidades beneficentes de assistência social que atendam às exigências estabelecidas pela legislação, nos termos do artigo 195, §7º, da CF/88.

Referida proposta está de acordo com o julgamento recente da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) nº 4.480, julgada no Supremo Tribunal Federal, cujos requisitos da norma constitucional estão previstas atualmente no artigo 14 do Código Tributário Nacional (CTN), até que nova lei complementar disponha sobre o tema.

Templos de qualquer culto e a isenção da CBS
Uma novidade no projeto de lei, no artigo 21, inciso I, é a previsão de isenção da CBS aos templos de qualquer culto. Pois atualmente as organizações religiosas são obrigadas a recolher o PIS e a Cofins.

"Artigo 21  São isentos da CBS:

I os templos de qualquer culto."

Essa previsão legal é uma importantíssima novidade para as organizações religiosas do artigo 44, inciso IV, do Código Civil. Entretanto, cabe um apontamento bastante relevante sobre a intenção do PL de conceder a isenção da CBS às entidades religiosas.

Temos aqui duas regras matrizes de incidência tributária, sendo uma a imunidade e a outra a isenção.

Segundo Aliomar Baleeiro [1], "imunidade é uma limitação constitucional ao poder de tributar consistentes na delimitação da competência tributária".

O professor Paulo de Barros Carvalho [2] define a imunidade tributária como "a classe finita e imediatamente determinável de normas jurídicas, contidas no texto da Constituição Federal, e que estabelecem, de modo expresso, a incompetência das pessoas políticas de direito constitucional interno para expedir regras instituidoras de tributos que alcancem situações específicas suficientemente caracterizadas".

Já a isenção possui natureza jurídica distinta. Não se trata de uma limitação ao poder de tributar, e, sim, uma exclusão, ou melhor, uma dispensa legal ao pagamento do tributo. Pode ser revogada a qualquer momento, diferentemente da imunidade.

O Projeto de Lei nº 3.887/20 ainda será votado no Congresso Nacional para, na sequência, ser sancionado pelo presidente da República. O PL está em plena fase legislativa e nos cabe uma análise profunda da proposta a fim de solicitar a aplicação das conquistas jurisprudenciais que beneficiam as entidades do terceiro setor acerca do PIS/Cofins.

 


[1] BALEEIRO, Aliomar. Direito Tributário Brasileiro.10ª ed. revista e atualizada por Flávio Bauer Novelli. Rio de Janeiro: Forense, 1985.

[2] CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário, 17ª ed. Saraiva, 2005, p. 185.

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