Garantias do Consumo

O idoso no mercado financeiro: superendividamento e a atualização do CDC

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  • é professor titular da Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e editor da revista Estudos Interdisciplinares sobre o Envelhecimento.

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10 de abril de 2019, 8h05

Em 1960 começa uma mudança no Brasil, inicialmente percebida por poucos, e que somente agora está realizada em toda sua profundidade: a mudança demográfica, que tornou o Brasil de um país jovem em um Brasil envelhecido. Mudanças no campo da saúde e fatores sociais como a urbanização, entre outros, levaram a uma diminuição da mortalidade infantil, uma radical baixa da fertilidade e um forte aumento da expectativa de vida. Com isso, em 2030, o grupo dos idosos será maior do que o grupo de crianças com até 14 anos e, em 2055, o Brasil terá mais idosos do que crianças e jovens, com até 29 anos de idade. Em 2060, mais do que um terço da população brasileira será constituído por pessoas com 60 anos ou mais (33,7%). Estas mudanças possuem impacto no Direito, assim como em todas as esferas da vida em sociedade, na família, no trabalho, no lazer, no consumo e também na distribuição dos recursos da sociedade, através de políticas públicas.

Em resumo, os idosos, antes pouco vistos e considerados — note-se que o CDC de 1990 sequer menciona a expressão "idoso" —, estão ganhando uma atenção especial, também no Direito do Consumidor. O que pode ser por um lado positivo, buscando atender necessidades e desejos específicos deste grupo, traz por outro lado também um grande perigo, o risco da exploração, do assédio de consumo, do aumento de fraudes explorando as vulnerabilidades deste grupo social.

Um exemplo é o mercado financeiro, em especial, o crédito consignado, cujas práticas em relação a aposentados e idosos são em muito problemáticas, com os "pastinhas" e os "laçadores" em frente a todos os postos de INSS, o telemarketing incessante que atinge este grupo. Concorde-se que é certamente interessante oferecer a pessoas idosas a chance de obter um crédito, quando tenham necessidade deste. Porém, o crédito consignado não é sem perigos e se mostrou — desde sua implantação em 2004 — como uma faca de dois gumes, levando uma grande parte de idosos a uma situação de endividamento forte e superendividamento.

De fato, o crédito consignado oferece espaço para exploração dos idosos por diferentes grupos, desde intermediários a instituições financeiras, dentro e fora do sistema da Febraban, e mesmo a familiares. As instituições financeiras logo perceberam a lucratividade de um crédito, cujo pagamento é garantido pelo INSS e pelos salários e pensões, sem possibilidade de revisão ou denúncia, nem mesmo com a morte. Através de publicidades, altamente invasivas e sedutoras, procuram convencer o público de aposentados e pensionistas a contratar um crédito, que estes muitas vezes nem queriam, quase que se passando por agentes da política pública.

Como sabemos, os direitos do consumidor não sempre são respeitadas pelas instituições na concessão deste crédito, muitas vezes irresponsável e agressivo, como nossas pesquisas da UFRGS demostraram. Com a restrição das formas de contratação (antes a contratação por telefone era permitida) pela legislação, surgiu uma nova figura, o intermediário, também chamado de "pastinha" ou "laçador", que procura com práticas — no limite da legalidade ou ultrapassando mesmo esta — convencer aposentados a contratarem um crédito. Além dessa exploração pelas instituições financeiras e pelos intermediários, ainda existem os perigos de fraudes e atos de criminosos, ainda mais no mundo bancário altamente informatizado. E, finalmente, existe também a exploração possível pela própria família.

Nas nossas pesquisas sobre a propensão ao endividamento de pessoas idosas, ligadas ao Programa de Pós-Graduação em Educação e ao Núcleo de Estudos Interdisciplinares sobre Envelhecimento da UFRGS, conseguimos destacar alguns fatores de risco, específicos dessa faixa etária. O primeiro, e talvez mais importante, é a pouca experiência de lidar com o crédito, que durante muito tempo foi quase impossível de conseguir. Desta forma, possuem dificuldades de lidar com o excesso e com o assédio das formas de crédito de hoje, como o cartão de crédito (há o cartão de crédito do "idoso" e com consignado!), o crédito consignado, o crédito regular do banco, o cheque especial, a capitalização etc.

Outro elemento é a confiança de muitas pessoas idosas à palavra do outro, especialmente no interior do país, que torna os idosos uma vítima "fácil" para práticas persuasivas, seja de gerentes ou funcionários de instituições financeiras, seja de vendedores, pastinhas, laçadores, seja até de meliantes e criminosos. Importante mencionar que a geração de idosos de hoje é marcada pela baixa escolaridade, pois na sua época era muito mais comum não ir para a escola ou abandoná-la para ajudar os pais na roça ou para trabalhar.

E, finalmente, é a própria situação financeira precária de muitos idosos que pode levar ao superendividamento, pois um crédito com o spread, as taxas e os juros praticados no Brasil é para uma pessoa que vive no limite das suas condições financeiras o caminho certo para um agravar de sua situação financeira, de onde não tem mais saída.

Por que os idosos estão sem proteção? Por que os deputados não conseguiram sequer analisar o projeto de atualização do CDC (PL 3.515) que trata do tema? A "insensibilidade" em relação a esse problema tem a ver, sem dúvida, com a crise ética brasileira e com os lobbies, mas cabe a nós virarmos este jogo. É direito do consumidor-idoso uma especial proteção, as mudanças do mercado de consumo e na sociedade exigem a atualização do CDC!

Autores

  • é professor titular da Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e editor da revista Estudos Interdisciplinares sobre o Envelhecimento.

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