Opinião

O julgamento simbólico do Supremo Tribunal Federal e as falsas soluções de projetos

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17 de outubro de 2019, 9h02

O julgamento do Supremo Tribunal Federal quanto ao princípio constitucional da presunção de inocência e a possibilidade de prisão em segunda instância levanta paixões na população e na imprensa, mas precisa ser enfrentando com dados reais. Uma Suprema Corte televisionada foi alçada ao centro das atenções, que se potencializam nessa década como um poder que se sobrepõe aos agentes políticos do executivo e do legislativo.

Segundo dados do CNJ, dos mais de 800 mil presos em território nacional, cerca de 40% são provisórios e temporários. A decisão do Supremo Tribunal não afetará esses presos provisórios.

Dentre esses presos, os provisórios são aqueles que tiveram prisão preventiva ou temporária decretada. A prisão preventiva ocorre, segundo o Código de Processo Penal, quando o acusado traz risco à sociedade ou ao próprio processo. Ou seja, quando o acusado tem risco concreto de continuar a cometer os crimes que a ele foram imputados, ou quando coloca em risco a instrução, seja por ameaças às testemunhas, destruição de provas, influências indevidas em autoridades. Dessa forma, a prisão é decretada para garantir a o processo e a sociedade. A prisão temporária, assim como a preventiva, possui caráter cautelar, sendo cabível somente quando, entre outros requisitos, quando imprescindível para o inquérito policial.

O número de pessoas presas sob o argumento de utilidade para a persecução penal é enorme, visto que há uma cultura de incentivo à prisão. Assim, mesmo sem as condições devidas, existem muitas pessoas que estão presas preventivamente sem necessidade, pois é priorizada a decisão que visa um cumprimento imediato de possível pena futura.

Diante desse exagero, o legislativo criou medidas alternativas à prisão, como proibição de frequentar certos lugares, de impedimento de contato com certas pessoas, recolhimento de passaporte, afastamento de função pública ou privada. E, na mais extrema de todas, o monitoramento eletrônico, chamada tornozeleira-eletrônica, instituto que também se vulgarizou, convertendo-se em um verdadeiro negócio.

Mesmo com todas essas medidas alternativas, o número de prisões preventivas não diminuiu, mas ocorreu justamente o contrário: é possível verificar um incremento no número de pessoas afetadas por medidas cautelares na persecução penal, somando-se o número de pessoas submetidas a prisões provisórias ao de pessoas submetidas a medidas cautelares alternativas.

A lógica constitucional é que um acusado, se não colocar em risco o processo ou a sociedade, pode esperar o julgamento e o término dos seus recursos para iniciar a cumprir pena. Espera-se, pela presunção de inocência, que o cidadão que não oferece risco ao processo possa cumprir a pena da qual faz eventualmente jus somente ao fim do processo.

A prisão após o julgamento de segunda instância afetou várias pessoas que já estavam presas e que continuaram presas preventivamente, mesmo que o STF entenda que se deva esperar o julgamento final para a prisão.

Alterando a posição do Supremo para respeitar a Constituição, serão soltos somente aqueles cidadãos que não tiverem prisão preventiva decretada, e, portanto, não oferecem risco à sociedade.

O número de pessoas beneficiadas é incerto, pois dos presos em decorrência do julgamento em segunda instância é necessário retirar da estatística os que já estavam presos em razão de prisão preventiva. Esse dado ainda não foi separado e já estava altíssimo antes da autorização para se prender antes do trânsito em julgado.

Há ministros e autoridades que fazem discurso que amaina o sentimento de insegurança da população. O que realmente é preciso fazer sobre isso não impede a presunção de inocência nem está no projeto de Sérgio Moro.

Temos mais de 50 mil assassinatos por ano e apenas 8% são solucionados. Ou seja, 92% dos casos de homicídios os assassinos não estão sequer sendo julgados. No Brasil, são mais de 60 mil mulheres estupradas, sendo que apenas 3% dos casos resultam em condenação. Ou seja, em média, 97% dos casos de violência sexual não são devidamente solucionados. Ademais, inúmeras crianças são mortas em razão de uma política de segurança que não dá proteção à população pobre e provoca o extermínio de negros e despossuídos.

É necessário retirar a atenção ao julgamento simbólico do STF e de falsas soluções de projetos como o do Ministro da (in)Justiça. É necessário estruturar uma polícia com condições de perícias através de um Centro Nacional de Polícia Forense junto à Polícia Federal. Além disso, montar uma base de dados de balística, genética e datiloscopia, que consiga cruzar dados de todo país, não só de armas apreendidas e de pessoas condenadas, mas de todas as armas registradas, seja de autoridades ou de criminosos. Valorizar e investir em uma polícia séria, bem como em medidas preventivas. A lei realmente é igual para todos. Não podemos viver de mentiras e ilusões, mas devemos procurar rápidas e palpáveis ações que nos afastem do medo.

*Texto alterado às 10h19 do dia 17/10/2019 para correção de informações.

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