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Direito Financeiro tem responsabilidade nos avanços da proteção ao trabalhador

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1 de maio de 2018, 8h00

Spacca
O 1º de maio é data mundialmente consagrada para comemorar o Dia do Trabalho[1].. Sua origem remonta à grande manifestação de trabalhadores seguida de greve geral ocorrida em Chicago em 1886, pela qual reivindicavam redução da jornada de trabalho para 8 horas diárias, e resultou em violência e mortes. Desde então vários movimentos sociais utilizaram a data de 1º de maio para lutar pelos direitos dos trabalhadores. No Brasil, o Decreto 4.859, de 1924, assinado pelo presidente Arthur Bernardes, declarou feriado nacional o dia 1º de maio, consagrando-o à “confraternidade universal das classes operarias e á commemoração dos martyres do trabalho”.

O trabalho é um dos direitos sociais assegurados pelo artigo 6º da Constituição, que também garante direitos diretamente a ele relacionados, como a previdência social.

O artigo 6º é pródigo em medidas de proteção e garantia do direito ao trabalho, e no Brasil há instrumentos próprios para dar maior ênfase à proteção desses direitos, como é o caso de manter um ramo do Poder Judiciário a ele especificamente destinado.

Os direitos têm custos, “não nascem em árvores”[2], sendo desnecessário estender-se em argumentações mais densas para chegar a essa conclusão, e nossa Constituição atribuiu responsabilidade ao Estado de provê-los.

Embora seja competência privativa da União legislar sobre trabalho (artigo 22, I), todos os entes federados devem colaborar para promover as medidas voltadas a tornar o direito ao trabalho efetivo e respeitado.

Nossa ordem econômica tem como um de seus fundamentos a valorização do trabalho (artigo 170, caput), o mesmo ocorrendo com a ordem social (artigo 193).

Vê-se, pois, haver por parte de nosso ordenamento jurídico uma especial atenção e valorização do direito ao trabalho, o que traz como consequência uma obrigação do nosso Estado em atuar ativamente para não só proteger, mas fomentar e garantir seu pleno exercício.

E isso importa em ações efetivas nessa direção, que não podem se resumir a produzir legislação protetiva do trabalho.

A organização da administração pública brasileira reflete essa orientação. Na administração pública federal há um Ministério do Trabalho, responsável por muitos programas governamentais[3]. Muitos Estados da Federação também constituem órgãos específicos para tratar do tema. No Estado de São Paulo, por exemplo, como ocorre também em outros entes da federação, pode-se encontrar a Secretaria do Emprego e Relações do Trabalho[4], que gerenciam vários programas do setor, como o “Sistema público e emprego e renda” (programa 2302, com dotação orçamentária de 68 milhões de reais) e “Relações do trabalho e empreendedorismo” (programa 2308, com dotação orçamentária de 12 milhões de reais).

E os custos dessa necessária proteção do direito ao trabalho não são pequenos. O Ministério do Trabalho tem dotação no orçamento de 2018[5] de R$ 90.528.747.064,00. Isso representa apenas uma parcela do que o governo gasta nessa área, sendo sempre bom lembrar a multissetorialidade que lhe é inerente, abrangendo outros setores da administração pública, como educação, saúde, meio ambiente, sem contar a previdência social – esta última representando uma das maiores “fatias” do orçamento federal[6]. Ou mesmo a Justiça do Trabalho, a maior da administração pública federal, só perdendo em dimensão para a Justiça dos Estados, se somados todos os tribunais estaduais do país.

E mais: Estados e Municípios também despendem significativas quantias para assegurar o pleno exercício do direito ao trabalho, o que demonstra a importância e a atenção, também sob o ponto de vista financeiro, que o trabalho representa na atuação da administração pública.

O gasto público voltado a promover e proteger o direito ao trabalho é mais um dos muitos temas pouco estudados e abordados, razão pela qual esse Dia do Trabalho mostra-se um momento oportuno para trazer algumas informações sobre o assunto.

No âmbito orçamentário, o principal programa é o de número 2071, “Promoção do Trabalho Decente e Economia Solidária”, cujos recursos previstos para este ao de 2018 alcançam o montante de 63 bilhões de reais (R$ 62.947.148.277,00), com várias ações que o integram, como o seguro-desemprego, o abono salarial, gestão do FAT (Fundo de Amparo ao Trabalhador), qualificação social e profissional de trabalhadores, fomento e fortalecimento da economia solidária, sistema de informações sobre a inspeção do trabalho – SFIT, entre outras.

Outros instrumentos no âmbito do Direito Financeiro de natureza orçamentária merecem especial destaque quando se trata de assegurar, proteger e incentivar o pleno exercício do direito ao trabalho.

O principal deles é o Fundo de Amparo ao Trabalhador – FAT. Fundo especial de natureza contábil-financeira, constitui-se em unidade orçamentária vinculada ao Ministério do Trabalho, e tem com principal fonte de recursos o PIS (Programa de Integração Social) e o PASEP (Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público), sendo responsável por financiar o seguro-desemprego, o abono salarial, e programas de educação profissional e tecnológica e de desenvolvimento econômico[7].

Há programas importantes sob o comando de outros órgãos, evidenciando não ser o Ministério do Trabalho o único responsável pelas ações voltadas a proteção do direito ao trabalho, que tem natureza multissetorial, como já destacado. É o caso do Bolsa-Família, que, embora não tenha relação direta com benefícios ligados ao trabalhador, seu caráter assistencial tem importantes reflexos na proteção aos trabalhadores, sendo de responsabilidade do Ministério do Desenvolvimento Social.

Um instrumento financeiro relevante em matéria de proteção ao trabalhador é o FGTS – Fundo de Garantia do Tempo e Serviço, criado pela Lei 5.107, de 1966, e atualmente regulado pela Lei 8.036, de 1990, por meio do qual se criou um sistema de contas vinculadas em nome dos trabalhadores, geridas por um Conselho Curador específico e operadas pela Caixa Econômica Federal.

Mas a pluralidade de órgãos e programas que envolvem o que se pode chamar de “rede de proteção ao trabalho” pode ser considerada bem mais ampla do que isso, bem como o montante de recursos envolvidos. Estudo da Escola de Economia de São Paulo, da Fundação Getúlio Vargas (EESP-FV) estima em 200 bilhões de reais, divididos entre governo e empresas, equivalendo a 4% do PIB, distribuídos em 16 programas. Um sistema que, segundo o estudo realizado, foi elaborado de forma pouco coordenada e planejada ao longo de 50 anos, resultando em desarticulação entre os programas e benefícios, havendo muitas vezes sobreposição, como pode ser observado entre o seguro-desemprego e o FGTS, e entre o abono-salarial e o bolsa-família. Evidencia a necessidade de um melhor aproveitamento dos recursos, de modo a se criar um sistema mais integrado e eficiente de proteção ao trabalhador[8].

É bom aproveitar a data de hoje para refletir sobre esses relevantes aspectos financeiros que envolvem a responsabilidade do poder público na proteção aos trabalhadores e na garantia do pleno exercício do direito ao trabalho.

Vê-se que há ainda muito que fazer, e o Direito Financeiro tem uma grande responsabilidade nesse campo.

[1] Ou, como talvez fosse mais correto, Dia do Trabalhador, para se enfatizar mais o sujeito do que o objeto da relação.

[2] Como expressam com muita propriedade as obras The cost of rights, de Stephen Holmes e Cass Sustein, e Introdução à teoria dos custos dos direitos: direitos não nascem em árvores, de Flávio Galdino.

[3] <http://trabalho.gov.br/>

[4] <http://www.saopaulo.sp.gov.br/spnoticias/orgaos-governamentais/secretaria-do-emprego-e-relacoes-do-trabalho/>. A Secretaria de Emprego e Relações do Trabalho do Estado de São Paulo tem dotação prevista no orçamento de 2018 de R$ 121 milhões (Lei estadual 1.646, de 2018).

[5] Lei federal 13.587, de 2018.

[6] E que não trataremos nessa coluna, dada a amplitude do tema, mas já falamos sobre o assunto há um ano, em 2 de maio de 2017, com o título É preciso ter cautela e transparência para debater a reforma da previdência.

[7] Lei 7.998, de 1990, artigo 10.

[8] Estudo “Rede de proteção ao trabalhador no Brasil: avaliação ex-ante e proposta de redesenho”, promovida pela EESP-FGV e liderada pelo Prof. Ricardo Paes de Barros, do Insper (Rede de proteção ao trabalho custa 200 bi e é ineficiente, diz estudo, in Valor Econômico, 4.4.2018).

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