Opinião

O Incra não existe, é uma autarquia fantasma

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8 de dezembro de 2019, 10h33

O título parece uma provocação, mas não é: o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária não existe como autarquia federal, dotada de personalidade jurídica própria, há mais de 32 anos. É assombroso.

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Instituto federal ligado à colonização e a reforma agrária foi criado em 1970
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Com efeito, o Incra foi criado pelo artigo 1º do Decreto-lei 1.110, de 1970,  como entidade autárquica, vinculada ao Ministério da Agricultura, com sede na Capital da República. No entanto, em 21 de outubro de 1987, o Instituto foi extinto, pelo Decreto-lei nº 2.363/1987, sendo criado, no seu lugar, outra autarquia, o Inter – Instituto Jurídico de Terras Rurais, que era vinculada ao extinto Ministério da Reforma e Desenvolvimento Agrário.

Acontece que o Decreto-lei 2.363/1987 encontrava-se em tramitação no Congresso Nacional, quando foi promulgada a Constituição de 1988, que atribuiu competência diretamente à União, em seu artigo 184, para “desapropriar por interesse social, para fins de reforma agrária, o imóvel rural que não esteja cumprindo sua função social, mediante prévia e justa indenização em títulos da dívida agrária, com cláusula de preservação do valor real, resgatáveis no prazo de até vinte anos, a partir do segundo ano de sua emissão, e cuja utilização será definida em lei".

Mais importante do que isso, foi a regra do §1º, I, do art. 25 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, que previu o seguinte:

§ 1º Os decretos-lei em tramitação no Congresso Nacional e por este não apreciados até a promulgação da Constituição terão seus efeitos regulados da seguinte forma:

I – se editados até 2 de setembro de 1988, serão apreciados pelo Congresso Nacional no prazo de até cento e oitenta dias a contar da promulgação da Constituição, não computado o recesso parlamentar;

II – decorrido o prazo definido no inciso anterior, e não havendo apreciação, os decretos-lei alí mencionados serão considerados rejeitados;

III – nas hipóteses definidas nos incisos I e II, terão plena validade os atos praticados na vigência dos respectivos decretos-lei, podendo o Congresso Nacional, se necessário, legislar sobre os efeitos deles remanescentes.

Assim, o Decreto-lei nº 2.363/1987 foi rejeitado expressamente pelo Congresso Nacional pelo Decreto Legislativo nº 2/1989. O Decreto Legislativo teve, portanto, dois efeitos: confirmar a extinção do Incra e promover a extinção do Inter.

Se a intenção legislativa fosse recriar o Incra, como equivocadamente se interpretou durante todos esses anos, o Decreto-legislativo deveria repristiná-lo. Desde aquela ocasião, o §3º do art. 2º da Lei de Introdução ao Código Civil já rezava que “salvo disposição em contrário, a lei revogada não se restaura por ter a lei revogadora perdido a vigência”.

Desta forma, os direitos e obrigações do Incra passaram para o Inter que, por sua vez, centralizaram-se na União. Os atos praticados pelo “Instituto” durante todos esses atos, a rigor, são eivado de vício, embora de boa-fé, pois a comunidade simplesmente deu às costas para seu pecado original.

A consequência prática disto é que, na reforma administrativa, bastará um decreto para tratar da organização e funcionamento da Administração Federal (artigo 84, VI, a, da CF), passando sua representação judicial a ser feita diretamente pelos advogados da União, como quis o originalmente o legislador constituinte.

O Incra é uma autarquia fantasma, sem personalidade, que exerce uma importantíssima missão da União, num permanente estado de coisas inconstitucionais, que já perdura por três décadas. Na reforma administrativa, é chegado o momento para o presidente Jair Bolsonaro corrigir um dos mais inexplicáveis erros jurídicos do mastodôntico Estado Brasileiro, dando-lhe simplicidade e eficiência.

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