Direito do Agronegócio

Preços de transferência: Pecex e o agronegócio ("commodities")

Autor

  • Fábio Pallaretti Calcini

    é doutor e mestre em Direito do Estado pela PUC-SP pós-doutorando em Direito pela Universidade de Coimbra (Portugal) ex-membro do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) professor da FGV-Direito SP e Ibet e sócio tributarista da Brasil Salomão e Matthes Advocacia.

22 de novembro de 2019, 8h00

Spacca
O agronegócio tem no Brasil uma relevante vocação às exportações, daí porque se torna fundamental traçar algumas ponderações a respeito das regras de preços de transferência, notadamente, o PECEX – Preço sob Cotação na Exportação – (art. 19-A, da Lei n. 9.430/96).

Regras de preços de transferência, de forma geral, consistem na atribuição de valores às operações de cunho internacional realizadas por partes relacionadas (vinculadas) quanto à transferência da propriedade ou do direito de uso bens tangíveis ou intangíveis, bem como prestação de serviços .[1]

A razão deste pressuposto das partes relacionadas é o fato de que, na essência, quando há este vínculo, tem-se a preocupação de que a relação continue a se manter em condições normais de mercado, sem qualquer artificialidade, evitando-se qualquer favoritismo, bem como transferência indevida de renda e/ou lucro com a erosão de bases tributárias.

Por meio de controle dos preços de transferência tem-se a missão de estabelecer preços-parâmetros, utilizando-se certos métodos previstos em lei, com o objetivo de aferir se as transações se deram dentro de tais limites, e, se não cumpridos, impor ajustes na base de cálculo dos tributos a serem apurados.

A realização deste controle por meio dos preços de transferência, a fim de se buscar mediante tais métodos e presunções legais um “preço de mercado” sem qualquer interferência por razões de vinculação ou ligação entre as entidades tem seu fundamento no principio arm´s lenght.

Daí a razão do sistema tributário brasileiro adotar por meio da Lei n. 9.430/96 os preços de transferência para bens, serviços e direitos adquiridos do exterior, bem com receitas oriundas de exportações para o exterior.

Para as exportações temos os seguintes métodos para controle dos preços de transferência (art. 19, Lei n. 9430/96): (i) – Método do Preço de Venda nas Exportações – PVEx: -(ii) – Método do Preço de Venda por Atacado no País de Destino, Diminuído do Lucro – PVA: (iii) – Método do Preço de Venda a Varejo no País de Destino, Diminuído do Lucro – PVV: (iv) – Método do Custo de Aquisição ou de Produção mais Tributos e Lucro – CAP:

Sob uma perspectiva geral, estes seriam os métodos adotados pela legislação brasileira quanto aos preços de transferência.

Embora tais métodos sejam adotados como regra geral, a partir da Lei n. 12.715/2012, temos ainda o art. 19, § 9º, da Lei n. 9.430/96, ao dispor:

Art. 19. (…)

§ 9º Na hipótese de exportação de commodities sujeitas à cotação em bolsas de mercadorias e futuros internacionalmente reconhecidas, deverá ser utilizado o Método do Preço sob Cotação na Exportação – PECEX, definido no art. 19-A.”.

Daí ser possível concluir que, para quando se cuidar de commodities sujeitas à cotação em bolsas de mercadorias e futuros internacionalmente conhecidas, há de se adotar o método PECEX (Art. 19-A, da Lei n. 9.430/96).

Dentro do agronegócio, como existem diversos produtos considerados commodities, este método na exportação se torna de grande relevância para o setor, embora existam produtos neste segmento que estão mantidos nos métodos adotados como regra geral.

O método PECEX está disciplinado na Lei n. 9.430/96 no art. 19-A:

19-A. O Método do Preço sob Cotação na Exportação – PECEX é definido como os valores médios diários da cotação de bens ou direitos sujeitos a preços públicos em bolsas de mercadorias e futuros internacionalmente reconhecidas.

§ 1º Os preços dos bens exportados e declarados por pessoas físicas ou jurídicas residentes ou domiciliadas no País serão comparados com os preços de cotação dos bens, constantes em bolsas de mercadorias e futuros internacionalmente reconhecidas, ajustados para mais ou para menos do prêmio médio de mercado, na data da transação, nos casos de exportação para:

I – pessoas físicas ou jurídicas vinculadas;

II – residentes ou domiciliadas em países ou dependências com tributação favorecida; ou

III- pessoas físicas ou jurídicas beneficiadas por regimes fiscais privilegiados.

§ 2º Não havendo cotação disponível para o dia da transação, deverá ser utilizada a última cotação conhecida.

§ 3º Na hipótese de ausência de identificação da data da transação, a conversão será efetuada considerando-se a data de embarque dos bens exportados.

§ 4º As receitas auferidas nas operações de que trata o caput ficam sujeitas ao arbitramento de preços de transferência, não se aplicando o percentual de 90% (noventa por cento) previsto no caput do art. 19.

§ 5º Na hipótese de não haver cotação dos bens em bolsas de mercadorias e futuros internacionalmente reconhecidas, os preços dos bens exportados a que se refere o § 1o poderão ser comparados:

I – com os obtidos a partir de fontes de dados independentes fornecidas por instituições de pesquisa setoriais internacionalmente reconhecidas; ou

II – com os preços definidos por agências ou órgãos reguladores e publicados no Diário Oficial da União

§ 6º A Secretaria da Receita Federal do Brasil do Ministério da Fazenda disciplinará o disposto neste artigo, inclusive a divulgação das bolsas de mercadorias e futuros e das instituições de pesquisas setoriais internacionalmente reconhecidas para cotação de preços.”

Por sua vez, a Instrução Normativa RFB n. 1312/2012, ao dispor a respeito dos “preços a serem praticados nas operações de compra e de venda de bens, serviços ou direitos efetuadas por pessoa física ou jurídica residente ou domiciliada no Brasil, com pessoa física ou jurídica residente ou domiciliada no exterior, consideradas vinculadas”, regulamentou o PECEX nos arts. 34 a 36-A.

Esta é a base normativa que disciplina o PECEX, tendo em linhas gerais, os seguintes requisitos para sua aplicação: (i) – operações de exportação para o exterior de commodities; (ii) – ser bem ou direitos; (iii) – sujeição de tais bens e direitos aos preços públicos em bolsa de mercadorias e futuros internacionalmente reconhecidas; (iv) – operação entre pessoas físicas ou jurídicas residentes no país com pessoas vinculadas, ou residentes ou domiciliadas em países ou dependências com tributação favorecida ou, ainda, beneficiadas por regimes fiscais privilegiados.

Portanto, segundo nossa visão, embora seja específico, é aplicado de forma obrigatória quando houver o preenchimento dos requisitos, notadamente, ser commodity e constar de cotação em bolsa internacionalmente conhecidas. Não seriam todas as commodities que estariam sujeitas a referida regra.

Embora o julgamento tenha se dado com a redação anterior à atual da Instrução Normativa, é possível notar na decisão recentemente proferida pelo Conselho Administrativo de Recursos Fiscais – CARF – que o PECEX tem entre suas características a especificidade e obrigatoriedade:

“ASSUNTO: IMPOSTO SOBRE A RENDA DE PESSOA JURÍDICA (IRPJ)

Ano-calendário: 2012, 2013

EXPORTAÇÃO. PREÇO DE TRANSFERÊNCIA. MÉTODO PECEX

O Método do Preço sob Cotação na Exportação – PECEX é de aplicação obrigatória e exclusiva aos casos de exportação de commodities, assim entendidos os produtos negociados nas bolsas de mercadorias e futuros listadas no Anexo II e os produtos listados no Anexo I que estejam sujeitos a preços públicos nas instituições de pesquisa setoriais listadas no Anexo III, todos da Instrução Normativa RFB nº 1.312, de 28 de dezembro de 2012, antes das alterações promovidas pela Instrução Normativa RFB nº 1.870/2019.

Impõe-se, assim, o cancelamento do lançamento de ofício de crédito tributário que aplica método equivocado no controle dos preços de transferência, em especial, quando utiliza o método PECEX, para operações de produtos que não são considerados pela legislação como commodities”.[2]

Nesta linha, vale lembrar que reconhece a Instrução Normativa n. 1.312/2012 (art. 34, § 3º) como commodities os produtos listados no Anexo I e que estejam sujeitos: (i) – a preços públicos em bolsas de mercadorias e futuros listadas no Anexo II; ou (ii) – a preços públicos nas instituições de pesquisas setoriais internacionalmente reconhecidas listadas no Anexo III.

Dentro da lista do Anexo I podemos descrever como produtos relacionados ao agronegócio: açúcares de cana ou de beterraba e sacarose quimicamente pura, no estado sólido, algodão, Cacau e suas preparações, café, mesmo torrado ou descafeinado; cascas e películas de café; sucedâneos do café que contenham café em qualquer proporção, carnes e miudezas, comestíveis , farelo de soja , farinhas de trigo ou de mistura de trigo com centeio (méteil), óleo de soja e respectivas frações , soja, mesmo triturada, suco (sumo) de laranja, trigo e mistura de trigo com centeio (méteil).

Em tais condições, de conformidade com o art. 19-A da Lei n. 9.430/96, os produtos relacionados ao agronegócio ficarão submetidos obrigatoriamente ao método de preço de transferência PECEX, quando estivermos diante de produtos reconhecidos como commodities e sujeitos à cotação em bolsa de mercadorias e futuros internacionalmente reconhecidas, previamente estabelecidas em lista taxativa constante da Instrução Normativa n. 1.312/2012 da Receita Federal do Brasil[3].


[1] – art. 2º, IN 1.312/2012.

[2] – CARF, 1ª Seção, Ac. 1302-003.989. rel. Cons. Flavio Machado Vilhena Dias , j. 15/10/2019.

[3] Para mais detalhes sobre o tema: CALCINI, Fábio Pallaretti. As regras de preços de transferência: PCI e PECEX. Aplicação para o agronegócio (“commodities”). Algumas ponderações “in” Agronegócio, tributação e questões internacionais". Heleno Taveira Torres e Jimir Doniak Júnior ED Quartier Latin, 2019, 515p.

Autores

  • Brave

    é advogado tributarista, sócio do Brasil Salomão e Matthes Advocacia. É doutor e mestre em Direito do Estado pela PUC-SP, pós-doutorando em Direito pela Universidade de Coimbra (Portugal) e ex–membro do Carf.

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!