Opinião

A polêmica liminar na ADI 6363 e um retorno à teoria do negócio jurídico

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14 de abril de 2020, 14h23

Nos últimos anos, poucas decisões judiciais suscitaram tanta polêmica e atraíram tanta atenção da mídia e da sociedade quanto a liminar proferida pelo excelentíssimo ministro Ricardo Lewandowski, do STF, no último dia 6, na ADI 6.363, ratificada em decisão de embargos de declaração nesta segunda-feira (13).

De acordo com o pronunciamento de sua Excelência, já considerados os esclarecimentos oferecidos em 13/04/2020, os acordos individuais firmados entre trabalhador e empregador produzem efeitos imediatos, mas dependem de convalidação por meio da manifestação do sindicato dos empregados, que poderá, inclusive, discordar dos termos avençados e assumir a negociação com a empresa (ou com o sindicato patronal). Em seu silêncio, prevalecerá aquilo que foi ajustado individualmente.

Examinada com vagar a decisão, constata-se que a adoção implícita de determinados conceitos essenciais da teoria do negócio jurídico pode ter ocasionado parcela das críticas formuladas pela comunidade especializada.

Sob a égide do Decreto nº 21.761/32, a aptidão para a celebração de instrumentos coletivos era conferida tanto diretamente aos trabalhadores quanto aos seus sindicatos. Apenas posteriormente foi atribuída ao ente sindical a legitimação prima facie para sua pactuação, o que viria a tornar-se comando constitucional. Na atualidade, os trabalhadores dispõem apenas de uma legitimação substitutiva, exercida nos casos de inexistência de ente sindical ou recusa deste quanto à negociação.

Trata-se, inequivocamente, de uma das hipóteses excepcionais, já vislumbradas por Pontes de Miranda, em que a legitimação para a prática de certo ato ou celebração de determinado negócio é atribuída, por força de lei, a um terceiro que não é titular do direito. Vale rememorar, a esta altura, que, na teoria do negócio jurídico, a legitimação é um instituto que se refere à aptidão específica para figurar em determinada situação ou relação jurídica.

A ocorrência de defeitos na legitimação pode provocar distintas consequências, desde a invalidade, seja nulidade ou anulabilidade, até a ineficácia. Todavia, alerta-nos Orlando Gomes que, rigorosamente, a ausência de legitimação consiste em uma incapacidade relativa.

E aqui reside a relevância da figura da ratificação, que, na ensinança de Pontes de Miranda, integra o negócio jurídico, perfazendo sua complexidade subjetiva. A ratificação pode ser expressa ou tácita, sendo dotada de retroeficácia, isto é, produzindo seus efeitos desde a data da prática do ato original.

Desenvolvidas essas considerações, é possível vislumbrar claramente as premissas teóricas acolhidas na decisão liminar.

Trata-se do reconhecimento de que o sindicato é o ente ao qual foi atribuída pelo ordenamento a legitimação para a celebração de diploma coletivo que importe em redução salarial.

Por isso, o acordo individual celebrado entre o trabalhador e seu patrão consiste em ato precário, não ato jurídico perfeito, dependendo da ratificação por parte do ente sindical.

Sendo assim, o sindicato, legitimado prima facie para a celebração de negócios jurídicos que possuam o aludido conteúdo, ao ser comunicado do acordo individual, adotará uma das seguintes medidas: a) discordando dos seus termos, deflagrará a negociação coletiva; b) manifestando anuência com suas disposições, ratificará o acordo individual, de maneira expressa, caso em que se operará a retroeficácia do negócio; c) mantendo-se inerte, deve-se reputar ocorrida a ratificação tácita, operando-se, igualmente, a retroeficácia do negócio.

Saliente-se que a discordância em relação ao conteúdo do acordo deve conduzir à negociação para a celebração de avença em outras bases, não sendo admissível a recusa genérica ou caprichosa, que, se vier a ocorrer, deverá ser reputada como ratificação tácita. Caberá às partes negociar, de boa-fé, o tratamento a ser conferido ao período entre a celebração do acordo individual e o momento da pactuação coletiva, cenário que não é desconhecido do Direito do Trabalho, como evidencia o art. 7º da Lei n.º 7.783/89.

Isso significa que a ausência de participação do sindicato, em um primeiro momento, não é causa de sua nulidade absoluta. Do contrário, o art. 617, § 1º, da CLT consagraria a inusitada possibilidade de criação de acordos coletivos nulos.

O que se tem, em verdade, em tais casos, é um defeito de legitimação na celebração do negócio, apto a ser suprido pela via da ratificação pelo sindicato. Em caso de negativa, exercerá ele a plenitude dos seus poderes na negociação de novos termos de pactuação.

Parece-nos, assim, serem essas as diretrizes para adequada compreensão da natureza da manifestação do ente sindical prevista na liminar proferida pelo Excelentíssimo Ministro Ricardo Lewandowski na ADI 6.363.

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