Opinião

O licenciamento ambiental no caminho da democracia deliberativa

Autor

  • Letícia Yumi Marques

    é co-head de Direito Ambiental no escritório KLA Advogados mestranda em Sustentabilidade pela EACH-USP especialista em Direito Ambiental pelo Mackenzie e pós-graduada em Direitos Animais pela ESA-RS.

29 de novembro de 2018, 6h25

Desde o último dia 9, mais uma norma passou a valer para o licenciamento ambiental no Brasil: a Instrução Normativa 1, de 31 de outubro de 2018, da Fundação Cultural Palmares, instituição federal que promove e preserva a cultura dos quilombos e afro-brasileiros. Por meio da norma, a Fundação Palmares disciplinou o procedimento a ser observado para garantia de participação de comunidades quilombolas nos processos de licenciamento de empreendimentos que causem ou possam causar impactos nessas comunidades.

As novidades trazidas (a nova norma substituiu uma anterior, de 2015) incluem prazo mínimo de trabalho junto às comunidades; repasse, ao empreendedor, dos custos relacionados à logística para reuniões e audiências públicas; comunicação e convite, para participar das reuniões, a entidades representativas dos quilombolas, às quais deverá ser reconhecido e garantido o direito de assessoramento técnico, dentre outras determinações. Todas as alterações promovidas pela Fundação Palmares direcionam o seu protocolo à garantia de participação social no licenciamento ambiental.

Para pesquisadores como Mark Smith, Robert Figueroa e Claudia Mills, dedicados à política ambiental, a participação cada vez mais ativa da sociedade nos processos de tomada de decisão é uma das premissas da cidadania ambiental para concretização da chamada justiça ambiental, que busca equilibrar o cenário frequente de associação entre exclusão social e impactos ambientais. Em termos jurídicos, o princípio da participação é, ao lado da prevenção, precaução e do poluidor-pagador, um dos que mais se destaca no Direito Ambiental e ganha mais protagonismo com a edição desta instrução normativa da Fundação Palmares.

Esses temas são cada vez mais frequentes. Portanto, cada vez menos o empreendedor poderá prescindir de absorvê-los, já que são justamente os seus empreendimentos que se situam no cerne do debate sobre desenvolvimento sustentável e o equilíbrio entre os fatores econômico, social e ambiental. Talvez, um dos pontos mais sensíveis para empreendedores seja a exposição do empreendimento a questões políticas, por vezes ligadas a temas sociais.

No entanto, o pesquisador Graham Smith destaca que, na democracia deliberativa, que se propõe ser um meio-termo entre o liberalismo clássico e a visão pouco flexível dos ativistas ambientais, a deliberação de ideias, pontos de vista e posicionamentos no curso do processo da tomada de decisão é mais importante que a decisão em si, já que, por meio do embate de ideias, há oportunidade para construção de novos valores.

O consenso, segundo o estudioso, é pouco provável, diante da multiplicidade de desejos dos atores envolvidos; porém, com bases empíricas, ele afirma que, em processos de decisão onde exista diálogo inclusivo, os atores tendem a aceitar com mais boa vontade uma decisão, ainda que contrária a seus interesses. Isso porque, desde que haja um diálogo efetivo, os atores contrariados se sentirão parte da decisão tomada, o que faz dela mais legítima — daí o termo democracia deliberativa.

A vigência dessa nova norma certamente trará mais custos e mais trabalho para o empreendedor no longo e burocrático processo de licenciamento ambiental e poderá ser sinônimo de dor de cabeça pelos mais diversos motivos financeiros e operacionais. Porém, ao observar as garantias de participação social estipulados pela norma, o empreendimento não terá apenas a sua licença ambiental, mas também uma licença social para ser implementada e operar com legitimidade perante a comunidade local. A necessidade dessa licença social já era uma realidade prática antes mesmo da norma ser editada. Aos olhos de investidores, a medida se traduz em compliance e na redução de riscos de questionamento jurídico do empreendimento durante a sua operação.

Autores

  • é consultora da área de Direito Ambiental do Peixoto & Cury Advogados, professora universitária e mestranda em Sustentabilidade na Universidade de São Paulo (USP).

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