Opinião

Consequências jurídicas de mensagens envolvendo Moro são incalculáveis

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12 de junho de 2019, 10h17

Todos os animais são iguais, mas alguns são mais iguais que outros”
(A Revolução dos Bichos, de George Orwell)

Realmente impactante a publicação de reportagens exclusivas (e explosivas), pelo The Intercept Brasil, envolvendo troca de mensagens entre integrantes da “força-tarefa” da “lava jato” em Curitiba e o ex-juiz Sergio Moro.

O desvirtuamento da atividade-juiz, de um lado, que demanda imparcialidade, isenção e serenidade, apanágios, sabidamente, da boa prestação jurisdicional, à primeira vista, sobressai.

Doutro lado, membros do Ministério Público Federal, apanhados em troca de mensagens, distanciaram-se da função essencial da instituição: fiscal da lei. O mestre Roberto Lyra, com sua multíplice autoridade, inclusive na Promotoria, acerca das raízes do Ministério Público e o seu comprometimento com a representação democrática, ressalvando que o direito de punir cabe, exclusivamente, ao Poder Judiciário, anota, em fragmento invulgar, in verbis:

“O Ministério Público representa o poder executivo como parte sui generis, obrigada à imparcialidade para que o culpado seja punido (impunitum non relinqui facinus) e o inocente não seja condenado (innocentem non condemnari). Por isso, o Ministério Público que, antes e acima de parte, é promotor e fiscal da execução da lei (art. 257 do Código de Processo Penal), será mesmo ‘promotor de justiça’, quando, justificadamente, deixar de promover a ação penal ou de recorrer, pedindo a absolvição etc. Ora, se é o órgão da lei e fiscal de sua execução e a lei determina a absolvição em certos casos, quando ocorrer qualquer deles, o promotor público, não somente pode, como deve, exatamente para a execução da lei, reconhecer a inocência e pedir a absolvição” (“Nôvo Direito Penal – Processo e Execuções Penais”, vol. III, ed. Borsoi, 1971, p. 39, grifou-se).

Para quem, entretanto, desde 2014, no múnus da defesa, e assim se manteve hodierno, enfrentou o universo de arbitrariedades cometidas no bojo da rumorosa operação paranaense, não se descortina novidade o publicado em 9 de junho.

Na primeira oportunidade processual, no então patrocínio dos direitos e garantias de Renato Duque, ex-diretor da Petrobras, isto em abril de 2015, depois da segunda prisão decretada, mediante o instrumento da exceção, propugnou-se a suspeição do ex-juiz Sergio Moro (Processo 50163652220154047000 da 13ª Vara Federal Criminal), articulando argumentos que se encaixam atualmente ao constatado com a chocante troca de mensagens levada a público. Eis algumas passagens da inicial:

“O Juiz deve ser independente. Na medida em que dá a entender que está caminhando junto à Polícia Federal e ao Ministério Público Federal (…), faz as vezes, ao mesmo tempo, de Juiz, Delegado e Acusador.
(…)

Vossa Excelência vem dando tratamento díspar a acusação e defesa.
(…)
Em 4 de março de 2015, em face de grave “vazamento” na imprensa de conversa indevidamente interceptada entre Renato Duque e um de seus advogados, aduziu-se a Vossa Excelência pleito de apuração do fato e exclusão dos autos da prova ilícita (proc. nº 50736458220144047000), não havendo qualquer andamento processual, sendo a defesa, mais uma vez, ignorada.
As partes estão sendo tratadas com desigualdade, fazendo-se tábula rasa do princípio da isonomia. Tem-se a impressão de que se está garantindo a ampla acusação, quando ampla, segundo a Constituição Federal, deve ser a defesa.
Para que se tenha ideia do alegado, a denúncia, com mais de 200 folhas e ininteligível, a ponto de um Procurador da República convocar a imprensa e ministrar uma palestra, utilizando power point para explicá-la, diga-se de passagem, aparece no processo eletrônico como juntada em 18/3 e recebida em 23/3”.

Todos os reclamos de resistência findaram rechaçados pelo ex-juiz, em decisões confirmadas pela 8ª Turma do TRF-4.

Nada diferente se postulou quando na trincheira, ocupada até aqui, da liberdade do também ex-diretor da Petrobras Jorge Zelada. Segue o trecho exemplificativo:

“Ao receber prêmio das Organizações Globo, segundo matéria do G1, de 19/3/2015, Vossa Excelência disse, pois não desmentido:

O prêmio na verdade não é para mim, existe um trabalho coletivo que envolve o Ministério Público, a Polícia Federal, a Receita Federal e, mesmo no Judiciário, existe um trabalho que não é só meu, é meu, do tribunal, do Superior Tribunal de Justiça, do Supremo Tribunal Federal, e é um trabalho ainda em andamento, a única preocupação é chegar ao final desse trabalho garantido a todos o devido processo legal sem atropelamento. Mas ficamos felizes com o prêmio, pois é o reconhecimento da qualidade do trabalho, disse o juiz.

Em sendo verdade a passagem atribuída, infere-se que há a própria inclusão em uma espécie de “Força Tarefa”, que envolve Ministério Público, Polícia Federal e Receita Federal.
(…)
Ou seja, percebe-se, claramente, nos pronunciamentos públicos, que não importa quem seja o réu, ou qual seja a acusação, mas a necessidade de fazer da “LavaJato” um exemplo, não podendo ser “um soluço que não gere frutos para o futuro”.
Infere-se preocupante apaixonamento pela causa da “LavaJato””.

Pleitos, diga-se, igualmente refutados pelo ex-juiz e pela 8ª Turma do TRF-4.

Em tantas outras ocasiões processuais, a parcialidade do ex-juiz Sergio Moro, a partir, inclusive, de declarações e entrevistas à imprensa na condição de líder da “força-tarefa”, tal como juiz de instrução, modelo não concebido em nosso sistema constitucional, restou questionada, debalde, porém.

As consequências jurídicas e disciplinares, além de políticas, considerando a indevida influência revelada no panorama das eleições de 2018, do exame do conteúdo de tais mensagens são incalculáveis, sendo certo, contudo, que, ao Estado-juiz e o Estado-acusador, a Constituição Federal, o Código de Processo Penal, a Lei Orgânica da Magistratura e a Lei Complementar do Ministério Público não preveem o conluio, o jogo de cartas marcadas, a associação obscura e a inversão de papéis entre o investigador e aquele a quem se destinou a sacrossanta missão de julgar o próximo.

Importantes celeumas sobre a (i)licitude do vazamento das conversas e a sua (in)validade como elemento probatório correrão o noticiário e, quiçá, os tribunais, nada obstante, o próprio ex-juiz já decidiu a controvérsia no notório episódio da interceptação telefônica ilegal entre dois ex-presidentes da República:

“Como tenho decidido em todos os casos semelhantes da assim denominada Operação Lavajato, tratando o processo de apuração de possíveis crimes contra a Administração Pública, o interesse público e a previsão constitucional de publicidade dos processos (art. 5º, LX, e art. 93, IX, da Constituição Federal) impedem a imposição da continuidade de sigilo sobre autos. O levantamento propiciará assim não só o exercício da ampla defesa pelos investigados, mas também o saudável escrutínio público sobre a atuação da Administração Pública e da própria Justiça criminal. A democracia em uma sociedade livre exige que os governados saibam o que fazem os governantes, mesmo quando estes buscam agir protegidos pelas sombras”.

“A democracia em uma sociedade livre exige que” os jurisdicionados saibam o que fizeram e o que fazem as autoridades judicantes e os representantes da mesma sociedade que compõem o Ministério Público.

Simples assim: em nosso ordenamento e arcabouço de regras, todos os animais são iguais, sem exceção.

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