Opinião

Mais uma vítima do lawfare (e a tentativa de criminalizar a advocacia)

Autor

  • Cristiano Avila Maronna

    é advogado mestre e doutor em direito penal pela USP diretor da Plataforma Justa membro da Rede Reforma e do coletivo Repensando a Guerra às Drogas autor de "Lei de Drogas interpretada na perspectiva da liberdade" (Ed. Contracorrente 2022).

19 de março de 2018, 6h45

O professor e advogado Rafael Valim foi mais uma vítima daquilo que ele próprio vem denunciando veementemente em suas palestras e publicações: o aprofundamento do Estado de exceção no Brasil, que tem como principal agente o Poder Judiciário.
 
Valim teve seu telefone celular interceptado e sofreu busca e apreensão em seu escritório profissional, em São Paulo, no âmbito da operação que investiga a Fecomércio do Rio de Janeiro.
 
Advogado do então presidente da entidade, Orlando Diniz, Valim teve suas garantias profissionais flagrantemente desrespeitadas, a partir de uma concepção equivocada que busca criminalizar a advocacia e o direito de defesa.
 
Todo advogado possui prerrogativas legais, entre as quais a inviolabilidade de seu local e instrumentos de trabalho, de sua correspondência escrita, eletrônica, telefônica e telemática, desde que relativas ao exercício da advocacia, nos termos do que dispõe o artigo 7º, inciso II, da Lei 8.906/94.
 
O objetivo do legislador ao consagrar tais prerrogativas não foi a de facilitar a impunidade, mas, sim, a de assegurar o livre e pleno exercício da profissão.
 
Causa estupefação o fato de que nada de ilegal atribuível ao professor tenha sido apontado pelo Ministério Público Federal para a tomada dessas iniciativas invasivas, abusivas e autoritárias. Os motivos apontados pelo MPF para o monitoramento telefônico e para a busca são inidôneos e não retratam qualquer ilicitude praticada pelo advogado.
 
A saber, em conversas telefônicas, o cliente de Valim manifesta insegurança em relação ao uso do telefone, que poderia estar grampeado, o que, parece óbvio, por si só não traz nenhum indício de crime cometido por ele nem pelo advogado.
 
Em relação a Rafael Valim, a investigação revela que não houve nada que ultrapassasse o limite do exercício regular da advocacia. Não há indícios de autoria e materialidade delitivas a ele atribuíveis, a menos que a suposta insegurança de seu cliente tipifique delito.
 
Isso só reforça a percepção de que Valim está sofrendo intimidação pela sua relevante atuação política contra as perseguições e arbitrariedades praticadas pelo Judiciário, especialmente a partir de 2014, com o início da operação "lava jato" e a escalada autoritária que se seguiu.
 
Valim, além de renomado advogado na área do Direito Público e professor universitário em uma das mais prestigiosas faculdades de Direito do Brasil, a PUC-SP, tem destacado currículo acadêmico, é palestrante e professor visitante em diversas universidades ao redor do mundo e um dos fundadores do Lawfare Institute, que tem por objetivo justamente denunciar o uso do sistema de Justiça como arma de guerra para perseguir inimigos.
 
As medidas constritivas e sem justa causa decretadas contra ele, embora pessoalmente o atinjam com toda a violência real e simbólica que caracteriza o processo penal do espetáculo, ultrapassam o indivíduo e se configuram como um claro atentado à advocacia, como evidente tentativa de criminalizar a atividade advocatícia por parte das agências estatais encarregadas da repressão ao crime.
 
Valim vive na pele as consequências do esvaziamento das garantias previstas na Constituição e nas leis, as quais ele próprio vinha denunciando, inclusive em âmbito internacional; esvaziamento esse que coloca, cada dia mais, o Estado de Direito sob risco.
 
O limite do poder punitivo é um dos pilares centrais do regime democrático. A tentativa de criminalizar a advocacia e o direito de defesa deve ser rechaçada com vigor, sob pena de destruição completa das liberdades públicas.

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