Opinião

A nova Lei do Agro e a compra de imóveis rurais

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27 de abril de 2020, 6h04

A Lei n. 13986/20, conhecida como "Lei do Agro", trouxe avanços significativos para aumentar o acesso dos produtores rurais ao crédito privado. Um dos destaques mais significativos diz respeito às alterações promovidas na Lei 5.709/71[1] e nº 6.634/79[2], que permitiram a consolidação da propriedade de imóvel rural por empresas estrangeiras ou brasileiras controladas por estrangeiros, única e exclusivamente, nas hipóteses em que: (i) tiver sido constituída garantia real inclusive nos casos de alienação fiduciária do bem imóvel e (ii) havendo uma negociação prévia em curso, a consolidação seja necessária para liquidação do débito, seja por intermédio excussão do bem em razão de uma garantia real, seja por intermédio de dação em pagamento.

Essas possibilidades de aquisição estavam inviabilizadas desde a publicação do Parecer AGU 01/2008, que mudou interpretações que vigoravam até então, e passou a considerar proibidas aquisições por empresas estrangeiras ou controladas por estrangeiros. Isso acabou por inviabilizar para essas empresas a negociação de dívidas via dação em pagamento de imóveis rurais, bem como a adjudicação de bens imóveis rurais no caso de execuções hipotecárias, por exemplo. A alienação fiduciária, por sua vez, continuou sendo utilizada como garantia, pois num primeiro momento transferia a propriedade ainda que provisória do bem, mas gerava insegurança jurídica, principalmente nos casos em que ocorresse inadimplemento e a garantia precisasse se executada.

A grande discussão até então travada, imposta especialmente pela Lei 5709/71, era a de que as empresas nacionais, constituídas e estabelecidas no Brasil, que tivessem em sua composição majoritária a presença de pessoas físicas ou jurídicas estrangeiras, eram equiparadas a estrangeiros para fins de aquisição de imóveis rurais e, portanto, estariam submetidas a todas as restrições previstas naquela lei. Isso retraiu o mercado que passou a contar com uma quantidade menor de hipóteses de financiamento do seu crédito. Importante ressaltar que em praticamente todos os casos de recebimento do crédito por intermédio de bens imóveis (excussão da hipoteca ou dação em pagamento), não é interesse da empresa que recebe manter aquele bem em seu estoque, mas vendê-lo na sequência. Antes do Parecer da AGU vedando a aquisição de imóvel rural por qualquer meio, essas operações eram corriqueiras e viabilizam as composições amigáveis entre produtores e credores que lhes financiavam a safra e que, em boa parte das vezes, seguiam financiando a safra depois de reduzida a exposição do crédito.

As alterações trazidas com a nova Lei do Agro, nesse ponto, mostram-se bem positivas e possibilitam um aumento na oferta e na negociação de crédito por empresas brasileiras com capital majoritário de estrangeiros dos mais diversos setores (financeiro, insumos, etc), uma vez que o risco da operação e, mais importante, da excussão da respectiva garantia imobiliária, será viabilizada em função das melhorias trazidas pela lei.

Acreditamos que, com essas alterações, restem superadas as dúvidas e questionamentos que diziam respeito ao artigo 1°, parágrafo 1°, da Lei 5709/71, especificamente quanto às restrições impostas às empresas estrangeiras ou a ela equiparadas na aquisição de imóvel rural ao menos nos formatos previstos na nova Lei do Agro. Há nesse aspecto também em andamento o Projeto de Lei 2936/19, que regulamenta de forma completa a aquisição de propriedade e posse de imóveis rurais por estrangeiros, retirando por completo as restrições que ainda existem na aquisição de imóvel rural por empresas constituídas no Brasil, mas cujo capital majoritário seja composto por pessoas físicas ou jurídicas estrangeiras. Tal projeto poderá ser adaptado para tratar das hipóteses de aquisição de imóvel rural por estrangeiro e, no caso das empresas brasileiras controladas por estrangeiros, deverá convalidar o tratamento jurídico já definido pela nova Lei do Agro.

Resta sem dúvida também que a nova Lei do Agro nesse aspecto seguiu à risca os preceitos constitucionais, em especial o artigo 190, da CF, que determina que a “lei regulamentará e limitará a aquisição ou o arrendamento de propriedade rural por pessoa física ou jurídica estrangeira”. Então, ao menos as aquisições decorrentes da livre negociação entre produtores e empresas que fomentam o crédito ou mesmo a execução de garantia de hipoteca ou de qualquer outra garantia real passam a receber a chancela de serem operações juridicamente seguras. Adicionalmente, hoje empresas estrangeiras ou equiparadas que venham a constituir alienação fiduciária de imóvel rural em garantia do recebimento de suas operações não possuem óbices tanto quanto a constituição da garantia em si e transferência da propriedade resolúvel quanto na transferência da propriedade definitiva, quando for o caso.

Importante reconhecer que a flexibilização das restrições impostas na aquisição de imóvel rural por pessoa jurídica estrangeira segue as diretrizes do atual governo para atrair investimentos estrangeiros. O Ministério da Economia emitiu, em 10/3/2020, após a declaração do estado de emergência por conta da pandemia do novo coronavírus, o Oficio SEI 84/2020 – que propõe a agilidade em algumas pautas do Congresso Nacional. Dentre elas, a questão da aquisição e venda de terras por estrangeiro, com a finalidade de resguardar a economia brasileira, aumentar a segurança jurídica dos negócios e consequentemente atrair investimentos.

Dessa forma, malgrado críticas isoladas de que a nova Lei do Agro tenha beneficiado credores, a verdade é que as alterações comentadas ampliaram as formas de captação de crédito privado e certamente vão trazer mais crédito para os produtores e o melhor, com segurança jurídica, além de auxiliar o país na recuperação dos danos causados pela pandemia do Covid-19.

 


[1] Art. 51. O § 2º do art. 1º da Lei nº 5.709, de 7 de outubro de 1971, passa a vigorar com a seguinte redação:
“Art. 1º (…)
§ 2º As restrições estabelecidas nesta Lei não se aplicam:
I aos casos de sucessão legítima, ressalvado o disposto no art. 7º desta Lei;
II às hipóteses de constituição de garantia real, inclusive a transmissão da propriedade fiduciária em favor de pessoa jurídica, nacional ou estrangeira;
III aos casos de recebimento de imóvel em liquidação de transação com pessoa jurídica, nacional ou estrangeira, ou pessoa jurídica nacional da qual participem, a qualquer título, pessoas estrangeiras físicas ou jurídicas que tenham a maioria do seu capital social e que residam ou tenham sede no exterior, por meio de realização de garantia real, de dação em pagamento ou de qualquer outra forma”.

[2] Art. 52. O § 4º do art. 2º da Lei nº 6.634, de 2 de maio de 1979, passa a vigorar com a seguinte redação:
“Art. 2º (…)
§ 4º Excetuam-se do disposto nos incisos V e VI do caput deste artigo a hipótese de constituição de garantia real, inclusive a transmissão da propriedade fiduciária, em favor de pessoa jurídica nacional ou estrangeira, ou de pessoa jurídica nacional da qual participem, a qualquer título, pessoas estrangeiras físicas ou jurídicas que tenham a maioria do seu capital social e que residam ou tenham sede no exterior, bem como o recebimento de imóvel rural em liquidação de transação com pessoa jurídica nacional ou estrangeira por meio de realização de garantia real, de dação em pagamento ou de outra forma”.

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