Embargos Culturais

Macbeth e o livre-arbítrio: por que não devemos ouvir as profecias das bruxas

Autor

  • Arnaldo Sampaio de Moraes Godoy

    é livre-docente pela USP doutor e mestre pela PUC- SP advogado consultor e parecerista em Brasília. Foi consultor-geral da União e procurador-geral adjunto da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional.

6 de maio de 2018, 8h00

Spacca
Arnaldo Godoy [Spacca]Macbeth é tragédia de William Shakespeare que data provavelmente de 1606. É uma peça maldita, lembrada por muitas superstições, e recorrentemente adaptada para o cinema. No teatro, algumas representações de Macbeth foram marcadas por acidentes e apreensões. Há notícias de assassinatos ocorridos em palcos, cenários que despencaram, incêndios mal explicados. Macbeth é um problema real no contexto das tragédias de Shakespeare, especialmente para aqueles que as representaram no palco.

Os temas centrais desta tragédia são a ambição, a luta entre o bem e o mal, a degeneração do caráter, a punição do pecado. Macbeth nos mostra o preço devastador que se paga quando a ambição pelo poder é seguida com obsessão. A tragédia também trata da certeza da punição, percepção que se encontra na estrutura moral do teatro elisabetano. É a estória de um ousado usurpador que cometeu uma série de assassinatos com vistas a tomar o poder. Trata-se de um “serial killer” do era renascentista.

Essa perturbadora peça sugere muitas reflexões. Suscita inclusive uma abordagem psicanalítica. Sigmund Freud valeu-se da trama de Macbeth para tentar explicar o que denominava de ruína do êxito. Trata-se de patologia relativamente comum. Acomete àqueles que se angustiam e se deprimem justamente no momento em que conquistam o que tanto sonharam e pelo que muito lutaram. É o que ocorreu com a esposa de Macbeth assim que soube que seu marido assassinou o rei, e que se tornou rei.

Macbeth, é também, e talvez principalmente, um estudo sobre a natureza do mal. O personagem central, Macbeth, é corajoso e interesseiro, tem consciência das consequências de seus crimes; não passa de um usurpador sanguinário. Inicialmente era leal ao rei, seu primo; porém, transforma-se. Sua esposa parece ser má e inescrupulosa. Exerce grande poder sobre o marido. Ela não consegue prever as consequências de seus atos e ao longo da peça vai tomando consciência de suas atitudes. Enlouqueceu e se suicidou. Duncan é o idoso rei da Escócia. Bom, feliz, entusiasmado com Macbeth, jamais suspeitou da traição que o esperava.

A cupidez de Macbeth foi despertada e aumentou na medida em que percebia que uma profecia feita pelas bruxas, de que seria rei, poderia ser realizada. Hesitando, porém sucumbindo à tentação, Macbeth permite-nos reflexão sobre as ambiguidades do bem e do mal e sobre uma questão que nos atormenta: vivemos de acordo com nossas escolhas ou somos dirigidos pelo destino? A peça se encerra com o triunfo do bem sobre o mal, do titular da coroa sobre o usurpador, do honesto sobre o ambicioso. E nos revela um assassino cruel, um homicida compulsivo. Culpado? Porém, ele escolheu seus caminhos?

A tipologia que marca Macbeth é comum nas constatações criminológicas. Basicamente, tem-se um indivíduo cuja propensão para delinquir é latente. A chance acelera o processo, ainda que num primeiro momento o futuro delinquente resista. Vale para todos os tipos de crimes. O indivíduo hesita, pretende mudar de ideia, porém se deixa convencer. Mas não se aceita. Arrepende-se. Deixa-se tomar pelo remorso. Assusta-se. Tem alucinações. Porém, como condição de sobrevivência, deve agir novamente. E o faz. O instinto de Eros sublima a tendência de Tânatos, a paixão pela vida suplanta a curiosidade para com a morte, nos termos de uma formulação aparentemente freudiana.

E a cada novo erro, com o qual procura encobrir um erro anterior, o criminoso se perpétua como tal. Perde a razão. Torna-se refém de um passado do qual não se livra. Seu fim é a vingança alheia, a quem tanto sofrimento causou. É este o roteiro existencial de Macbeth. Metaforicamente vencido por Nêmesis, a deusa da vingança, Macbeth jamais conheceu a face de Têmis, a personificação da justiça, da qual era a deusa, e que jamais conheceu.

E porque Macbeth agiu influenciado pela profecia das bruxas, resta saber se o livre arbítrio poderia ser razão suficiente para enfrentarmos as facilidades vãs com as quais as bruxas nos acenam, ainda que saibamos que a vida é luta, e não profecia. Ou se Macbeth resta imune a todo o mal que fez, justamente porque as bruxas ouviu…

Autores

  • é livre-docente em Teoria Geral do Estado pela USP e doutor e mestre em Filosofia do Direito e do Estado pela PUC-SP. Tem MBA pela FGV-ESAF e pós-doutorados pela Universidade de Boston (Direito Comparado), pela UnB (Teoria Literária) e pela PUC-RS (Direito Constitucional). Professor e pesquisador visitante na Universidade da Califórnia (Berkeley) e no Instituto Max-Planck de História do Direito Europeu (Frankfurt).

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