Opinião

Há no ordenamento jurídico e na Justiça criminal um dever absoluto de punir?

Autor

  • Thiago Turbay Freiria

    é mestre em raciocínio probatório pela Universitat de Girona (Espanha) e Università Degli Studi di Genova (Itália) mestrando em Direito pela Universidade de Brasília (UnB) pós-graduado pela Universitat de Girona (UdG) e diplomado em Direito Probatório pela Universidad Alberto Hurtado (Chile).

22 de março de 2018, 10h40

Voltou-se o centralismo da agenda política ao Supremo Tribunal Federal, o que se demonstra no episódio do julgamento de mérito das ações declaratórias de constitucionalidade 43 e 44, que tratam da antecipação do cumprimento de pena após sentença condenatória confirmada no segundo grau de jurisdição.

Sem pretender esgotar ou até adentrar as questões referentes à eficácia da presunção de inocência e a hermenêutica por conveniência da corte, propomos outra leitura, em linhas iniciais: há no ordenamento jurídico e na Justiça criminal um dever absoluto de punir?

Explico: entrevista concedida pela presidente do Supremo, ministra Cármen Lúcia, na segunda-feira (19/3) ao Jornal das 10, revelou uma sanha punitivista que atenta, frontalmente, a dogmática penal. O argumento central é a fuga da impunidade, o que justificaria a prisão antes do trânsito em julgado e de se ter formado, definitivamente, o título executório que se deve cumprir.

Presta-se o Direito Penal, ao que Juarez Cirino[1] chama de “objetivos declarados do discurso jurídico oficial”, à tutela de bens jurídicos, valores relevantes para a vida comunitária e esteios do Estado Democrático de Direito. Todavia, a proteção se faz mediante atividade fragmentária e subsidiária.

Aqui, deve-se compreender que o caráter subsidiário pressupõe alternativas mais eficientes à priori, ocupando o Judiciário a posição de ultima ratio. O combate à criminalidade e à impunidade, todavia, não se traduz em objetivo do Direito Penal.

Caso contrário, substituir-se-ia os órgãos de persecução pelos julgadores, confundindo-se suas funções institucionais. Notadamente, não há entre os valores democráticos um dever de punir absoluto. Sob essa perspectiva, Luis Greco[2] defende a inexistência de fundamentação de um dever absoluto de castigo, sendo esse igualmente carente de uma razão jurídica válida. Também, que não há um pressuposto incondicionado que demande e automatize a aplicação de um dever absoluto de punir.

Greco alerta que não se poderá sustentar a proteção contra a violação de direitos humanos caso se adote uma obrigação absoluta de punir.

Conceitualmente, um dever absoluto deveria superar todas as condicionantes contrárias. Nesse caso, deveria superar o conflito normativo entre o combate à impunidade e a segurança jurídica, por exemplo, ou, quiçá, a presunção de inocência, o que colocaria, certamente, a punição em desvantagem.

O matiz constitucional do Estado Democrático de Direito é a liberdade. É o ponto de partida, o que justifica o magnetismo normativo que deve restabelecer a presunção de inocência até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória.

A tutela penal predispõe um sistema preventivo, não uma repressão quando já houve a violação de bem jurídico penalmente tutelado. Greco alerta que, no momento em que se vai castigar, já houve uma violação, o que desnatura sua motivação protetiva. Repisando, não se trata de uma proteção!

Também, afasta a hipótese de que argumentos assessórios fomentam um direito absoluto de castigo. O mais popular, o combate à impunidade, segundo o doutrinador, advém de um mero argumento, de natureza retórica:

“A falta de punição não é um problema per se, em uma concepção liberal que entende que a liberdade é o ponto de partida e que fundamenta outros deveres, a ideia da impunidade só tem um sentido, que é afirmar que há um dever de castigar que não foi cumprido. A impunidade não é um fundamento para o dever de castigar, ele pressupõe esse dever e o cumprimento desse dever[3]”.

Sem embargos, nenhuma teoria da pena poderá chegar a um dever incondicionado e absoluto de castigar. Mesmo que haja um impulso social, é preciso findar expectativas punitivistas.

Rubens Casara[4] alerta sobre a manipulação oriunda do espetáculo acusatório ao demonstrar o risco institucional caso o sistema de Justiça criminal seja usado como um “aparelho” sintonizado em um programa autoritário, o que acaba por gerar instabilidade social, que põe em risco as instituições e permite o crescimento de poderes desvirtuados.


[1] CIRINO DOS SANTOS, Juarez. Direito Penal: parte geral / Juarez Cirino dos Santos. – 7. ed. rev. atual. ampl. – Florianópolis, SC : Empório do Direito, 2017, pág. 5.
[2] Em palestra proferida no Simpósio Internacional: “Justicia transicional y Derecho penal internacional Dimensiones filosóficas y jurídica”, realizado nos dias 8, 10 e 11 de março de 2017, na Universidad de Antioquia (Médelin-Colômbia). Fonte: https://www.youtube.com/watch?v=0TDfLvD0zYw#action=share
[3] Idem 2.
[4] CASARA, Rubens R. R. Processo Penal do Espetáculo: Ensaios sobre o poder penal, a dogmática e o autoritarismo na sociedade brasileira. 1º Ed. Florianópolis: Empório do Direito Editora, 2015.

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