Opinião

Soluções possíveis para salvaguadar os contratos de concessões e PPPs

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11 de abril de 2020, 6h06

Continua parte 1

(5) Há a necessidade de as Agências Reguladoras se anteciparem às consequências da crise e dos eventuais possíveis pedidos de reequilíbrio, cujo requerimento neste momento pode ser prematuro, dada a possibilidade real de agravamento da crise.

A abertura do diálogo juntamente com as concessionárias com o objetivo de traçar um curso de ação para mitigar os efeitos da crise e não colapsar o contrato e, consequentemente, a efetiva prestação do serviço público, é medida que se entende mais acertada por parte do regulador.

(6) O Decreto Legislativo de nº 6/2020 reconhece a situação de calamidade por conta da Covid-19. Já o Decreto-Lei nº 4.657/1942, veicula a Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro. O art. 22 da Linb pode ser, como já adiantado aqui e também pela Resolução Conjunta dos Tribunais de Contas acima mencionada, o vetor axiológico para os gestores e controladores nos contratos de concessão e PPPs. Sob este prisma poderão tomar decisões com o objetivo não só de salvaguardar o contrato, assim como de preservar a continuidade dos serviços e se precaverem de eventual responsabilização.

Preceitua o referido dispositivo em seu caput que: Na interpretação de normas sobre gestão pública, serão considerados os obstáculos e as dificuldades reais do gestor e as exigências das políticas públicas a seu cargo, sem prejuízo dos direitos dos administrados. O enunciado do caput é complementado pelo seu §1º, que diz o seguinte: Em decisão sobre regularidade de conduta ou validade de ato, contrato, ajuste, processo ou norma administrativa, serão consideradas as circunstâncias práticas que houverem imposto, limitado ou condicionado a ação do agente.

Sem embargo, são evidentes os obstáculos e dificuldades impostos pela pandemia da Covid-19 e dos atos da Administração que dela derivam, razão pela qual esta circunstância, por força de imperativo legal haverá necessariamente de ser observada.

(7)  A pior entre todas as estratégias de tentativa de reequilibrar o contrato de concessão e PPPs neste momento, especialmente, mas não apenas, os contratos recentemente assinados, é a sua judicialização. A via da judicialização retira a natural governança e negociação que estes contratos precisam ter e corre o risco de engessar toda a execução dos anos seguintes da concessão, por conta dos efeitos da coisa julgada. Isso, sem contar, é claro, que o Judiciário, não está preparado para lidar com a complexidade dos contratos de concessão, especialmente a modelagem técnica e econômica, por onde, obviamente será travada todas as discussões regulatórias objeto dos pedidos de reequilíbrio.

(8) O caminho natural para a readequação destes contratos é o da consensualidade, seja por meio da mediação, da arbitragem e dos comitês técnicos – dispute board -, ainda que não haja previsão no contrato. A legislação brasileira permite, mais do que isso, concede uma competência discricionária negocial, que é privativa da Administração e deve ser blindada pelo controle.

E em eventual análise pelo controle, entende-se que não deve ser objeto de controle o mérito da decisão administrativa, mas tão somente a sua legalidade dentro do aspecto formal. Sustenta-se, ainda, que há arcabouço legal, que permite aos gestores firmarem acordos/negociações sem a necessidade de autorização legislativa específica.

Na eventualidade de o contrato não prever a forma alternativa de resolução de conflitos, nada impede que o Poder Concedente, Agência Reguladora e o Concessionário firmem termo aditivo para que essas modalidades de solução de conflitos passem a incorporar o contrato de concessão ou PPP, onde deverá constar os procedimentos que serão adotados.

O arcabouço jurídico para tal advém da Lei Geral de Concessões (Lei 8.987/95) em seu artigo 23-A, do art. 22 e 26 da Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro, do art. 11 da Lei de Parcerias Público-Privadas (Lei 11.074/2004), do art. 174 do Código de Processo Civil, da Lei Federal nº 13.140/2015, que dispõe sobre a mediação entre particulares como meio de solução de controvérsias e sobre a autocomposição de conflitos no âmbito da administração pública.

(8.1) É bom que se diga que toda esta lógica negocial e de consensualidade no trato dos contratos administrativos vem sendo objeto de constante aprimoramento pela legislação, basta ver:

(8.1.1) a redação do PL 6.814/2017, em tramitação adiantada no congresso e que deverá ser a nova lei geral de licitações e prevê em seu art. 86, §3º, que: “O instrumento de contrato poderá prever meios alternativos de solução de controvérsias, inclusive quanto ao equilíbrio econômico-financeiro do contrato, sendo permitidos, em especial, a arbitragem, a mediação, a conciliação e o comitê de resolução de disputas”;

(8.1.2) o Projeto de Lei de nº 7.063/17, que se aprovado será o novo marco das concessões e PPPs e dispõe em seu art. 173: “Nas contratações regidas por esta Lei, poderão ser utilizados meios alternativos de prevenção e resolução de controvérsias, tais como a conciliação, a mediação, o comitê de resolução de disputas e a arbitragem”. Ainda no seu art. 179 traz também o instituto do dispute board, com o seguinte enunciado: “O contrato de concessão poderá prever comitês de prevenção e resolução de disputas para solução de controvérsias de natureza técnica ou econômico-financeira”.

(8.1.3) Da mesma forma tramita no Senado o PLS nº 206/2018, de Relatoria do Senador Antônio Anastasia, que regulamenta a instalação de Comitês de Prevenção e Solução de Disputas em contratos administrativos continuados celebrados pela União;

(8.1.4) Na Câmara Federal tramita o PL 9.883/2018, que dispõe sobre o uso dos Comitês de Resolução de Disputas (Dispute Boards) em contratos administrativos;

(8.1.5) O Estado de São Paulo, de forma pioneira já tem a Lei Estadual nº 16.873/2018, que reconhece e regulamenta a instalação de Comitês de Prevenção e Solução de Disputas em contratos administrativos continuados celebrados pela Prefeitura de São Paulo.

(9) É difícil ser otimista diante deste cenário e das mazelas por ele trazidas, especialmente a depressão econômica e a perda de vidas. Porém, há quem sustente e com alguma propriedade, que esse contexto pode servir de incentivo para o desenvolvimento da infraestrutura nacional por meio de concessões e parcerias público-privadas, especialmente para saneamento básico, educação e saúde. Isso porque com as taxas de juros baixas no mercado mundial, investimento em infraestrutura de países emergentes, tal qual o Brasil, pode ser uma opção atrativa. Porém, duas reflexões merecem ser feitas para confirmar esta hipótese: (a) O Brasil demonstrará ter segurança jurídica, regulatória e política para lidar com a crise? Por ora não se sabe a resposta, mas esta maturidade está à prova neste momento e sendo avaliada e precificada pelo mercado; (b) Haverá liquidez para estes investimentos de grande monta, unicamente com capital privado, ainda que em concessões comuns, aquelas que não necessitam de aportes públicos?


[1] Disponível em: http://www.tce.sc.gov.br/sites/default/files/coronavirus_perguntas_e_respostas.pdf. Acesso em 30 de março de 2020 às 15:27min

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