Controvérsias da prevalência do negociado sobre o legislado: limites da sua aplicação
6 de setembro de 2019, 8h00
No período anterior à Reforma Trabalhista, Lei n° 13.467/17, o Termo de Rescisão do Contrato de Trabalho, quando o empregado contasse com mais de um ano de serviço na empresa, devia ser homologado perante o Ministério do Trabalho ou sindicato da categoria (artigo 477, da CLT, na antiga redação). Este ato administrativo, mediante carimbo da entidade ou repartição pública, permitia o ingresso para seguro desemprego e para a liberação pela Caixa Econômica Federal, dos valores depositados em conta do FGTS, pelo empregado dispensado sem justa causa ou cujo contrato tivesse terminado pelo decurso do tempo.
Era comum que as negociações coletivas do passado reproduziam a lei, sistematicamente, no âmbito de convenções ou acordos coletivos de trabalho, atribuindo ao seu descumprimento multa normativa. Dentre estas cláusula, a obrigação de homologação de rescisões perante o sindicato era comum. A partir da nova legislação, a condição de homologação de TRCT passou a mera condição negocial de interesse das partes, trabalhadores e empregadores.
O sítio do Tribunal Superior do Trabalho, em 30/08/19, noticiou decisão da Seção Especializada em Dissídios Coletivos (SDC) do Tribunal Superior do Trabalho SDC, que confirmou a importância e o valor negocial no âmbito coletivo e considerou válida cláusula de acordo coletivo de trabalho que remete as rescisões dos contratos de trabalho à homologação por delegado sindical e julgou improcedente a ação anulatória de cláusula de acordo coletivo movida pelo Ministério Público do Trabalho da 8ª. Região (http://aplicacao4.tst.jus.br/consultaProcessual/consultaTstNumUnica.do;jsessionid=88384DA31574487071E429F3463C7A34.vm153?conscsjt=&numeroTst=585&digitoTst=78&anoTst=2018&orgaoTst=5&tribunalTst=08&varaTst=0000&consulta=Consultar).
A relatoria do acórdão é do Ministro Caputo Bastos que sustenta o fortalecimento da negociação coletiva pós-reforma trabalhista afirmando que “Aliás, um dos fundamentos motivadores da reforma trabalhista é o fortalecimento da negociação coletiva. O artigo 611-A da CLT encerra um rol exemplificativo de temas que podem ser objeto de negociação ao dispor que a convenção coletiva e o acordo coletivo de trabalho têm prevalência sobre a lei quando, entre outros, dispuserem sobre as matérias elencadas nos quinze incisos do referido artigo” (g.n.).
Portanto, se houver negociação coletiva concluída com cláusula que assegure ao sindicato profissional o direito de fiscalização das rescisões contratuais, a norma negociada terá aplicação exclusivamente nos limites das partes que assim negociaram, sem efeitos administrativos para o saque do FGTS ou habilitação no seguro desemprego os quais, diga-se, não poderiam ser condicionados à cláusula convencionada, sob pena de criar dificuldades de acesso ao FGTS pelo trabalhador. O descumprimento da norma que obriga à homologação não poderia acarretar ao empregado obstáculo ao saque do FGTS nem seguro desemprego. Mas, o empregador fica sujeito ao pagamento de multa prevista na convenção ou acordo coletivo de trabalho.
E, neste passo, no campo das negociações coletivas, a liberdade negocial está subordinada à autonomia da vontade coletiva com restrições marcadas (art. 611-B, da CLT) exclusivamente pela indisponibilidade absoluta de direitos, considerados como garantias fundamentais e não condicionados a eventos para sua aquisição. E, por esta razão, talvez, se possa afirmar que o negociado prevalecerá sobre o legislado, competindo às partes envolvidas nos embates de interesses a concretização em norma jurídica a vontade extraída na assembleia dos interessados, quando se tratar de categoria econômica ou profissional, respeitando sua aplicação sem distinção.
O que se discute, como pano de fundo, é a possibilidade de o negociado prevalecer sobre o legislado e esta decisão do TST é uma das situações que a jurisprudência vai enfrentar até acomodar e amadurecer a prática das negociações.
É curioso, de outro lado, que as normas que pretendem a proteção e garantia de direitos, se submetem a interpretação variada. Embora sindicato e Ministério Público do Trabalho estejam caminhando na preservação de garantias fundamentais colidiram no objeto: para o sindicato, fiscalizar as rescisões, por meio de delegado sindical, é importante; para o MPT, a fiscalização burocratiza e pode causar demora no acesso ao FGTS e seguro desemprego e, por esta razão é nula.
Do resultado da decisão, fica a lição para os negociadores. As cláusulas que se produziam de forma a repetir a lei no passado, merecem agora reflexão pois o fato de a lei da reforma ter excluído determinada obrigação não implica a impossibilidade de que permaneça como objeto de cumprimento em norma coletiva de trabalho.
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