Não autoincriminação

Supremo começa a julgar se motorista pode fugir de local do acidente

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14 de novembro de 2018, 11h58

O Plenário do Supremo Tribunal Federal começou a julgar, nesta quarta-feira (14/11), a constitucionalidade do artigo 305 do Código de Trânsito Brasileiro. O dispositivo tipifica o crime de fugir do local de acidente para evitar "responsabilidade penal ou civil que lhe possa ser atribuída".

Nelson Jr./SCO/STF
Fuga de local de acidente "é indefensável", afirma Fux
Nelson Jr./SCO/STF

Votaram nesta manhã o relator, ministro Luiz Fux, e os ministros Alexandre de Moraes, Luiz Edson Fachin, Luís Roberto Barroso e Rosa Weber. O julgamento será retomado à tarde, com a retomada de votos dos ministros Cármen Lucia, Celso de Mello, Dias Toffoli, Marco Aurélio e Ricardo Lewandowski.

O colegiado analisa acórdão de turmas recursais de juizado do Rio Grande do Sul que declarou a inconstitucionalidade do dispositivo e absolveu o réu, com base no princípio de que ninguém é obrigado a produzir prova contra si mesmo, descrito no artigo 386 do Código de Processo Penal.

Para o ministro Fux, relator, o artigo do CTB é constitucional, pois "é indefensável" a fuga do local do acidente. “O direito ao silêncio não significa o direito de recusa de participar do devido processo legal. Como uma sociedade justa e solidária pode admitir que alguém fuja do local do acidente para não se incriminar?", discursou.

No entendimento do ministro, o motorista tem responsabilidade solidária em caso de acidente. “Isso é óbvio que não viola o princípio constitucional de que ninguém é obrigado a se autoincriminar. O princípio da proporcionalidade propugna pela defesa dos direitos fundamentais sempre. E a responsabilização penal de quem foge do local do acidente no Código de Trânsito tem apoio constitucional", disse.

O entendimento foi seguido pelos ministros Alexandre de Moraes, Luiz Edson Fachin, Luís Roberto Barroso e Rosa Weber. “Seguindo o relator, acrescento que não acho que o Estado deve passar a mensagem que quem se envolve num acidente pode fugir do local, deixando para trás uma vítima. O núcleo do princípio da não autoincrimiação não é ofendido, porque ele tem de ficar no lugar, mas pode ficar calado”, disse Barroso.

Sem proferir o voto ainda, o ministro Gilmar Mendes opinou que a discussão sobre a fuga do local do acidente não pode ficar restrita à questão do trânsito. Ele teme que o resultado do julgamento desse caso resulte num esvaziamento do direito à não autoincriminação.

“Sei que estamos discutindo o Código de Trânsito", disse Gilmar, "mas certamente diante da própria capacidade criativa do legislador essa mesma fotografia poderá ser reproduzida em uma série de outras situações”. “Não se pode esvaziar totalmente o princípio da não autoincriminação. É só para refletir! Temos que analisar a consequência. Trata-se de controle de constitucionalidade de um item penal. O STF já disse, por exemplo, que não pode haver prisão por dívida."

Sustentações
O promotor Alexandre Saltz fez sustentação oral em nome do Ministério Público do Rio Grande do Sul e defendeu que o direito à não incriminação não autoriza a fuga do local do acidente. “A decisão recorrida reconhece um direito que não existe", disse.

Para Saltz, os direitos citados na CF impedem que o estado exija que o indivíduo preste declarações, dando uma contribuição ativa para definição de sua culpa, mas não são obstáculos à implementação de medidas que dizem respeito à correta identificação daquele que se envolveu em acidente de trânsito, mesmo que se trate de fato passível de enquadramento criminal.

O defensor público Pedro Paulo Carriello, que concorda com a inconstitucionalidade do trecho do CTB, defendeu a garantia de ficar calado. “A previsão constitucional é expressa. Diz o inciso LXIII do artigo 5º da CF. A Convenção Americana de Direitos Humanos e o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, da Organização das Nações Unidas seguem a mesma linha”, disse, na sustentação oral.

Gianpaolo Smanio, procurador-geral do Ministério Público de São Paulo, como amicus curiae, destacou o alto número de acidentes de trânsito com morte no país. “Há um impacto na cidadania e perda econômica. O CTB tem conseguido tem conseguido frear um pouco essa realidade. Ainda não é satisfatória, mas há uma redução de 7% de anos anteriores para cá”, disse.

Segundo Smanio, esta é uma norma que não fere os direitos constitucionais. “O que se pretende com o CTB é diminuir essa trágica situação do país que precisamos todos juntos enfrentar”, disse.

A procuradora-geral da República, Raquel Dodge, A procuradora-geral da República, Raquel Dodge, defende a constitucionalidade do dispositivo, afirma que o país vive uma "epidemia de acidentes de trânsito" e que 600 mil brasileiros ficam com sequela permanente todos os anos por acidente.

“Este dispositivo garante a adequada prestação de socorro. A tese da inconstitucionalidade estimula brigas no trânsito e não garante direitos. Os números continuam elevados, foram 37.345 mortes em acidentes de trânsito em 2016. A meta para 2020 é de 19  mil vítimas”, defendeu.

 RE 971.959

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