Liberdade de expressão

Represália do Iasp contra parecer sobre aborto é censura, diz Ives Gandra

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12 de setembro de 2018, 5h53

As represálias sofridas pelo advogado Ricardo Sayeg dentro do Instituto dos Advogados de São Paulo (Iasp) são formas de censura. Quem é afirma é o tributarista Ives Gandra da Silva Martins, que enviou e-mail ao presidente do Iasp, José Horácio Halfeld Ribeiro, para expor sua opinião sobre o episódio

Sayeg é diretor da Comissão de Direitos Humanos e recentemente enviou ofício à ministra Rosa Weber, do Supremo Tribunal Federal, para defender a criminalização do abordo. No documento, diz que "aborto é assassinato", e que o feto tem direitos de personalidade desde que é concebido. “Não adianta querer negar, morte é morte. Ninguém tem liberdade para matar, mesmo que seja a mãe do embrião vivo”, diz o ofício.

Rosa é relatora de uma ADPF sobre aborto. A posição de Sayeg foi depois parar em projeto de lei que pretende alterar o Código Civil para dar personalidade civil a fetos, não apenas a pessoas nascidas.

Diante da repercussão negativa do caso, o presidente do Iasp, José Horácio Ribeiro, publicou nota dizendo que Sayeg não tinha direito de expor suas opiniões e que a comissão não poderia oficiar o Supremo sem sua autorização.

Mas, para Ives Gandra, que presidiu o Iasp em 1985, a nota de José Horácio é uma tentativa de censura a uma comissão da instituição. Segundo o professor, o Estatuto do Iasp permite que as comissões, depois de deliberação emitam pareceres. As opiniões dos associados é que precisam passar pelo plenário da entidade.

O parecer de Sayeg foi aprovado no dia 13 de agosto pela Comissão de Direitos Humanos. Para Ives Gandra, não houve qualquer violação ao Estatuto, como diz José Horácio. “Já, ao contrário, na intimação e na censura imposta aos associados da referida Comissão, vi uma afronta às tradições desta Casa, que desde 1874 primou pela absoluta liberdade de expressão”, afirma o professor. 

Leia a carta:

Caro Amigo José Horácio,

Afetuoso abraço.

Uma série de compromissos (palestras, clientes e viagens) não me permitiram concluir a conversa que começamos outro dia.

Confesso que estranhei a notícia no jornal, em que somente os associados favoráveis ao aborto manifestaram-se, assim como a censura à Comissão de Direitos Humanos, que teria o direito de tornar público qual era a sua posição. O presidente não falou em nome do Instituto, mas sim em nome da Comissão, independentemente de vir o Instituto a concordar ou não – aí seria posição do Iasp – com suas conclusões.

Quando presidente da Comissão de Reforma Política da OAB-SP, sempre manifestei-me em nome da comissão, tendo seu aval, independentemente da opinião que poderia ser contrária à do Conselho. Falava PELA COMISSÃO, E NÃO PELO CONSELHO.

No tempo que presidi o Iasp (1985-86), jamais impus qualquer tipo de censura ou silêncio aos vice-presidentes que presidiam comissões e que falavam livremente, até mesmo em programas de televisão.

É de se lembrar que o inciso IX do artigo 30 do Estatuto do Iasp determina apenas que pareceres de associados sejam discutidos e votados, não havendo referência às comissões, que, pelo inciso IV, do artigo 50, têm competência para “promover e difundir as mais variadas áreas do Direito”.

Não vi, portanto, na atitude dos membros da Comissão de Direitos Humanos, nenhuma infringência estatutária. Já, ao contrário, na intimidação e censura impostas aos associados da referida comissão, vi uma afronta às tradições desta casa, que desde 1874 primou pela absoluta liberdade de expressão.

Gostaria que o amigo meditasse sobre o tema, tomando a liberdade de levar minha posição também ao conhecimento de Ricardo Sayeg, até como solidariedade contra as críticas que recebeu. A minha posição transmitirei aos demais ex-presidentes do sodalício.

Renovando meu afeto, subscrevo-me, seu amigo e colega,

Ives Gandra da Silva Martins

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