Segunda Leitura

Julgamentos virtuais, útil e discreta reforma no processo civil

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16 de junho de 2019, 11h55

Spacca
O jornal O Estado de S. Paulo, em artigo sobre julgamentos virtuais no Supremo Tribunal Federal, registrou:

Com um acervo de 36,3 mil processos na fila, o Supremo Tribunal Federal (STF) tem ampliado o uso do plenário virtual, uma ferramenta que permite realizar julgamentos sem a presença física dos ministros da Corte – e longe dos holofotes da TV Justiça. De setembro até o mês passado, período que compreende a presidência do ministro Dias Tóffoli, foram 8.755 casos analisados do modo online, uma alta de 16,5% em relação ao mesmo período na gestão anterior de Carmen Lúcia”.[i]

O fato, inédito na existência da Corte Suprema, é uma tentativa válida e necessária de agilizar julgamentos. À espera da última palavra do Judiciário, 36,3 processos aguardam decisão. Isto sem falar nos milhares represados em Tribunais de segunda instância, já que, ao ser instaurado o Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas – IRDRtodos os processos que versem sobre aquela questão jurídica repetitiva devem ser suspensos, inclusive os que tramitam no âmbito dos Juizados Especiais”.[ii]

O CNJ, em 9 de dezembro de 2015, na 5ª sessão do Plenário Virtual, atendendo consulta que lhe foi formulada, decidiu que os Tribunais podem aderir ao julgamento virtual, desde que observadas as garantias constitucionais e legais do processo.[iii] E assim, pouco a pouco, os Tribunais Superiores e de Apelação  passaram a adotar tal tipo de procedimento.

No Tribunal de Justiça de São Paulo o julgamento por meio eletrônico foi regulamentado em 2011, pela Resolução 549, depois atualizada pela de nº 772, de 2017. No Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro a matéria foi tratada pela Resolução 05 de 1916 que deu às partes o prazo de 10 dias para se oporem ao julgamento virtual, permitindo aos advogados que, até o dia da sessão, apresentem seus memoriais. Em Minas Gerais o Tribunal de Justiça realizou o seu primeiro julgamento virtual em 7 de novembro de 2018, pela sua 8ª. Câmara Cível.

No Sul do Brasil a Corte Estadual gaúcha implantou o julgamento virtual em 26 de julho de 2012, através da 5ª. Câmara Cível.[iv] No Centro-Oeste o Tribunal de Justiça do Distrito Federal iniciou projeto semelhante em 2016. [v] No Norte do Brasil, o Tribunal de Justiça de Rondônia realizou a sua primeira sessão no dia 28 de fevereiro[vi]. No Nordeste o Tribunal de Justiça do Piauí, no dia 7 deste mês adotou  o sistema, pautando 69 processos no Plenário Virtual.[vii]

Não é diferente no âmbito dos Tribunais da União. O Tribunal Regional Federal da 3ª. Região, através de portaria da presidência de nº 938, de 15 de dezembro de 2017, aderiu ao sistema, permitindo às partes que, se discordarem do julgamento virtual, manifestem-se até 48 horas antes do início da sessão, sendo a  pauta de julgamentos divulgada previamente.

Os Tribunais Superiores também se alinham à nova era. Edgard Silveira Bueno Filho relata que no Superior Tribunal de Justiça, por força da Emenda Regimental 27, de 13 de dezembro de 2016, “o prazo para manifestar oposição ao julgamento virtual, assim como para apresentar memoriais e solicitar sustentação oral, é também de 5 dias úteis, contados da publicação da pauta no Diário da Justiça Eletrônico”.[viii]

No Tribunal Superior do Trabalho a matéria foi regulamentada em novembro de 2016 e implantada no início de 2017. Segundo o site oficial da Corte laboral “Cinco das oito Turmas do Tribunal Superior do Trabalho já estão utilizando o Plenário Virtual, software que auxilia no julgamento em ambiente eletrônico. A ferramenta já havia sido implantada na Segunda, Terceira, Sexta e Sétima Turmas e, nesta quarta-feira (31), começou a ser usado também na Quinta Turma, concluindo o cronograma de expansão previsto para o mês de maio”.[ix]

Vê-se, pois, que a análise virtual de recursos nos Tribunais colegiados, é uma realidade que tende a crescer. São muitas as vantagens. Entre outras, menos formalismo, agilização do processo, economia de gastos com servidores, luz e água, mobilidade urbana das partes e seus procuradores. É um caminho sem volta.

Há, ainda outras iniciativas isoladas que se valem da tecnologia para avançar na simplificação e brevidade dos julgamentos colegiados. No Tribunal Regional Federal da 4ª. Região, com sede em Porto Alegre, RS, em 2005, por iniciativa do então desembargador Néfi Cordeiro, abriu-se aos advogados de outros estados e cidades do interior, a possibilidade de fazerem sustentação oral por meio de vídeo conferência.

No Tribunal de Justiça do Paraná o desembargador Roberto Bacelar permite aos advogados do interior que encaminhem memorial e depois exponham suas preocupações por meio de Skype, evitando viagens a Curitiba, com economia de tempo e dinheiro.

Isto tudo nada mais é do que os fatos se impondo às normas. O CPC de 2015, econômico nas considerações sobre o processo eletrônico, preferiu que o tempo se encarregasse de exibir as necessidades e que normas posteriores fizessem as alterações. É o que está ocorrendo nos julgamentos virtuais. Reforma de regimentos internos, resoluções ou portarias, vão dando conta das novas necessidades.

Do ponto de vista abstrato, evidentemente, não é o ideal. Afinal, os julgadores não têm contato pessoal com os representantes das partes, inclusive sustentando Fernandes e  Ferracioli que a iniciativa afronta os artigos 93, IX e 133 da Carta Magna[x] Mas, no custo-benefício, considerando que ao advogado reserva-se a possibilidade  de pedir o julgamento presencial e considerando as vantagens  que o julgamento virtual apresenta, dificilmente se impedirá tal forma de julgamento prossiga.

Porém, há um aspecto que necessita ser apontado. Refiro-me ao julgamento virtual no Supremo Tribunal Federal. Ele é, sem dúvida, tão necessário quanto nos demais Tribunais. Óbvio que para resolver um problema premente, a iniciativa é válida. Há casos de recurso extraordinário oriundo de Turma Recursal serem julgados em 15 ou 20 dias. Ótimo.

Só que o STF é quem dá a última palavra. Dele se espera uma decisão mais meditada, discutida, aprofundada. Em uma análise para o futuro, há que se pensar em redução das formas de acesso. Não há dois caminhos para que a Corte produza decisões mais discutidas e fundamentadas, o único é reduzindo o acesso. É o caso da forma adotada pelos Supremos Tribunais dos Estados Unidos e da Inglaterra, que, respectivamente, decidem em média 100 e 70 recursos por ano.

O sistema adotado pela Constituição de 1988, em que o Supremo atua com competência originária, recursal, vara criminal e terceira instância de Turmas Recursais em causas de menor relevância, mostrou-se inadequado. Os casos de divulgação midiática sempre receberão a preferência e aqueles em que o litígio é individual, sofrerão as consequências da demora.

Assim, é chegado o momento de avaliar o que realmente tem maior significado para o Brasil e propor as mudanças constitucionais necessárias. O tempo de um ministro do STF não pode ser desperdiçado em casos repetitivos ou de pouco significado.

 


[i] O Estado de São Paulo, Julgamentos virtuais avançam no Supremo, 10/6/2019, A4.

[ii] A suspensão dos processos em razão do Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas – IRDR Disponível em: https://nataliascalabrini.jusbrasil.com.br/artigos/333336282/a-suspensao-dos-processos-em-razao-do-incidente-de-resolucao-de-demandas-repetitivas-irdr. Acesso em 15/6/2019.

[vi] Disponível em: https://orondoniense.com.br/ro-adota-julgamento-virtual?author=orondoniense

[viii] O julgamento virtual no TJ/RJ, TRF da 3ª Região, STJ e STF e o seu aperfeiçoamento no TJ/SP. Migalhas. Disponível em: https://www.migalhas.com.br/dePeso/16,MI295573,61044-O+julgamento+virtual+no+TJRJ+TRF+da+3+Regiao+STJ+e+STF+e+o+seu. Acesso em: 14/6/2019.

[x] Fernando Augusto Fernandes e Jéssica Ferracioli, Julgamentos virtuais são inconstitucionais e devem ser extirpados do mundo real. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2018-mai-01/julgamentos-virtuais-sao-inconstitucionais-extirpados. Acesso em 15/6/2019.

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