Segunda Leitura

O tempo na vida pública e privada do profissional do Direito

Autor

  • Vladimir Passos de Freitas

    é professor de Direito no PPGD (mestrado/doutorado) da Pontifícia Universidade Católica do Paraná pós-doutor pela FSP/USP mestre e doutor em Direito pela UFPR desembargador federal aposentado ex-presidente do Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Foi secretário Nacional de Justiça promotor de Justiça em SP e PR e presidente da International Association for Courts Administration (Iaca) da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) e do Instituto Brasileiro de Administração do Sistema Judiciário (Ibrajus).

28 de outubro de 2018, 10h39

Spacca
Nas nossas vidas nem sempre damos a real importância ao tempo e, no entanto, ele é forte fator de felicidade pessoal e sucesso profissional. Sêneca, escritor e filósofo romano, nas suas epístolas ao amigo Lucílio, aconselhava a economia do tempo e alertava: “pensamos que a morte é coisa do futuro, mas parte dela já é coisa do passado. Qualquer tempo que já passou pertence à morte”.[i]

Se cada momento vivido não volta mais e, na visão de Sêneca está morto, óbvio que estamos diante de algo precioso e que deve ser bem cuidado.

No passado o tempo era mais livre. Nos anos setenta, quando eu era promotor de Justiça em uma pequena comarca, às 17 horas encerrava o expediente e ia conversar com o dono de um posto de gasolina. Pura vida, como dizem os costarriquenhos. Atualmente, a realidade é outra, as obrigações muito maiores e as cobranças também. Por isso cada cinco minutos deve ser bem aproveitado.

Nós do mundo jurídico, não só profissionais como estudantes, somos levados a valorizar o tempo e o primeiro fator é a contagem dos prazos processuais. Mas há outras facetas não menos importantes, como o tempo na dedicação ao estudo, às relações humanas, o momento certo para certas iniciativas e outros tantas.

Em época de acirrada disputa eleitoral como o que vivemos nos últimos meses, tivemos muito do nosso tempo furtado por milhares de mensagens e vídeos enviadas pelas redes sociais. Apaixonados por este ou aquele candidato, por esta ou aquela ideologia, invadiram nossos recantos tecnológicos e impiedosamente nos impuseram news, verdadeiras ou falsas.

Nesta seara, o tempo que se foi abrindo e lendo tal material, ou até lendo e não abrindo, não recuperaremos jamais. Mas em relação ao tempo futuro, aí sim, podemos dedicar toda a atenção para que seja bem aproveitado. Podemos, por exemplo: a) delicadamente, pedir para sermos excluídos de tal tipo de mensagem; b) bloquear o remetente; c) no Facebook, desfazer a amizade; d) reclamar ao órgão competente.[ii]

Mas, há um gesto mais importante que este. Refiro-me ao auto-controle limitando nosso tempo de acesso às redes sociais. Por exemplo, confinando-o em dois períodos para enviar e responder as mensagens relevantes e ponto final. Ficar conectado todo o tempo significa entrar em um nocivo estado de ansiedade e adiar coisas importantes como a leitura. Ir a um teatro e discretamente abrir o WhatsApp já é caso extremo que recomenda marcar consulta com um psicólogo.

Prosseguindo com foco no mundo do Direito, registra-se que o tempo está sempre presente em diferentes formas. Não é raro o caso de um jovem completar 18 anos de idade e cometer um crime. Muitos dirão, é injusto, pois se fosse três horas antes ele seria beneficiado por lei mais benévola. O raciocínio é falso. O tempo fixa limites e isto é necessário. Se em determinada situação é ou não justo, é algo vai além das normas e que pode merecer discussões filosóficas. Mas não legais.

Estudantes de Direito têm data limite para entregas de trabalho e professores para avaliar. A sanção pelo descumprimento suscita variados tipos de sanções. O estudante pode conseguir tolerância de mais um ou dois dias. A professora pode receber, apenas, uma chamada de uma vigilante secretária. Mas, há uma sanção que passa quase despercebida. É a de que ambos serão considerados relapsos, irresponsáveis. E isto, claro, macula suas imagens e pode ter reflexos em futuras oportunidades.

O tempo pode ser um problema grave para um advogado desorganizado e que perde um prazo importante. O Tribunal de Justiça de São Paulo condenou um advogado que perdeu o prazo para apelar e provocou prejuízo ao seu cliente, a pagar indenização R$ 30 mil por danos morais.[iii]

Mas, saber manejar o tempo é importante também fora dos processos. Na nossa caminhada profissional há um tempo certo para cada oportunidade e decisão que surge à nossa frente.

Qual o tempo certo para fazer concurso? Com certeza, logo depois de formado. Ele não precisa ser exatamente no ano seguinte à colação de grau, às vezes é até proibido (v.g., a magistratura, que exige três anos). Mas não pode se distanciar demais da graduação. E o principal motivo é que, legislação, doutrina e jurisprudência, atualmente mudam com rapidez. Dois anos passados percorrendo a Europa com uma mochila nas costas, podem significar enorme dificuldade para preparar-se para um concurso.

Mas não é só isto. Quando novos, estamos dispostos a assumir riscos e somos otimistas quanto aos resultados. Sair do sul do país para ser promotor de Justiça na Amazônia é visto como uma adorável experiência de vida. Deixar o ensolarado nordeste para exercer tal função em São Joaquim, SC, onde a temperatura no inverno é inferior a zero, parece ser algo tentado, pois, afinal, estimula o consumo de bons vinhos. Ocorre que, dez anos depois de formados, poucos veriam tais hipóteses com tanto otimismo, porque há a vida profissional do parceiro, o pai que se acha adoentado, a família, amigos, raízes enfim.

O tempo, não em número de horas, mas sim sob a ótica da situação do mundo no momento e, da mesma forma, pelo Brasil, também é importante. Principalmente na análise da profissão a ser escolhida, já que algumas são superadas pela tecnologia, mudança de hábitos ou perspectivas econômicas.

Exemplo. As malas com rodinhas tiraram a profissão de carregadores de malas nos aeroportos. Será que daqui a dois anos serão necessários advogados para as causas repetitivas, como locação, família ou dano moral por deficiências nos serviços bancários? Ou será que elas estarão incluídas em programas de informática e as dúvidas ou até conciliações serão solucionadas em poucos dias, de graça ou mediante pagamento de pequeno valor. A OAB conseguirá opor-se ao tsunami digital que atingirá tudo e todos?

O tempo também é importante para a análise das mudanças na sociedade e percepção de que o que era natural ontem é inaceitável hoje. Houve tempo em que determinadas vantagens de um cargo público eram vistas com naturalidade. Quando assumi como juiz federal em 1980, cada magistrado tinha um carro oficial (Opala preto) e alguns o utilizavam em atividades particulares. Hoje isto é repudiado pela sociedade e quem não perceber isto arrisca-se a ser vaiado, injuriado em público e ter sua imagem transmitida em milhares de vídeos mundo afora.

O tempo também varia conforme a idade. O tempo dos “milênios”, geração que nasceu a partir do ano 2000, é instantâneo Querem soluções imediatas, não concebem ter que ir a um lugar para obter uma informação. Isto é bom, porque, a exigência obriga as coisas melhorarem. Porém, há que se respeitar o tempo dos outros. Um juiz consciencioso não dá em poucas horas uma sentença em caso complexo. O Estado também tem o seu tempo. Um sistema de Justiça não se transforma em uma semana, porque muitas vezes depende de licitações, concursos, nomeações e outras medidas que a lei impõe formas rigorosas.

Mas, se a pessoa deseja ser completa, tem que saber também dosar o tempo de suas atividades profissionais com o tempo da família, dos amigos, da cultura e do lazer. De nada valerá ser o Procurador Geral da República se, em casa, tiver um filho totalmente desajustado, que testa a sétima faculdade e passa as tardes trancado no quarto vendo filmes pornográficos.

Outro exemplo. Não é porque a jovem estudiosa passou no concurso e assumiu o cargo de juíza federal, passando a ter acesso a ambientes mais requintados ou de poder, que deverá esquecer-se da amiga do segundo grau, com quem dividiu a adolescência. Se ela não teve sucesso profissional ou familiar, procure-a e deem boas risadas dos momentos vividos. Mas, claro, sem dar detalhes de seu sucesso ou de sua última viagem para esquiar em Aspen.

Em suma, como diz o slogan de uma TV brasileira, “o tempo não para, não para não” e porque ele passa ligeiro, transformando-nos por dentro (mais experientes e cautelosos) e por fora (com intrometidas rugas a chegarem sem serem convidadas), o melhor a fazer é aproveitá-lo com inteligência, seja qual for o momento vivido.

[i] SÊNECA. Aprendendo a viver. Porto Alegre: L&PM, 2007, p. 15.

[ii] No Facebook encontra-se disponível em: https://www.reclameaqui.com.br/facebook/facebook-ads_13172625/. Acesso em 25/10/2018.

[iii] Revista eletrônica Consultor Jurídico, 17/1/2010, disponível em: https://www.conjur.com.br/2010-jan-17/advogado-perdeu-prazo-condenado-indenizar-cliente. Acesso em 26/10/2018.

Autores

  • é desembargador federal aposentado do TRF da 4ª Região, onde foi corregedor e presidente. Mestre e doutor em Direito pela UFPR, pós-doutor pela Faculdade de Saúde Pública da USP, é professor de Direito Ambiental no mestrado e doutorado da PUC-PR. Presidente da International Association for Courts Administration (IACA), com sede em Arlington (EUA). É vice-presidente do Ibrajus.

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