Opinião

A legitimidade da atuação dos grupos de interesse e de pressão

Autor

  • Antônio Augusto de Queiroz

    é jornalista analista e consultor político mestre em Políticas Públicas e Governo pela FGV ex-diretor de documentação do Diap autor dos livros Por Dentro do Governo: como Funciona a Máquina Pública e RIG em Três Dimensões: Trabalho Parlamentar Defesa de Interesse perante os Poderes Públicos e Análise Política e de Conjuntura e sócio-diretor das empresas Consillium Soluções Institucionais e Governamentais e Diálogo Institucional Assessoria e Análise de Políticas Públicas.

4 de fevereiro de 2019, 12h05

Em todas as democracias, as pessoas físicas e/ou jurídicas organizam-se sob diversas formas para, legitimamente, representar e defender seus interesses perante os poderes constituídos.

A representação de interesse tem como escopo promover o diálogo entre instituições da sociedade civil (associações, sindicatos, ONGs e empresas) com autoridades do poder público (governantes, altos burocratas e parlamentares) em benefícios de ambas.

Para a sociedade civil, além da vantagem de credenciar-se como interlocutora e ampliar seu capital social, pode oferecer dados, análises e informações para que as autoridades estejam bem informadas sobre os impactos — positivos ou negativos — que as políticas públicas em debate ou em formulação possam ter sobre determinados setores, segmentos e grupos sociais específicos.

Já para o governo e o Parlamento, além da vantagem da legitimação da política pública, a interação com a sociedade é uma necessidade no processo de formulação de políticas públicas — nas arenas distributiva, redistributiva e regulatória —, principalmente para alertar sobre riscos de omissão, de excessos e/ou lacunas e erros que poderiam ser facilmente equacionados com o acompanhamento mais permanente por parte dos agentes econômicos e sociais. O Estado e o governo não são autossuficientes e, sem o controle social, tendem a decidir de forma tecnocrática e até mesmo autoritária.

As políticas públicas, objeto da deliberação legislativa, traduzem a ideia de valor, de alocação de recursos ou benefícios para localidades, indivíduos ou grupos, mas também regulam a relação entre pessoas e entre estas e as instituições públicas e privadas, por isso devem estar sujeitas à ação dos grupos de pressão e do controle social.

Cumpre salientar que o governo e o Parlamento, em suas funções, e particularmente no contexto da governança democrática ou responsiva, ou seja, aquela que é orientada para o diálogo, a participação da sociedade e a ação voltada para o interesse público, e não do dirigente, sempre irão necessitar de interação com a sociedade (indivíduos, empresas, entidades, ONGs), por isso o contato com os grupos de pressão e com os representantes de interesses sempre será imprescindível. E a razão é simples: nenhuma autoridade (deputado, senador, ministro, governador, presidente etc.) ou seus assessores têm conhecimento aprofundado sobre todos os assuntos e acesso a todos os dados relativos aos temas sobre os quais devem decidir. O diálogo com a sociedade não apenas resulta em decisões mais transparentes, qualificadas e baseadas em evidências, mas aumenta a própria confiança do público no processo de tomada de decisão.

No Brasil, desde a redemocratização, vinha sendo crescente a participação da sociedade civil na formulação das políticas públicas, por meio de grupos de pressão, de frentes parlamentares ou bancadas informais, de atividade de lobby, de relações institucionais e governamentais, relações públicas e de advocacy e lobby ou mediante consultas públicas, iniciativa popular e de participação em órgãos colegiados, conferências temáticas e grupos de trabalho.

Entretanto, no governo Michel Temer foi iniciado o processo de esvaziamento dessas instâncias, que tende a ser aprofundado no governo Bolsonaro, especialmente as conferências e dos órgãos colegiados com caráter tripartite. A extinção do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social é um exemplo dessa nova orientação.

Isso preciso ser revisto, com o retorno do fortalecimento desses espaços de diálogo e concertação. Essas modalidades de atuação e participação da sociedade, diferentemente dos partidos políticos, não pretendem a conquista do poder ou a substituição dos agentes públicos, mas apenas influenciar o processo decisório. Assim, não integram o sistema político, de modo institucional, mas participam, fiscalizam e ajudam no controle social dos atos governamentais.

Segundo Laura Frade[1], os partidos ainda dispõem de três funções exclusivas: disputar diretamente o poder, expressar a democracia e gerir o Estado, mas passou a dividir com outras organizações da sociedade civil ações que exerciam com preponderância no passado, como:

  • a transmissão de questionamentos políticos;
  • a mediação entre sociedade e governo;
  • o recrutamento político;
  • a participação política; e
  • a integração social.

O objetivo dessas formas de influência, representação ou intermediação de interesse é ter acesso aos centros de poder para obter decisões favoráveis ou bloquear decisões desfavoráveis aos interesses representados nos três níveis de governo (federal, estadual e municipal) e nos três poderes e órgãos (Executivo, inclusive agências reguladoras, Legislativo, Judiciário e Ministério Público).

Nessa perspectiva, o exercício da influência pode contribuir para amenizar as externalidades desfavoráveis, ajustando as decisões de modo a distribuir os seus ônus de forma mais equilibrada entre os diferentes setores afetados.

Trata-se, portanto, de trabalho de convencimento e persuasão que consiste em oferecer dados, informações e análise como elemento de convicção em favor de seus pleitos, reivindicações e anseios de grupos sociais afetados por políticas públicas, além de ampliar as alternativas de ação de autoridades e/ou tomadores de decisão no Estado.

Serve, ainda, para se contrapor com dados e informações a propostas que possam prejudicar seus interesses, auxiliando os decisores a avaliar com maior amplitude os impactos das políticas públicas. É o que, como aponta Robert Reich em seu livro Salvando o Capitalismo, evidencia a necessidade de se fortalecer os “poderes compensatórios” no âmbito da sociedade, evitando que apenas o poder econômico, que tem maior facilidade de acesso aos tomadores de decisão, seja ouvido e molde as decisões de acordo apenas com os seus interesses.

A experiência demonstra que os grupos ou segmentos que não se organizam para defender seus interesses podem ser prejudicados, já que as decisões políticas são produto de negociação, de pressão e de correlação de forças, e seus adversários certamente estarão atuando sobre os decisores, por isso a importância e a necessidade da organização e da participação.

A representação de interesse, uma realidade nos países democráticos, é legal e legítima, inclusive com amparo em nível constitucional e infraconstitucional.

A legitimidade da atuação dos grupos de interesse e de pressão está associada ao conceito de democracia, na medida em que não existiria democracia sem a atuação de grupos organizados da sociedade com a finalidade de acompanhar, fiscalizar ou colaborar com as decisões governamentais e parlamentares, visto que “os justos poderes dos governos derivam do consentimento dos governados”, conforme as palavras da Declaração de Independência dos EUA, de 1776.

A legalidade, por sua vez, está assentada em nível constitucional, especialmente no artigo 5º da Constituição, que assegura, dentro do Estado Democrático de Direito, o pluralismo político, a liberdade de expressão e o direito de petição, princípios que dão base legal e legitimam a interlocução entre a sociedade e o governo. Já o artigo 10 assegura a participação dos trabalhadores e empregadores nos colegiados dos órgãos públicos em que seus interesses profissionais ou previdenciários sejam objeto de discussão e deliberação.

O exercício legítimo e legal dessa atividade está assegurado e amparado nos direitos: a) à liberdade de manifestação, b) à liberdade de expressão e de comunicação; c) à liberdade de reunião; d) à liberdade de associação para fins lícitos; e) de acesso à informação pública de interesse particular, coletivo ou geral; e f) de petição aos poderes públicos em defesa de interesses e direitos ou contra ilegalidade ou abuso de poder, inclusive como substituto processual, no caso de entidades sindicais.

A relação entre os três setores do sistema social (Estado, mercado e sociedade) precisa ser fortalecido, porque, além de equilíbrio e interação, eles se fiscalizam reciprocamente, à semelhança do sistema de freios e contrapesos próprio da divisão funcional dos poderes — um moderando ou controlando os excessos do outro, mediante a ponte do trabalho de relações institucionais e governamentais.

E a efetividade desse trabalho na defesa de interesse depende de organização, de comunicação estratégica, de capacidade de articular os segmentos representados e do emprego de boas táticas e estratégias e de gerar e disseminar informações relevantes sobre os problemas e políticas públicas, e ninguém melhor que o profissional de relações institucionais e governamentais para orientar a ação de entidades, de associações, de sindicatos e de empresas.


[1] Dissertação de mestrado, defendida na UnB, com o título Bancadas Suprapartidárias no Congresso Nacional Brasileiro 1995-1996. Essas três funções, citadas pela autora, foram apontadas como privativas dos partidos políticos por Gianfranco Pasquino no Dicionário de Política. Antes dele, Schattschneider já havia dito a mesma coisa.

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