Paradoxo da Corte

Devolução do prazo decorrente da enfermidade do advogado

Autor

  • José Rogério Cruz e Tucci

    é sócio do Tucci Advogados Associados ex-presidente da Aasp professor titular sênior da Faculdade de Direito da USP membro da Academia Brasileira de Letras Jurídicas e do Instituto Brasileiro de Direito Processual e conselheiro do MDA.

15 de janeiro de 2019, 7h00

Não fossem apenas as crescentes dificuldades inerentes ao exercício da profissão de advogado na esfera contenciosa, a vida, em algumas inesperadas ocasiões, pega-nos realmente de surpresa!

Quando o advogado é acometido de doença que lhe impeça de praticar determinado ato processual, é evidente que o seu respectivo constituinte não pode ser prejudicado.

E, de fato, repetindo a regra do artigo 183 do revogado Código de Processo Civil, o artigo 223 do novo diploma estabelece, de modo genérico, que:

"Decorrido o prazo, extingue-se o direito de praticar ou emendar o ato processual, independentemente de declaração judicial, ficando assegurado, porém, à parte provar que não o realizou por justa causa. § 1º Considera-se justa causa o evento alheio à vontade da parte e que a impediu de praticar o ato por si ou por mandatário. § 2º Verificada a justa causa, o juiz permitirá à parte a prática do ato no prazo que lhe assinar".

De forma mais específica, quanto ao prazo recursal, o artigo 1.004 c/c o artigo 313, inciso I, do vigente Código de Processo Civil, dispõe que:

"Se, durante o prazo para a interposição do recurso, sobrevier o falecimento da parte ou de seu advogado ou ocorrer motivo de força maior que suspenda o curso do processo, será tal prazo restituído em proveito da parte, do herdeiro ou do sucessor, contra quem começará a correr novamente depois da intimação".

Cumpre esclarecer que este problema, passível sem dúvida de ocorrer no caminho de qualquer advogado, é mais comum do que se possa presumir. Com efeito, examinando o site de consulta de jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, deparei-me com mais de 200 situações, algumas bem recentes, que podem acarretar sérias consequências para qualquer um de nós, profissionais do Direito.

Devem ser descartadas, de logo, as hipóteses nas quais atuam, em prol de uma das partes, inúmeros advogados, o que é deveras comum quando o patrocínio é exercido pelas sociedades de advogados, grandes, médias ou pequenas. O impedimento ocasional de um profissional é, em regra, imediatamente suprido por outro, sem projetar qualquer repercussão ao andamento do processo.

Não é preciso dizer, pois, que a questão em apreço tem efetiva relevância quando o mandato é outorgado a um único advogado, circunstância que, diante da realidade e, sobretudo, das dimensões geográficas do nosso país, deve ser muito, muito frequente mesmo!

É de ter-se presente que a atividade profissional da advocacia não pode ser contemplada pela perspectiva dos grandes centros de desenvolvimento do Brasil, onde se encontram os grandes e renomados escritórios. É necessário, sem dúvida, reconhecer que existem milhares de colegas espalhados pelos rincões do país — verdadeiros heróis do cotidiano —, que de forma absolutamente solitária e hercúlea exercem a advocacia.

Verifica-se que os tribunais, de um modo geral, sobre o problema da saúde do advogado, são bem rígidos quanto à avaliação da justa causa alegada como justificativa da perda de um prazo. Há de ser motivo sério, bem comprovado, ou seja, verdadeiramente grave, a ensejar o deferimento do pleito de devolução do prazo.

A própria lei, ao explicitar, no supra transcrito parágrafo 1º do artigo 223, o que deve ser entendido por justa causa, deixa claro que o motivo justificado constitui algo inexorável, implicativo do efetivo impedimento do procurador da parte para a prática de determinado ato processual.

Aduza-se que o pedido de prorrogação ou de devolução do prazo pode ser formulado, em quaisquer circunstâncias, antes mesmo do término do prazo para a prática do ato, ou então, como ocorre no mais das vezes, é superveniente, ou seja, depois do momento em que o ato processual deveria ter sido praticado.

O que realmente importa é que o respectivo requerimento traga prova contundente do estado de saúde do advogado, vale dizer, por exemplo, atestado médico circunstanciado.

Assim, bem é de ver que, se houver mais de um advogado constituído, a enfermidade de um não é considerada justificativa suficiente para a incidência do benefício da restituição do prazo.

Com efeito, recente julgado da 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, proferido no Agravo Regimental no Agravo em Recurso Especial 531.572/RS, da relatoria do ministro Marco Buzzi, e calcado em vários precedentes, assentou que:

"A jurisprudência desta Corte é no sentido de que a doença do advogado somente pode constituir justa causa para autorizar a interposição tardia de recurso se, sendo o único procurador da parte, estiver o advogado totalmente impossibilitado de exercer a profissão ou de substabelecer o mandato a colega seu para recorrer da decisão, o que não ocorre no caso específico".

E, de fato, esta orientação é literalmente seguida pela 3ª Turma, como se infere de acórdão prolatado no Agravo Interno no Agravo em Recurso Especial 696.965/SP, com voto condutor do ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, que, ao desprover o agravo, deixou patenteado, textual:

"A doença que acomete o advogado somente se caracteriza como justa causa, apta a ensejar a devolução do prazo, quando o impossibilita totalmente de exercer a profissão ou de substabelecer o mandato, hipótese não configurada nos autos".

Note-se, a propósito, que o advogado tem mesmo de estar passando muito mal, porque, no aludido entendimento pretoriano, se ele estiver em condições de substabelecer, não se descortina justa causa.

Cabe aqui ponderar que, primeiro, é necessário perquirir se o profissional adoentado detém poderes para substabelecer; e, segundo, não se pode olvidar que a contratação de advogado sempre é intuitu personae, o que significa que não é pelo simples fato de haver condições para substabelecer que a questão se encontra resolvida! Quando nada, teria de haver tempo suficiente — fato que em várias ocasiões não existe — para que o cliente concordasse com a ingerência, ainda que momentânea, de outro advogado para cuidar de seus interesses!

Sensível a esse problema, certamente porque foi advogado durante considerável tempo, não posso deixar de aludir à coerência do voto vencido do ministro Napoleão Nunes Maia Filho, no julgamento do Agravo Interno no Recurso Especial 1.236.902/GO, para prover o recurso, ao argumento de que:

"(…) 'não se pode indeferir, a partir do fundamento de que é possível o substabelecimento de poderes a outro Causídico, o pedido de restituição de prazo recursal a Advogado que, no curso do prazo para veicular a insurgência, comprova enfermidade nos autos que o impede de tomar a esperada providência processual'… se o Advogado acosta documento identificador de enfermidade que o impossibilita de atender ao prazo recursal, é caso de se restituir o lapso, ou, se já protocolada a insurreição — caso dos autos —, deve ser processada em seus termos, relevando-se o aviamento a destempo. Trata-se, nitidamente, de força maior impeditiva da tomada de providência processual; diante das circunstâncias, a efetuação do protocolo do recurso um dia após o término do prazo legal não o torna intempestivo".

Seja como for, em quaisquer circunstâncias, a prova da justificativa redunda fundamental, até porque, segundo posicionamento da 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do Agravo Regimental nos Embargos de Declaração no Agravo em Recurso Especial 609.426/MS, do qual foi relator o ministro Luis Felipe Salomão:

"Quando o advogado enfermo não comprova a incapacidade de peticionar não configura justa causa a perda do prazo recursal a ensejar sua devolução. O atestado médico apresentado comprovou que o advogado necessitou ficar afastado de suas ocupações até o dia 7.4.2014. Desse modo, encontrava-se apto a realizar suas atividades desde o dia 8.4.2014".

Anote-se, por fim, que o requerimento da devolução do respectivo prazo perdido, mediante a devida comprovação, pode ser feita, como acima frisado, antes mesmo do início da fluência do prazo, bem como, a teor do aresto da 3ª Turma, no Agravo Regimental no Recurso Especial 533.852/RJ, da relatoria da ministra Nancy Andrighi, in verbis:

"A doença do advogado pode constituir justa causa para os efeitos da lei processual, principalmente quando ele for o único procurador constituído nos autos. A comprovação da justa causa deve ser realizada durante a vigência do prazo ou até cinco dias após cessado o impedimento, sob pena de preclusão".

Este lapso de cinco dias, reputado razoável, vem igualmente fixado no recentíssimo julgamento da 4ª Turma, nos Embargos de Declaração nos Embargos de Declaração no Agravo Regimental no Agravo em Recuso Especial 503.004/SP, relatado pelo ministro Luis Felipe Salomão, ao assentar que:

"Considerando que a advogada, que atua em causa própria, necessitou afastar-se de suas ocupações no período de 25.2.2015 a 16.3.2015, conforme o atestado médico apresentado às fls. 397 e 405, e o pedido de restituição de prazo ocorreu em 5.3.2015 e 16.3.2015, ou seja, dentro do prazo de 5 (cinco) dias após cessado o seu impedimento, afasto a intempestividade do agravo regimental".

Em suma: nós, advogados, na hipótese de sermos acometidos de enfermidade durante a fluência de determinado lapso processual, podemos requerer a respectiva devolução desde que estejamos aptos a produzir a devida prova do impedimento.

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