Integridade de Infraestrutura

Talden Farias: Política Nacional de Segurança de Barragens

Autor

  • Talden Farias

    é advogado professor associado da Universidade Federal da Paraíba (UFPB) professor adjunto da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e membro da Comissão de Direito Ambiental do IAB.

9 de fevereiro de 2019, 19h23

Spacca
A Lei n. 12.334/10 estabelece a Política Nacional de Segurança de Barragens – PNSB destinadas à acumulação de água para quaisquer usos, à disposição final ou temporária de rejeitos e à acumulação de resíduos industriais, cria o Sistema Nacional de Informações sobre Segurança de Barragens”.

O objetivo foi criar uma política pública e um sistema de integração dos diversos órgãos e dos diversos entes federativos no intuito de assegurar a integridade das barragens, de maneira a proteger os seres humanos que delas dependam ou que vivam no seu entorno, bem como o próprio meio ambiente.

Nesse sentido foram dispostos os objetivos, os fundamentos, os instrumentos e a competência dessa política, entre outras questões que foram também tratadas. De acordo com o parágrafo único do art. 1º, esta lei é aplicável a qualquer espécie de barragem que se enquadre em pelo menos uma das situações:

a) altura do maciço, contada do ponto mais baixo da fundação
à crista, maior ou igual a 15m (quinze metros);
b) capacidade total do reservatório maior ou igual a
3.000.000m³ (três milhões de metros cúbicos);
c) reservatório que contenha resíduos perigosos conforme
normas técnicas aplicáveis;
d) categoria de dano potencial associado, médio ou alto, em
termos econômicos, sociais, ambientais ou de perda de vidas
humanas, conforme definido no art. 6º.

A despeito da forte tradição barragista brasileira e dos inúmeros casos de desastres ocorridos no país relacionados à construção ou à manutenção inadequada dessas obras, é interessante observar que não faz tanto tempo que essa lei foi aprovada. A instabilidade climática, aliada a fatores de ordem econômica e social, a exemplo da ampliação da demanda por barragens e do crescimento demográfico nas suas proximidades, fez com que os problemas relacionados ao assunto
começassem a aumentar de forma significativa.

De fato, são inúmeros os casos em que as catástrofes ambientais têm uma recuperação difícil e lenta ou que até não têm reparação, de modo que os seus efeitos acabam sendo sentidos principalmente pelas gerações futuras. O problema desse tipo de riscos é que os danos causados são de difícil ou mesmo de impossível recuperação, e a única forma de proteger efetivamente o patrimônio ambiental é evitando que tais danos ocorram.

Impende dizer que mesmo os impactos ambientais potenciais marcados pela incerteza terão de ser considerados, pois o objetivo do licenciamento ambiental é auferir a viabilidade do empreendimento proposto, o que é feito por meio de análise documental e técnica. Há muitas atividades cujos impactos ambientais potenciais são muito maiores do que os impactos efetivos, como é o caso das barragens, cujo
rompimento pode destruir cidades ou regiões inteiras.

Daí a importância da previsão tanto de medidas preventivas, a exemplo da fiscalização constante, quanto de medidas emergenciais, a exemplo de um plano de evacuação, as quais devem ser levadas em conta durante todas as etapas do empreendimento. Na fase de análise das alternativas locacionais e tecnológicas, o empreendedor e o órgão ambiental devem procurar aquelas opções mais seguras no que diz respeito à instalação e à operação da barragem, escolhendo inclusive a
opção que menos ameace vidas humanas e o meio ambiente na hipótese de desastres ou de extremos climáticos.

O desastre da Samarco, também conhecido como o desastre de Mariana/MG, que consistiu no rompimento de uma barragem de rejeitos da mineração, é considerado o maior dano ambiental da história do país. Já o desastre da Vale, ocorrido recentemente em Brumadinho, foi o que teve o maior número de vítimas
fatais, tendo alcançado também enorme repercussão internacional. De toda forma, há dezenas e dezenas de casos de rompimentos de barragens com grande repercussão humana e ambiental.

O art. 2º da lei estabelece os seguintes conceitos gerais aplicáveis a essa
política setorial ambiental:

a) barragem: qualquer estrutura em um curso permanente ou
temporário de água para fins de contenção ou acumulação de
substâncias líquidas ou de misturas de líquidos e sólidos,
compreendendo o barramento e as estruturas associadas;
b) reservatório: acumulação não natural de água, de
substâncias líquidas ou de mistura de líquidos e sólidos;
c) segurança de barragem: condição que vise a manter a sua
integridade estrutural e operacional e a preservação da vida, da
saúde, da propriedade e do meio ambiente;
d) empreendedor: agente privado ou governamental com direito
real sobre as terras onde se localizam a barragem e o
reservatório ou que explore a barragem para benefício próprio
ou da coletividade;
e) órgão fiscalizador: autoridade do poder público responsável
pelas ações de fiscalização da segurança da barragem de sua
competência;
f) gestão de risco: ações de caráter normativo, bem como
aplicação de medidas para prevenção, controle e mitigação de
riscos;
g) dano potencial associado à barragem: dano que pode
ocorrer devido a rompimento, vazamento, infiltração no solo ou
mau funcionamento de uma barragem.

Na fase de análise das alternativas locacionais e tecnológicas, o empreendedor e o órgão ambiental devem procurar aquelas opções mais seguras no que diz respeito à instalação e à operação da barragem, escolhendo inclusive a opção que menos ameace vidas humanas e o meio ambiente na hipótese de desastres ou de extremos climáticos. É nesse contexto que os arts. 3º e 4º, respectivamente, estabelecem os objetivos e fundamentos:

a) garantir a observância de padrões de segurança de
barragens de maneira a reduzir a possibilidade de acidente e
suas consequências;
b) regulamentar as ações de segurança a serem adotadas nas
fases de planejamento, projeto, construção, primeiro
enchimento e primeiro vertimento, operação, desativação e de
usos futuros de barragens em todo o território nacional;
c) promover o monitoramento e o acompanhamento das ações
de segurança empregadas pelos responsáveis por barragens;
d) criar condições para que se amplie o universo de controle de
barragens pelo poder público, com base na fiscalização,
orientação e correção das ações de segurança;
e) coligir informações que subsidiem o gerenciamento da
segurança de barragens pelos governos;
f) estabelecer conformidades de natureza técnica que permitam
a avaliação da adequação aos parâmetros estabelecidos pelo
poder público;
g) fomentar a cultura de segurança de barragens e gestão de
riscos.
a) a segurança de uma barragem deve ser considerada nas
suas fases de planejamento, projeto, construção, primeiro
enchimento e primeiro vertimento, operação, desativação e de
usos futuros;
b) a população deve ser informada e estimulada a participar,
direta ou indiretamente, das ações preventivas e emergenciais;
c) o empreendedor é o responsável legal pela segurança da
barragem, cabendo-lhe o desenvolvimento de ações para
garanti-la;
d) a promoção de mecanismos de participação e controle
social;
e) a segurança de uma barragem influi diretamente na sua
sustentabilidade e no alcance de seus potenciais efeitos sociais
e ambientais.

É interessante observar que toda a PNSB é fundamentada nos princípios da prevenção e da precaução, já que o dano decorrente desse tipo de atividade costuma ser de grande monta.

Os instrumentos dessa política são mecanismos administrativos que visam dar concretude aos objetivos e fundamentos dessa política, consoante determina o artigo 6º:

a) o sistema de classificação de barragens por categoria de
risco e por dano potencial associado;
b) o Plano de Segurança de Barragem;
c) o Sistema Nacional de Informações sobre Segurança de
Barragens (SNISB);
d) o Sistema Nacional de Informações sobre o Meio Ambiente
(Sinima);
e) o Cadastro Técnico Federal de Atividades e Instrumentos de
Defesa Ambiental;
f) o Cadastro Técnico Federal de Atividades Potencialmente
Poluidoras ou Utilizadoras de Recursos Ambientais;
g) o Relatório de Segurança de Barragens.

Nos termos do art. 7º da lei em comento, as barragens serão classificadas pelos agentes fiscalizadores, por categoria de risco, por dano potencial associado e pelo seu volume, com base em critérios gerais estabelecidos pelo Conselho Nacional de Recursos Hídricos. A classificação por categoria de risco em alto, médio ou baixo será feita em função das características técnicas, do estado de conservação do empreendimento e do atendimento ao Plano de Segurança da Barragem.

Dito de outro modo, a classificação por categoria de dano potencial associado à barragem em alto, médio ou baixo será feita em função do potencial de perdas de vidas humanas e dos impactos econômicos, sociais e ambientais decorrentes da ruptura da barragem. Não se pode esquecer que o Direito Ambiental trabalha tanto com os danos efetivos quanto com os potenciais (arts. 2 o , I da Lei Complementar 140/2011 e artigo 10, caput,da Lei 6.938/81), pois somente assim é possível buscar a
efetividade.

O Plano de Segurança da Barragem é uma espécie de plano diretor de
segurança de barragens, que vincula a atuação do empreendedor e dos órgãos de fiscalização:

Art. 8º. O Plano de Segurança da Barragem deve compreender,
no mínimo, as seguintes informações:
I – identificação do empreendedor;
II – dados técnicos referentes à implantação do
empreendimento, inclusive, no caso de empreendimentos
construídos após a promulgação desta Lei, do projeto como
construído, bem como aqueles necessários para a operação e
manutenção da barragem;
III – estrutura organizacional e qualificação técnica dos
profissionais da equipe de segurança da barragem;
IV – manuais de procedimentos dos roteiros de inspeções de
segurança e de monitoramento e relatórios de segurança da
barragem;
V – regra operacional dos dispositivos de descarga da
barragem;
VI – indicação da área do entorno das instalações e seus
respectivos acessos, a serem resguardados de quaisquer usos
ou ocupações permanentes, exceto aqueles indispensáveis à
manutenção e à operação da barragem;
VII – Plano de Ação de Emergência (PAE), quando exigido;
VIII – relatórios das inspeções de segurança;
IX – revisões periódicas de segurança.

O Plano de Ação de Emergência é um instrumento especialmente importante no caso de prevenção de prejuízos causados por desastres, cabendo a ele contemplar o seguinte:

Art. 12. O PAE estabelecerá as ações a serem executadas pelo
empreendedor da barragem em caso de situação de emergência, bem como identificará os agentes a serem notificados dessa ocorrência, devendo contemplar, pelo menos:

I – identificação e análise das possíveis situações de
emergência;
II – procedimentos para identificação e notificação de mau
funcionamento ou de condições potenciais de ruptura da
barragem;
III – procedimentos preventivos e corretivos a serem adotados
em situações de emergência, com indicação do responsável
pela ação;
IV – estratégia e meio de divulgação e alerta para as
comunidades potencialmente afetadas em situação de
emergência.
Parágrafo único. O PAE deve estar disponível no
empreendimento e nas prefeituras envolvidas, bem como ser
encaminhado às autoridades competentes e aos organismos
de defesa civil.

Com relação às obrigações do empreendedor, a lei determina o seguinte sem prejuízo de outras exigências legalmente fundamentadas:

Art. 17. O empreendedor da barragem obriga-se a:
I – prover os recursos necessários à garantia da segurança da
barragem;
II – providenciar, para novos empreendimentos, a elaboração
do projeto final como construído;
III – organizar e manter em bom estado de conservação as
informações e a documentação referentes ao projeto, à construção, à operação, à manutenção, à segurança e, quando
couber, à desativação da barragem;
IV – informar ao respectivo órgão fiscalizador qualquer
alteração que possa acarretar redução da capacidade de
descarga da barragem ou que possa comprometer a sua
segurança;
V – manter serviço especializado em segurança de barragem,
conforme estabelecido no Plano de Segurança da Barragem;
VI – permitir o acesso irrestrito do órgão fiscalizador e dos
órgãos integrantes do Sindec ao local da barragem e à sua
documentação de segurança;
VII – providenciar a elaboração e a atualização do Plano de
Segurança da Barragem, observadas as recomendações das
inspeções e as revisões periódicas de segurança;
VIII – realizar as inspeções de segurança previstas no art. 9º
desta Lei;
IX – elaborar as revisões periódicas de segurança;
X – elaborar o PAE, quando exigido;
XI – manter registros dos níveis dos reservatórios, com a
respectiva correspondência em volume armazenado, bem
como das características químicas e físicas do fluído
armazenado, conforme estabelecido pelo órgão fiscalizador;
XII – manter registros dos níveis de contaminação do solo e do
lençol freático na área de influência do reservatório, conforme
estabelecido pelo órgão fiscalizador;
XIII – cadastrar e manter atualizadas as informações relativas à
barragem no SNISB.
Parágrafo único. Para reservatórios de aproveitamento
hidrelétrico, a alteração de que trata o inciso IV também deverá
ser informada ao Operador Nacional do Sistema Elétrico
(ONS).

Isso implica dizer que existem vários instrumentos de promoção de segurança de barragens, cabendo aos órgãos responsáveis exigir a sua implementação e à sociedade civil fazer o controle social, de sorte o problema está muito mais no cumprimento do que no endurecimento da norma. De resto, há que se relembrar o trecho da canção “Sol de primavera”, sucesso do cantor Beto Guedes e um clássico do Clube da Esquina: “A lição sabemos de cor/ Só nos resta aprender”.

Autores

  • é advogado e professor de Direito Ambiental da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), doutor em Direito da Cidade pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), doutor em Recursos Naturais pela Universidade Federal de Campina Grande (UFCG) e mestre em Ciências Jurídicas pela UFPB. Autor do livro "Licenciamento ambiental: aspectos teóricos e práticos" (7. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2019).

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