Opinião

Não adianta criminalizar pornografia de vingança sem punir os criminosos

Autor

  • Edner de Toledo Alves Bastos

    é advogado sênior da banca De Vivo Whitaker e Castro Advogados (DVWCA) e especialista em Direito Empresarial e em Direito Penal e Processo Penal. Atua na área penal empresarial com foco em violação de propriedade industrial e fraudes.

21 de março de 2018, 6h48

Recentemente, foi aprovado o Projeto de Lei 018/2017, que trata da chamada “vingança pornográfica”, conduta que envolve a exposição, à revelia da pessoa retratada, de cenas de intimidade que, em geral, se relacionam a nudez ou sexo. Ou, ainda, tratam da divulgação de cenas de atos violentos envolvendo crime sexual.

Essa prática lamentável ocorre quando o agressor, valendo-se das relações de intimidade, divulga nos meios de comunicação, em especial nas mídias sociais, cenas privadas de nudez, violência ou sexo para causar constrangimento, humilhar, chantagear ou provocar o isolamento social da vítima.

O citado projeto acolheu a criação de um novo tipo penal, que trata dos crimes contra a honra, considerando-o espécie qualificada do crime de injúria. Desse modo, a proposição tipifica a conduta de “exposição pública da intimidade sexual”, descrita como “ofender a dignidade ou decoro de outrem, divulgando, por meio de imagem, vídeo ou qualquer outro meio, material que contenha cena de nudez ou de ato sexual de caráter privado”. A pena proposta é de reclusão de três meses a um ano, mais multa. Prevê também que a pena será aumentada de um terço à metade se o crime for cometido por motivo torpe e (ou) contra pessoa com deficiência.

O projeto aprovado também altera a Lei Maria da Penha, incluindo a comunicação no rol de direitos assegurados à mulher estabelecido no artigo 3º da referida lei; e, alterando o artigo 7º para também definir como violência doméstica e familiar a violação da intimidade da mulher, entendida como a divulgação, por meio da internet ou outro meio de propagação de informações, de dados pessoais, vídeos, áudios, montagens e fotocomposições da mulher, obtidos no âmbito das relações domésticas, de coabitação ou hospitalidade, sem seu expresso consentimento.

Os bens jurídicos atingidos em primeiro lugar pela conduta que se pretende criminalizar são a privacidade e a intimidade, valores estes que, quando violados, atingem diretamente a dignidade da vítima. Importa lembrar, ainda, que a dignidade sexual é espécie da dignidade da pessoa humana e, portanto, exige que cada indivíduo seja tratado com respeito, e não como um ser desprovido de moral, sentimentos e autoestima.

Levando-se em conta as atuais mídias sociais, a vítima terá que percorrer um longo, demorado e tortuoso caminho até conseguir retirar o registro de circulação, o que nem sempre é possível. Dessa forma, partindo da premissa de que a pena deve atender às finalidades de reprovar o mal cometido pelo crime e prevenir futuras infrações, o projeto de lei propôs que a pena para o crime de divulgação de cena de nudez ou de ato sexual de caráter privado seja de seis meses a dois anos de reclusão e multa.

Por fim, o projeto acrescentou uma nova causa de aumento de pena para as situações em que o crime for cometido contra pessoa que, no momento do registro da cena de nudez ou do ato sexual, não podia oferecer resistência ou não tinha o necessário discernimento. Por questões óbvias, essa situação de vulnerabilidade deve receber tratamento mais rigoroso. Segundo, dada à gravidade do crime e para que o custo de se ajuizar a ação penal privada não funcione como um entrave à persecução penal, foi previsto que a nova infração penal se proceda mediante ação penal pública condicionada à representação.

Na atual legislação pátria, a “vingança pornográfica” normalmente entra nos crimes contra a honra como difamação e injúria, mas pode ser enquadrado na Lei Maria da Penha quando existe o vínculo entre o agressor e a vítima, na Lei Carolina Dickman, quando o autor invadiu algum dispositivo informático, e nos crime de ameaça, normalmente quando o agressor tem fotos e vídeos íntimos e diz que vai publicá-los.

Temos ainda o Estatuto da Criança e do Adolescente, que proíbe a divulgação de imagens e vídeos de menores de idade, bem como o Marco Civil da Internet, que não prevê punição a quem divulga um conteúdo ilegal, mas supostamente regula as obrigações dos provedores.

O aprimoramento da legislação é sempre importante, mas o foco deveria ser na eficácia do resultado, ou seja, na criação de mecanismos efetivos para a identificação dos responsáveis, e não somente na criação de novos tipos penais e aumento de pena.

Todas as novidades acima citadas parecem ter o condão de inibir os eventuais agressores e puni-los, todavia, aparentemente o projeto de lei é omisso quanto às ações práticas necessárias para a identificação do agressor, o que, ao final, pode tornar a nova legislação ineficaz.

Por exemplo, o Marco Civil da Internet diz que as empresas devem retirar o conteúdo do ar imediatamente se a vítima pedir. Além disso, as obriga a armazenar registros de conexão de usuários por seis meses ou um ano, o que pode ser usado para identificar o agressor. No entanto, o prazo é considerado curto para a vagarosa Justiça brasileira, já que a maioria dos processos leva muito mais tempo do que isso. Sem mencionar a imensa dificuldade em realizar quaisquer demandas aos sites e provedores, que normalmente só atendem às solicitações judiciais e sem o compromisso e a urgência requeridos nas situações como a da vingança pornográfica.

Nesse sentido, não somente a legislação tem que ser alterada, mas a política criminal em si, que deveria focar no treinamento e capacitação das polícias, juízes e promotores, direcionar recursos para investimentos em pessoal capacitado, tecnologia e parcerias efetivas com os provedores e principais redes sociais, para que a identificação do eventual usuário agressor e a retirada do conteúdo ilegal fossem mais fáceis e rápidas, afinal, do que adiantam novos tipos penais e aumento de punição se os autores não forem identificados, o crime interrompido e o conteúdo ilegal não for retirado da internet?

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  • é advogado sênior da banca De Vivo, Whitaker e Castro Advogados (DVWCA) e especialista em Direito Empresarial e em Direito Penal e Processo Penal. Atua na área penal empresarial com foco em violação de propriedade industrial e fraudes.

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