Opinião

Direito Marcário na cobertura de eventos: Marta e o marketing de emboscada

Autor

  • Letícia Cerezini

    é advogada do Fidalgo Advogados pós-graduanda pela FGV em Propriedade Intelectual e Novos Negócios graduada pela Universidade Presbiteriana Mackenzie e membro efetivo da Comissão da Jovem Advocacia da OAB.

26 de junho de 2019, 9h47

O ano de 2019 reservou um calendário farto de competições esportivas que já estão entretendo o Brasil e o mundo. Dentre elas estão a Copa América, a Copa do Mundo de Futebol Feminino, os Jogos Pan-Americanos e os Jogos Parapan-Americanos. Tais eventos trazem à tona a discussão sobre as rígidas regras para o uso de merchandising associado às marcas registradas dessas competições.

As empresas organizadoras, tais como a Conmebol, a Fifa e a Odepa, costumam proteger as marcas oficiais relativas aos eventos esportivos através do registro marcário e direito autoral no país sede e em todos os territórios ao redor do mundo. A proteção previne a utilização, sem autorização, dos símbolos, nomenclaturas, bandeiras, lemas, emblemas, troféus, mascotes, estilização dos objetos, fonte de letra e quaisquer outros signos graficamente distintivos que façam referência ao evento.

As organizadoras, com a proteção extensiva e rígida de toda a propriedade intelectual criada, buscam exclusividade no merchandising sobre esses eventos esportivos, valendo-se da venda de cotas comerciais a patrocinadores, que acabam intitulados como oficiais, que, por sua vez, exploram direitos de transmissão, publicidade e outros produtos. Ou seja, muito embora os patrocinadores oficiais não sejam especificamente os detentores das marcas registradas, estes possuem, mediante uma contrapartida contratual, autorização para utilizá-las em favor de seu marketing.

Nesse sentido, todas as demais empresas que não adquiriram as cotas comerciais, e, portanto, não figuram na categoria de patrocinadores oficiais do evento, devem ter um cuidado especial para evitar a associação indevida entre a sua marca e os elementos registrados pela organizadora. Qualquer situação que faça crer tal associação indevida fica qualificada como marketing, que, sem o pagamento da contrapartida à comissão organizadora, é conceituado de marketing de emboscada[1].

No Brasil não há uma legislação que trate especificamente do marketing de emboscada, porém sua contextualização advém, de forma genérica, da Lei de Propriedade Industrial (Lei 9.279/1996), da Lei Pelé (Lei 9.615/1998), do Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/1990) e do Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária.

O artigo 195, inciso IV, da Lei de Propriedade Industrial define como crime a concorrência desleal praticada através da utilização ou imitação de expressão ou sinal de propaganda alheios, de modo a criar confusão entre os produtos ou estabelecimentos. A pena para este crime é de 3 meses a 1 ano, ou multa. No mesmo sentido, a Lei Pelé assegura, em seu artigo 87, a proteção[2] legal e exclusiva da denominação e dos símbolos da entidade de administração do desporto ou prática desportiva, bem como o nome ou apelido do atleta profissional.

Já o Código de Defesa do Consumidor garante, através do artigo 6º, inciso IV, a proteção[3] contra publicidade enganosa e abusiva, inclusive a que é configurada através do marketing de emboscada e, ainda, o artigo 37, parágrafo 1º, proíbe[4] a publicidade enganosa que possui informação ou comunicação que induza o consumidor a erro, prática que possui punição de detenção de 3 meses a 1 ano e multa.

Por fim, o Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária condena, em seu artigo 31, os proveitos publicitários indevidos e ilegítimos obtidos por meio de “carona” e/ou “emboscada”, mediante invasão do espaço editorial ou comercial de veículo de comunicação.

Em atenção às especificações esparsas trazidas na legislação, conceitua-se que duas são as espécies de marketing de emboscada: por associação ou por intrusão.

Caracteriza-se o marketing de emboscada por associação diante da utilização de elementos que façam um vínculo, direto ou indireto, entre a marca da empresa não patrocinadora e algum atributo do evento esportivo, como marca, mascote, imagem, fonte de letra, e que lhe configure vantagem econômica e publicitária indevida. Um exemplo claro é a produção de camisas que tenham estilo e cores idênticas à da Seleção Brasileira, mas que contenham a marca de empresa não patrocinadora, fato que pode causar evidente confusão.

Já o marketing de emboscada por intrusão é caracterizado pela realização de ação promocional e/ou publicitária, por marca não patrocinadora, dentro ou nos entornos do evento, como, por exemplo, atletas que comemoram suas vitórias fazendo referências, ainda que implícitas, de determinada marca.

O fato que trouxe para a linha de frente a discussão do marketing de emboscada foi a situação envolvendo a jogadora Marta, da Seleção Brasileira de Futebol, na partida da Copa do Mundo contra a Itália, no último dia 19.

Na mencionada partida, a jogadora Marta utilizou um batom da marca Avon, com cor extremamente chamativa, sobre o qual comentou em diversas entrevistas após o jogo. Assim, pelo fato de a Avon não ser uma patrocinadora oficial, houve especulação sobre uma possível ação de marketing de emboscada por intrusão, pela marca, para promover o seu novo batom.

Do caso, extrai-se que a jogadora não falou espontaneamente sobre a marca de cosméticos e, apenas, respondeu aos questionamentos dos jornalistas quando solicitada, porém, é certo que, quando da resposta, citou, inclusive, o nome da cor do batom e esfregou os lábios diante das câmeras para demonstrar como o batom não sai com facilidade, o que se mostra como uma propaganda positiva do produto.

No mais, a marca de cosméticos utilizou a sua conta no Instagram para expor, nos stories, o batom utilizado, com os seguintes dizeres: “Nossas garotas deram show e o batom Power Stay também marcou um golaço! Fiquem de olho que em julho ele vem ai!”. Porém, na evidente tentativa de tentar afastar a configuração de marketing de emboscada, em nenhum momento foi utilizada uma foto da Marta utilizando o produto para ilustrar a propaganda nas redes sociais.

Destaca-se que, se confirmada pela Fifa a caracterização do marketing de emboscada, a Avon é quem seria notificada pelo cometimento da ilegalidade, e não a artilheira, jogadora do Brasil, assim como já ocorreu em eventos anteriores, como na Copa do Mundo masculina.

Desta forma, é possível verificar a importância que o Direito Marcário possui em eventos esportivos, sendo que as empresas organizadoras se empenham em fiscalizar quaisquer sinais de ilegalidades, evitando qualquer “bola fora” na proteção de seus signos e contratos.


[1] O marketing de emboscada, conhecido como ambush marketing, via de regra, é atribuído a eventos esportivos e se configura quando uma empresa utiliza o grande envolvimento emocional do público com a competição para promover, indevidamente, a sua marca, sem ser patrocinador oficial.
[2] O artigo 87 da Lei Pelé define que “a denominação e os símbolos de entidade de administração do desporto ou prática desportiva, bem como o nome ou apelido desportivo do atleta profissional, são de propriedade exclusiva dos mesmos, contando com a proteção legal, válida para todo o território nacional, por tempo indeterminado, sem necessidade de registro ou averbação no órgão competente”. O parágrafo único deste mesmo artigo define, ainda, que “a garantia legal outorgada às entidades e aos atletas referidos neste artigo permite-lhes o uso comercial de sua denominação, símbolos, nomes e apelidos”.
[3] O artigo 6°, inciso IV, do Código de Defesa do Consumidor dispõe sobre “são direitos básicos do consumidor a proteção contra a publicidade enganosa e abusiva, métodos comerciais coercitivos ou desleais, bem como contra práticas e cláusulas abusivas ou impostas no fornecimento de produtos e serviços”.
[4] O artigo 37, parágrafo 1°, do Código de Defesa do Consumidor define como “enganosa qualquer modalidade de informação ou comunicação de caráter publicitário, inteira ou parcialmente falsa, ou, por qualquer outro modo, mesmo por omissão, capaz de induzir em erro o consumidor a respeito da natureza, características, qualidade, quantidade, propriedades, origem, preço e quaisquer outros dados sobre produtos e serviços”.

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