Opinião

Penhora do auxílio emergencial é possível

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13 de agosto de 2020, 6h35

A lógica do processo executório brasileiro é a seguinte: quando o devedor é intimado a pagar e não o faz, iniciam-se os atos expropriatórios para satisfação do crédito. No entanto, para fins de expropriação, é necessário identificar quais bens, considerada a realidade patrimonial do executado, são passíveis de expropriação, o que se faz pela penhora.

A penhora não pode, todavia, alcançar todos os bens e direitos do devedor. Em respeito ao princípio da dignidade humana e à regra da menor onerosidade, existem bens e direitos do devedor que escapam a essa apreensão, sendo considerados, portanto, impenhoráveis.

O artigo 883 do Código de Processo Civil estabelece um rol de bens e direitos impenhoráveis, entre os quais estão os vencimentos, subsídios, soldos, salários, remunerações, proventos de aposentadoria, pensões, assim como quantias recebidas por liberalidade de terceiro e remetidas ao sustento do devedor e de sua família. Sendo assim, a pergunta que se faz é: seria o auxílio emergencial uma verba passível de penhora?

Inicialmente, a resposta seria: não! Isso porque a verba instituída pela Lei 13.982/2020 tem por finalidade ajudar no sustento daqueles trabalhadores que não tendo emprego formal ativo nem sejam beneficiários da Previdência Social, de seguro-desemprego ou de programa de transferência de renda federal, à exceção do Bolsa Família foram prejudicados pela pandemia da Covid-19. À evidência, o auxílio tem caráter alimentar.

O CNJ editou, com base nesse entendimento, a Resolução 318/2020 para orientar os magistrados a não procederem à penhora dos valores referentes ao auxílio emergencial assistencial. Veja-se:

"Artigo 5º — Recomenda-se que os magistrados zelem para que os valores recebidos a título de auxílio emergencial previsto na Lei nº 13.982/2020 não sejam objeto de penhora, inclusive pelo sistema BacenJud, por se tratar de bem impenhorável nos termos do art. 833, IV e X, do CPC.
Parágrafo único. Em havendo bloqueio de valores posteriormente identificados como oriundos de auxílio emergencial, recomenda-se que seja promovido, no prazo de 24 (vinte e quatro) horas, seu desbloqueio, diante de seu caráter alimentar".

Entretanto, e quando o crédito exequendo decorrer de obrigação alimentar, a impenhorabilidade dos valores recebidos a título de auxílio emergencial deve ser mantida?

A resposta não é simples. Mas passa, necessariamente, pela análise do §13 do artigo 2º da Lei 13.982/2020. O referido dispositivo foi incluído na lei do auxílio emergencial posteriormente à sua instituição, em razão do mesmo tipo de questionamento aqui feito: podem as instituições financeiras descontar ou compensar saldos negativos ou dívidas preexistentes do beneficiário? Entre 2 de abril (início da vigência da Lei 13.982) e 15 de maio (início da vigência da Lei 13.998), havia dúvida, sanada pelo legislador com uma resposta negativa.

Todavia, em que pese essa resposta, ela não deve ser adotada para os casos de dívidas decorrentes de obrigações alimentares. Isso porque as instituições financeiras dispõem de instrumentos para arcar com o inadimplemento e até para se ressarcir quando ele surgir, como é o caso do seguro prestamista. A mesma sorte, porém, não acolhe os alimentandos. Portanto, é incabível a aplicação analógica ou extensiva do §13 aos casos de pensão alimentícia.

A análise das normas regentes das execuções alimentares revela um binômio necessário a ser observado: a possibilidade do alimentante e a necessidade do alimentando. Isso quer dizer, simplesmente, que, se o alimentando estiver necessitando e o alimentante puder, ainda que em razão de ser beneficiário do auxílio emergencial assistencial, pagar o alimento, a obrigação deve ser adimplida. É nesse sentido, aliás, que deve ser interpretado o §2º do artigo 833 do Código de Processo Civil, pelo qual a impenhorabilidade não se aplica à hipótese de penhora para pagamento de prestação alimentícia, independentemente de sua origem.

Portanto, diferentemente do que foi recomendado pelo CNJ na Resolução 318/2020, é possível a possibilidade de penhora do auxílio emergencial nas hipóteses em que o crédito exequendo decorrer de prestações alimentares, desde que observada a equação binomial. É dizer, o devedor de alimentos é responsável pela sua subsistência e também pela subsistência de pessoas que dele dependem. Logo, é acertado o entendimento firmado pela 6ª Vara de Família de Fortaleza, que, no processo 0147559-23.2017.8.06.0001, determinou a penhora de valor equivalente a 50% do auxílio emergencial recebido por um pai que deve alimentos para seu filho, além do bloqueio de parte do FGTS liberado para saque pelo governo federal em razão da pandemia.

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