Opinião

Revolução tecnológica: a inteligência artificial como sujeito passivo tributário

Autor

  • Filipe Reis Caldas

    é advogado especialista em tributação pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários (Ibet) pós-graduado em Direito Público pela Facesf e membro da Comissão de Assuntos Tributários da OAB-PE.

19 de maio de 2018, 10h39

Todas as revoluções industriais foram marcadas por profundas mudanças no modo de vida da sociedade, atingindo os seus diversos campos: econômico, social, político e jurídico, não se limitando apenas à dinâmica vivida nas empresas e o setor trabalhista.

Recapitulando-se a 1ª Revolução Industrial que marcou o século XVIII, um período conturbado, houve a passagem do modo de produção artesanal para o maquinário industrial, tendo como principal representante o setor de tecidos de algodão na Inglaterra, que iniciava o processo de substituição de considerável parcela de seus operários por máquinas de tear, diminuindo custo de produção e aumentando o desemprego.

Buscar os limites da automação do trabalho com a consequente redução da substituição dos trabalhadores ganhou destaque nas discussões posteriores.

No atual período, se vive o início da 4ª Revolução Industrial, com o avanço da inteligência artificial ganhando cada vez mais destaque e importância global, cogitando-se que diversos postos de trabalhos serão substituídos por assistentes virtuais, inclusive os cognitivos.

Questionado sobre o tema recentemente, Bill Gates emitiu opinião para Quartz[1] no sentido de que “robôs deveriam pagar impostos”. Segundo seu entender, as empresas deveriam arcar com novas incidências como forma de nivelar as substituições e o ganho com a desnecessidade de custear os encargos previdenciários do funcionário; o dinheiro arrecadado poderia ser aplicado em outros setores sociais carentes, como a saúde.

Interpretando-se o discurso de Bill Gates, percebe-se que o imposto não incidiria diretamente nos “robôs” como sujeitos passivos da incidência tributária, mas, sim, nas empresas, com um intuito extrafiscal de reduzir/limitar a substituição dos empregados pela automação do setor[2].

Para certos países que ainda enfrentam problemas ligados à ausência de saneamento básico, escassez de água tratada, fome e alfabetização da população, a discussão parece muita futurista, porém o problema já é real para algumas nações.

Segundo reportagens[3], a União Europeia já vem analisando uma proposta de cobrar impostos de empresas para indenizar os funcionários que perderam o emprego por causa da automação na indústria, mas a proposta não prosperou. No entender do Legislativo europeu, cobrar tributos sobre a automação criaria barreiras para inovação.

Nesse sentido:

Na Espanha, por exemplo, o secretário geral do sindicato da UGT, Pepe Álvarez, chamou a atenção para o assunto ao reivindicar publicamente que os robôs contribuam também para a previdência social como se fossem um trabalhador a mais.

A discussão está tão avançada, diga-se de passagem, empolgante do ponto de vista jurídico, que já se vem discutindo de forma embrionária um possível “estatuto da pessoa eletrônica” para as inteligências artificiais mais sofisticadas e autômatas, com direitos e obrigações específicas, personalidade jurídica eletrônica, inclusive reparação de eventuais danos que possam causar.

A problemática ganha “vida” no plano prático quando se analisa a questão dos novos carros autômatos do Google e da Uber, ou seja, um serviço de transporte sem motorista “físico”, sendo o veículo guiado por um avançado software que calcula a melhor rota, trânsito, acelera, freia, “percebe” possibilidade de sinistros e toma medidas preventivas de precaução; ou quando se está diante de um chat on-line/atendimento on-line operado por uma assistente virtual, inteligência virtual, programada para sanar as principais dúvidas dos consumidores.

Nos casos de insucesso da resolução do problema, o software redireciona a conversa para o canal com o operador humano assumir e gera um relatório de erros para análise dos programadores para posterior aprendizado e sucesso nas demandas futuras[4].

Segundo a legislação da Espanha, não seria possível a cobrança de um tributo tendo como sujeito passivo um “robô”, já que a legislação espanhola se refere exclusivamente a pessoas físicas; também não poderiam está incluídos no sistema de seguridade social porque ainda não existe conceito de “pessoa eletrônica”[5].

Nesse sentido, segue um trecho da discussão do tema na UE:

Mas quais características definem uma pessoa eletrônica? De acordo com o que se depreende da proposta apresentada na União Europeia, são aquelas com capacidade de adquirir autonomia mediante sensores e/ou mediante o intercâmbio de dados com seu entorno (interconectividade), bem como a capacidade de analisar esses dados; capacidade de aprender através da experiência e da interação; que tenha a forma de suporte físico de robô; capacidade de adaptar seu comportamento e ação ao seu entorno. “O relatório estabelece ainda que a personalidade jurídica dos robôs (pelo menos os mais complexos) implica que eles podem ser considerados pessoas eletrônicas com direitos e obrigações específicos, inclusive o de ter de reparar os danos que possam vir a causar”, explica Javier López.

Tendo por base a legislação brasileira, seria possível a cobrança de tributos por operações realizadas por softwares, inteligências artificiais ou robôs em sentido estrito?

Primeiramente, é importante analisar o que o CTN entende por sujeito passivo em seu artigo 121:

Art. 121. Sujeito passivo da obrigação principal é a pessoa obrigada ao pagamento de tributo ou penalidade pecuniária.

Parágrafo único. O sujeito passivo da obrigação principal diz-se:

I – contribuinte, quando tenha relação pessoal e direta com a situação que constitua o respectivo fato gerador;

II – responsável, quando, sem revestir a condição de contribuinte, sua obrigação decorra de disposição expressa de lei.

Antes de interpretar os possíveis significados do vocábulo “pessoa”, necessário se atentar para o disposto no artigo 110 do próprio CTN, no sentido de não ser possível que a lei tributária altere conceitos e formas do direito privado que foram utilizados expressos ou implicitamente pela Constituição Federal.

Pelo Código Civil, o conceito de pessoa se divide em duas espécies: i) física/natural — que adquire personalidade com o nascimento com vida; ii) jurídica — que adquire personalidade com a inscrição do ato constitutivo no respectivo registro.

A espécie pessoa jurídica se subdivide em duas subespécies: i) pública (interna — União, estados, DF, municípios, autarquias, associações públicas; externa — República Federativa do Brasil e demais organismos internacionais); ii) privada — associações, sociedades, fundações, organizações religiosas, partidos políticos, empresas individuais de responsabilidade limitada.

Com o utensílio do buscador de palavras do navegador da internet, a Constituição Federal apresenta a menção do vocábulo “pessoa” exatamente 103 vezes ao longo de seu texto, iniciando-se pelo artigo 1º, III, elencando como fundamento da República Federativa do Brasil a “dignidade da pessoa humana”.

Sem maiores extenuações do tema, percebe-se que a Constituição Federal utilizou o termo nos exatos conceitos elencados pelo Código Civil, o que impossibilita que a legislação tributária altere a definição dos respectivos efeitos para fins tributários nos termos do artigo 109 do CTN.

Dessa forma, parece impossível a exigibilidade de tributos pela imposição da sujeição passiva tributária direta em softwares, inteligências artificiais ou robôs sem que isso ofenda a constitucionalidade/legalidade do ordenamento jurídico pátrio vigente.

Na ótica extrafiscal, parecem conflitar duas correntes: i) os adeptos da incidência da tributação sobre tecnologia como forma de reduzir a automação do trabalho, atenuando o desemprego; ii) os opostos da incidência no processo de automação como forma de estagnar o avanço da tecnologia.

Apesar da discussão ser brilhante, não é o escopo deste artigo a análise da corrente dominante ou qual deve prevalecer, uma vez que ambas abordam argumentos concisos e possuem inúmeras reversões práticas colaterais.

Da forma como vem caminhando a humanidade e os avanços da nova onda evolucional tecnológica, seus possíveis efeitos devem ser regulados e previstos pela legislação para melhoria e adequação da sociedade ao novo modus operandi que vem se automatizando, com a possível regulação do “estatuto da pessoa eletrônica”, adquirindo assim os softwares avançados e as inteligências artificiais status de pessoa, com personalidade jurídica, com direitos, obrigações e responsabilidades, inclusive tributária.

Isso apenas demonstra o quanto o Direito é dinâmico, vivo, necessitando se adaptar aos novos avanços e realidades da sociedade. No entender do autor deste artigo, o avanço das IAs só tenderá a facilitar o trabalho, retirando as tarefas repetidas e maçantes, deixando o jurista, fator humano, se preocupar com o que efetivamente precisa, a análise e estudo das novas relações inter-humanas que se formarão.

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