Judiciário conectado

"A informatização só trouxe benefícios aos jurisdicionados e aos magistrados"

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7 de julho de 2019, 8h00

Spacca
"A informatização do Poder Judiciário é um caminho sem volta", diz o vice-presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo, desembargador Artur Marques da Silva Filho. Hoje o Judiciário é válvula de escape para praticamente todos os conflitos sociais, o que exige cada vez mais presteza e produtividade. A única solução possível é o aperfeiçoamento tecnológico da Justiça, analisa o desembargador.

E quem se beneficia desse movimento é o jurisdicionado, não só a administração do Judiciário, diz Marques. O desembargador concedeu entrevista exclusiva à ConJur e ao Anuário da Justiça São Paulo, a ser lançado no dia 11 de setembro. A publicação, a mais completa radiografia do Judiciário paulista e de seus protagonistas, chega à sua décima edição. E aponta a informatização como a principal transformação do TJ-SP nos últimos dez anos.

Hoje, esse é o tema do momento para o tribunal. O Conselho Nacional de Justiça suspendeu um contrato assinado pelo TJ com a Microsoft para mudar o sistema de processo eletrônico. Artur Marques concorda que o tribunal precisa se modernizar ainda mais, especialmente na parte de armazenamento de dados, mas também reconhece que o sistema atual cumpriu seu papel. Ele concorda com o presidente, Pereira Calças, sobre a necessidade de mudança.

A informatização nessa última década trouxe ótimos benefícios para o jurisdicionado e permite que os julgadores sejam mais rápidos. É claro que ainda temos problemas relacionados ao sistema em si, mas o avanço já foi muito grande”, afirma o vice-presidente.

Leia a entrevista:

ConJur — Que avaliação faz do tribunal nos últimos dez anos? 
Artur Marques — Registrou grandes avanços e é um tribunal em constante desenvolvimento. No passado, havia quatro tribunais [além do TJ, os tribunais de alçada], cada um com um sistema de informática diferente, quatro bibliotecas, quatro orçamentos. Em 2004, com a Emenda 45, unificamos. Embora muitos critiquem, foi salutar, porque permitiu a unificação de todos os processos. Depois da unificação, veio a informatização com sistema único, o e-SAJ, fornecido pela Softplan. Apesar das críticas e da obsolescência de alguns temas, é um sistema que funcionou e vem funcionando.

ConJur — O tribunal hoje está inteiramente digitalizado?
Artur Marques —
Ainda temos 30% de processos físicos, mas que estão a cada dia diminuindo. Vou dar o exemplo da Câmara Especial, que presido: no começo da gestão, tínhamos 15 mil processos, a maioria físicos. Hoje, temos 85% informatizados e em julgamento virtual — sem contar que também aumentou muito a distribuição de processos. Por consequência, só vão a julgamento presencial os casos em que os advogados não concordaram com o julgamento virtual, que pretendem fazer sustentação oral, ou que por alguma razão querem assistir ao julgamento. Então, a informatização nessa última década está surtindo ótimos benefícios ao jurisdicionado e permite que os julgadores sejam mais rápidos. Claro que ainda temos problemas relacionados ao sistema em si, mas o avanço já foi muito grande. Antes, se gastava milhões de reais com papel, uma fortuna. O nosso arquivo aqui do Ipiranga tinha 22 milhões de processos.

ConJur — Ele está sendo movido?
Artur Marques — Saem quatro carretas por noite. Ao todo, serão 500 para transportar tudo. O acervo do Ipiranga vai acabar e todo o material será levado a Jundiaí. Temos grande número de processos desde a criação do tribunal, de 1874 até 1946, que são de guarda obrigatória. São processos considerados históricos, de preservação permanente. Muitos dirão: mas por que preservar? Por que guarda permanente? Porque as revisões criminais podem acontecer a qualquer tempo. Por exemplo, o Rio Tietê era cheio de curvas e é preciso guardar esses documentos porque eles mostram como era a situação geográfica em tempo passado. Outro exemplo: as ações civis públicas também são de guarda permanente.

ConJur — Há dez anos, o Órgão Especial passou a ter desembargadores eleitos. Isso mudou a cara do tribunal?
Artur Marques — A questão das eleições nos tribunais, particularmente em São Paulo, é uma novidade. Há uma interação muito boa e rejuvenesce também. Chegam desembargadores mais novos, com muita vontade. A fisionomia e a arquitetura dos julgamentos se modificam, há juízes muito ligados nas coisas atuais. Por isso é importante o juiz ter participação efetiva na sociedade, dando aula, participando das associações etc. O juiz se fortalece também. Conheço todos os desembargadores, mas tem muitos colegas que não se conhecem, porque não são todos que têm essa visão de acompanhar os colegas na carreira, de estar presentes nos movimentos associativos.

ConJur — A Loman precisa ser atualizada nesse ponto, ou seria necessário um estatuto da magistratura? 
Artur Marques — Já está na hora de ter um estatuto. O Ministério Público tem, Advocacia-Geral da União tem, está na hora de a magistratura ter também. A sociedade mudou e o juiz é resultado da sociedade. Por exemplo, os tribunais passaram a admitir cotas e admitir em grande quantidade o número de mulheres. E isso vai alterando o panorama. Hoje, temos mais de 800 juízas em São Paulo.

ConJur — Ao longo dos últimos anos, o tribunal passou por momentos de modernização e retração, não? 
Artur Marques — Na época da Emenda 45, o presidente era o Luiz Tâmbara, e para organizar todo o tribunal foi um trabalho difícil. Depois, veio o Celso Limongi, que expandiu as varas e a jurisdição em primeira instância. A partir do Celso, os presidentes que vieram procuraram aprimorar a estrutura do tribunal. Depois do Celso, foi eleito o Roberto Antonio Vallim Bellochi, que também iniciou os contratos relacionados à informatização. Depois, veio o Antonio Carlos Viana Santos, que continuou a expansão da tecnologia de informação, reestruturando o tribunal. Depois, veio o Ivan Sartori, que reestruturou todo o tribunal e criou as regiões administrativas judiciárias (RAJ). Eu diria que ele modernizou o tribunal.

ConJur — Até então não havia as RAJs?
Artur Marques – Não, não tinha essa organização de hoje. Depois, o José Roberto Nalini deu continuidade ao processo para alcançar 100% de digitalização no tribunal. E o Paulo Dimas aprimorou a gestão. O presidente atual é um gestor eficiente, está dando continuidade a todo o roteiro programático dos antecessores, levando muito a sério a questão das especializações. Foi na gestão dele que foram criadas as varas e as câmaras empresariais com essa nova fisionomia. Ele também prioriza muito a primeira instância.

ConJur — Ele fala bastante na contenção de gastos.
Artur Marques – Ele é rigorosíssimo, passa tudo no pente fino, o que é bom. Ele leva na ponta do lápis.

ConJur — Mas desagrada algumas pessoas.
Artur Marques — Faz parte.

ConJur — Que balanço o senhor faz dessa gestão?
Artur Marques — Há metas do próprio presidente. Ele quer aprimorar ao máximo a atividade jurisdicional, dar mais celeridade, mais eficiência, mais transparência com um sistema de informatização aperfeiçoado. Ele dá muita importância à primeira instância, e essa é uma visão que todos nós temos, porque o juiz de primeiro grau é quem mais tem contato com o cidadão. Então tem que dar mecanismos, estrutura para que o atendimento ao jurisdicionado, seja o mais pronto possível e o mais sério e seguro. Além disso, o tribunal tem um plano plurianual, que é uma projeção para o futuro. Os presidentes seguem o traçado que já foi deixado.

ConJur — E até quando vai?
Artur Marques —
 O plano plurianual finda agora em dezembro de 2019. O novo plano deve ser montado até o final deste ano, valendo até 2023. A atual presidência tem uma preocupação muito grande com os custos. O tribunal tem 43 mil funcionários e mais de 20 mil aposentados, então a movimentação de recursos é muito grande e exige gestão eficiente. O presidente tem preocupação extraordinária com os custos. Ele quer reduzir tudo.

ConJur — Tem como? O orçamento do tribunal é conhecido por ser enorme, mas também por ser limitado, vinculado.
Artur Marques — O orçamento do tribunal é superior ao de cinco estados e ao de muitas capitais. E temos que investir em informatização. É um caminho sem volta. Não tem outra opção. O tribunal comprava milhares de papéis, a última vez que cheguei a ver um contrato eram R$ 5 milhões só para comprar papel. Imagine uma pessoa que dependia de um julgamento e o processo vinha num caminhar lento até chegar aqui, onde era distribuído, aí passava pelo cartório, dependia dos Correios. Hoje é tudo diferente, é um fluxo extraordinário de informações no sistema eletrônico.

ConJur — Há alguma meta do atual plano plurianual que pretendem concluir ainda este ano?
Artur Marques — O tribunal desenvolveu uma série de convênios que merecem destaque especial. Um deles, que achei extraordinário, foi o SOS Mulher. É um sistema compartilhado do tribunal, com as varas de violência doméstica, com a Polícia Militar. Há 70 mil mulheres em situação de risco e com medidas restritivas em São Paulo. Essas mulheres baixam o aplicativo, acionam em caso de emergência, e a viatura policial mais próxima vai atender a ocorrência.

ConJur — Houve também na parte de saúde, não?
Artur Marques — 
Com a Faculdade de Medicina da USP, no Hospital das Clínicas. Chama-se NatJus. É uma ferramenta que o juiz pode acionar e os profissionais da Faculdade de Medicina darão um parecer sobre questões da área, por exemplo, recomendação de terapias e fornecimento de medicamentos. No Tribunal de Contas, houve um evento que só tratou do orçamento dos municípios em relação a decisões judiciais de terapias e medicamentos. Todos os orçamentos dos municípios pequenos sofreram um impacto que obrigaram o Tribunal de Contas a encontrar alguns caminhos.

Também foi firmado um convênio com a Defensoria Pública e o Ministério Público tratando da não judicialização em face de medicamentos. Se você permite que alguém possa ser beneficiado por um medicamento de alto custo importado, vai deixar um grande contingente da população sem os genéricos, por exemplo. E com esse novo convênio, a tendência é procurar aquele medicamento dentro do sistema de genéricos para diminuir a judicialização.

ConJur — Recentemente, a competência da Seção de Direito Privado foi alterada para que todas as subseções possam julgar processos sobre rescisão de contratos de compra e venda de imóvel. O senhor acha melhor que a seção tenha competência geral, ou que continue especializada, como é hoje?
Artur Marques — A tendência é de especialização fina mesmo. Por exemplo, as câmaras de meio ambiente funcionam bem. As empresariais, também. Vai criando mais segurança jurídica, porque são julgadores habituados àquela especialização. É evidente que podemos ter alguma temporalidade. Por exemplo, uma crise econômica faz aumentar o número de ações decorrentes do alto do desemprego. As próprias câmaras empresariais têm fluxo intenso de pessoas toda semana. A economia não vai bem, as empresas não vão bem e aumenta o número de pedidos relacionados à recuperação das empresas. Além disso, temos 2,6 mil juízes em São Paulo. Todos têm sobrecarga grande de trabalho e não dá para separar uma questão que seja mais simples de uma questão de alta complexidade. O que motiva essa especialização é exatamente isso, tornar o juiz mais especialista naquela área. Ele vai ter muito mais facilidade para resolver e dar segurança jurídica à população.

ConJur — Hoje, os desembargadores acumulam o trabalho das câmaras ambientais com suas câmaras de origem. A exemplo do que já houve nas câmaras empresariais, existe previsão de ter desembargadores exclusivamente nas ambientais?
Artur Marques — Pode ser que no futuro as câmaras ambientais, pelo volume de processos, sejam exclusivas. Hoje, os processos são compensados: o desembargador recebe um da câmara ambiental e se afasta de um da jurisdição comum. Pode ser que no futuro esses desembargadores se desobriguem das suas câmaras. No momento, não. Só existe a compensação.

ConJur — O tribunal também está investindo em um projeto de criação das varas regionais.
Artur Marques — Isso é muito interessante porque também vai nessa linha da competência especializada. Nessa vara regional, pode-se definir uma competência — e a lei permite isso — que especialize os juízes que vão operar ali. Isso é muito importante, sobretudo em matéria de execução criminal. E outra: abre para o tribunal a possibilidade de flexibilização. Por exemplo, se diminuir o número de ações relacionadas a execuções fiscais, pode alterar a competência e colocar outra competência que tenha um reclamo social maior. Fica mais dinâmico. Permite uma flexibilização que dá soluções mais rápidas.

ConJur — As câmaras extraordinárias vão retornar?
Artur Marques — Elas foram muito importantes, porque permitiram uma vazão enorme de julgamentos. Se houver um grande aumento do número de processos, é uma providência salutar. O volume de julgamento das câmaras extraordinárias foi muito bom para aumentar o fluxo de recursos. Recordo que chegamos a ter várias câmaras extraordinárias no público, no criminal e no privado. Mas, por enquanto, não estamos discutindo a volta desse modelo.

*Texto alterado às 11h11 do dia 8/7/2019 para correção de informação.

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