Seguradora não pode recusar contratação à vista só porque cliente tem nome sujo
10 de janeiro de 2019, 9h16
As seguradoras não podem se recusar a contratar ou renovar seguro de quem paga à vista, mesmo que a pessoa tenha restrição financeira em órgãos de proteção ao crédito. Foi o que decidiu a 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça ao analisar recurso da Porto Seguro.
Para o relator, ministro Villas Bôas Cueva, a recusa de venda direta na hipótese em questão qualifica-se como prática abusiva, conforme o disposto no artigo 39, IX, do Código de Defesa do Consumidor.
“As seguradoras não podem justificar a aludida recusa com base apenas no passado financeiro do consumidor, sobretudo se o pagamento for à vista, sendo recomendável, para o ente segurador, a adoção de alternativas, como a elevação do valor do prêmio, diante do aumento do risco, dado que a pessoa com restrição de crédito é mais propensa a sinistros, ou, ainda, a exclusão de algumas garantias (cobertura parcial)”, afirmou.
O Ministério Público de São Paulo ajuizou ação civil pública para compelir a seguradora a não recusar a prestação de serviços relacionada à contratação ou renovação de seguro a quem se dispuser a fazer pronto pagamento, ainda que possua restrição financeira.
Para o juízo de primeiro grau, a pretensão subverteria a lógica do mercado e o princípio da livre-iniciativa, pois incidiria sobre um aspecto essencial do contrato de seguro, que é a análise do risco.
O Tribunal de Justiça de São Paulo, por sua vez, reconheceu o caráter abusivo da conduta da operadora de seguros. Para o TJ-SP, a anotação do nome do consumidor em órgãos de restrição de crédito não constitui justa causa para a recusa da contratação do seguro, em especial quando se trata de pagamento à vista.
No recurso especial ao STJ, uma seguradora alegou, entre outros fatores, que a recusa da contratação constitui exercício regular de direito da seguradora, resultado da análise do risco.
O ministro Villas Bôas Cueva observou que, de fato, existem situações em que a recusa de venda se justifica e que a análise do risco pelo ente segurador é de primordial importância. “Se o pagamento do prêmio for parcelado, a representar uma venda a crédito, a seguradora pode se negar a contratar o seguro se o consumidor estiver com restrição financeira, evitando, assim, os adquirentes de má-fé, incluídos os insolventes ou maus pagadores”, disse.
No entanto, o relator destacou a jurisprudência do STJ para recomendar a adoção de alternativas, como a elevação do valor da apólice de seguro ou a exclusão de algumas garantias diante do aumento do risco que a pessoa com restrição de crédito pode agregar.
Abrangência nacional
Na decisão de segundo grau, o TJ-SP estabeleceu que a medida deveria se aplicar em todo o território nacional, devendo haver publicidade do decreto para assegurar o resultado prático pretendido pelo Ministério Público.
No STJ, o relator também entendeu que a decisão proferida em ação civil pública, versando sobre direitos individuais homogêneos em relação de consumo, possui efeito erga omnes (vale para todos), de modo a atingir além dos limites da competência territorial do órgão julgador. Desse modo, a decisão abrangendo todo o território nacional beneficia todas as vítimas e seus sucessores, conforme o artigo 16 da Lei 7.347/85.
Para assegurar a efetividade da tutela, a decisão deve ser publicada no site do Diário de Justiça e no da própria seguradora pelo período de 20 dias.
Tutela coletiva
A seguradora também sustentou que o Ministério Público não possuiria legitimidade ativa nem interesse de agir no caso, visto que o direito pleiteado não é individual homogêneo, mas de natureza heterogênea.
O ministro relator, entretanto, afirmou que o Ministério Público está legitimado a promover a tutela coletiva de direitos individuais homogêneos, mesmo de natureza disponível, quando a lesão a tais direitos, visualizada em seu conjunto, de forma coletiva e impessoal, transcender a esfera de interesses puramente particulares, passando a comprometer relevantes interesses sociais.
“Consideradas a natureza e a finalidade social das diversas espécies securitárias, há interesse social qualificado na tutela coletiva dos direitos individuais homogêneos dos consumidores”, afirmou. “Não se está a defender em juízo apenas um segurado em potencial, mas todos os que se encontram em situação semelhante, a evidenciar o interesse de agir do Ministério Público”, completou. Com informações da Assessoria de Imprensa do STJ.
REsp 1.594.024
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