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O futuro da delação premiada: decisões podem reduzir importância

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11 de novembro de 2019, 8h00

Ninguém ignora que a introdução no nosso sistema penal do instituto da delação premiada propiciou sucesso em investigações para o combate a organizações criminosas.

A complexa estrutura de organizações criminosas, em todo o mundo, só veio à tona com os relatos feitos por pessoas pertencentes a essas organizações.

Quando se fala em crime organizado, fala-se em atividade com o envolvimento de várias pessoas, com estrutura hierárquica, divisão de tarefas e, não raro, com ligação à estrutura governamental.

Há quem diga que se alguns réus do mensalão, em especial o publicitário Marcos Valério, tivessem feito delação premiada- à época não havia se difundido o hábito de negociação entre o Ministério Público e a defesa- o conluio criminoso de empresários e políticos poderia ter sido escancarado antes da operação lava jato.

Não fossem as delações de diretores de empresas até então tida como exemplares, não seria possível apurar o modus operandi de empresários e políticos no superfaturamento de obras públicas, na fraude a licitações, na elaboração de textos legais para beneficiar empresas, entre outras condutas nada republicanas.

O instituto da delação premiada, que está longe de ser criação brasileira, em um primeiro momento, provocou reações da classe dos advogados criminais do Brasil.

Paulatinamente, porém, a delação premiada passou a ser aceita, sempre com críticas, é verdade, até mesmo pelos defensores.

E nem poderia ser diferente.

Em verdade, a delação constitui consequência do direito de defesa.

Desde sempre, muito antes de se falar em delação premiada, uma técnica de defesa, em casos que a autoria se apresenta evidente, é minimizar a participação do agente no delito, imputando ao correu conduta mais relevante.

Não por acaso, a participação de menor importância importa em considerável diminuição da pena.

Portanto, mesmo antes da previsão da delação premiada, o réu poderia ser beneficiado com o que se convencionou denominar chamada de correu.

Pois bem.

Duas recentes e importantes decisões do Supremo Tribunal Federal, colocaram em xeque a delação premiada.

A questão do trânsito em julgado como condição de expedição de mandado de prisão, além de protelar a decisão judicial (evidentemente para réus com melhores condições financeiras), interfere também na conveniência ou não de negociação com o Ministério Público

É inegável que a possibilidade de prisão após a condenação em segunda instância, incentivou réus, preocupados com a iminente condução ao cárcere, a colaborar com a justiça, negociando a diminuição de suas penas.

Portanto, a nova posição do Supremo Tribunal Federal, gostem ou não, terá consequências. Com a possibilidade de recursos protelatórios e intermináveis, a segunda instância voltará a ser “um tribunal de passagem” e ninguém mais, por temor à prisão, se animará a celebrar acordos com o Ministério Público.

De outro lado, ainda não se sabem os efeitos da recente decisão do Supremo Tribunal Federal em anular decisões porque a defesa não apresentou alegações finais após a manifestação do delator- a decisão teria aplicação a todos os casos ou apenas em aqueles que a defesa demonstre prejuízo? Caberia aplicação da decisão também para os casos de chamada de correu?

Se a decisão for estendida aos casos pretéritos, inúmeros processos serão anulados, o que, evidentemente, acarretará a expedição de alvarás de soltura a inúmeros réus já condenados em segunda instância. Com a reabertura do processo, a partir da fase de alegações finais, esses réus anteriormente condenados poderão aguardar o trânsito em julgado de eventuais novas condenações. Muitos destes processos, inevitavelmente, sequer terão julgamento de mérito porque serão alcançados pela prescrição.

Verifica-se, assim, que as decisões do Supremo Tribunal Federal podem fazer com que o instituto da delação premiada perca sua importância.

Quem perde com isso é o combate ao crime organizado.

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