Opinião

Afetação ao rito repetitivo da tese sobre exclusão do ICMS da CPRB é inoportuna

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13 de junho de 2018, 6h55

A 1ª Seção do Superior Tribunal de Justiça afetou, no dia 17 de maio, três recursos especiais (REsp 1.638.772/SC, 1.624.297/RS e 1.629.001/SC) que discutem a tese da exclusão do ICMS da base de cálculo da Contribuição Previdenciária Patronal sobre a Receita Bruta (CPRB) ao rito repetitivo (parágrafo 5º do artigo 1.036 do CPC/2015), determinando “a suspensão do processamento de todos os processos pendentes, individuais ou coletivos, que versem sobre a questão e tramitem no território nacional, nos termos do art. 1.037, II, do CPC/2015”.

Em seu voto, a relatora, ministra Regina Helena Costa, fundamentou a afetação da referida tese ao rito repetitivo com base nas seguintes razões: (i) divergência jurisprudencial existente entre a 1ª (favorável ao contribuinte) e 2ª Turma do STJ (contrária ao contribuinte) — vide “REsp 1.568.493/RS, de minha relatoria, 1ª T., DJe 23.03.2018; REsp 1.694.357/CE, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, DJe 1º.12.2017; REsp 1.655.207/RS, Rel. Min. Herman Benjamin, 2ª T., DJe 02.05.2017; REsp 1.679.565/RS, Rel. Min. Og Fernandes, 2ª T., DJe 13.12.2017; AgInt no REsp 1.620.606/RS, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, 2ª T., DJe 15.12.2016” —; e (ii) multiplicidade de recursos debatendo o tema na 2ª instância no âmbito federal (total estimado de 135 processos) e no próprio STJ (total estimado em 58 processos).

A matéria de fundo é o conceito legal de receita bruta — que é base de cálculo da CPRB (prevista no artigo 8º da Lei 12.546/11), do PIS e da Cofins (nestes dois casos, com base, no final das contas, no artigo 12 do DL 1.598/77) —, se é possível incluir a parcela de ICMS destacado por produto em sua composição.

É bem verdade que essa matéria de fundo possui dupla vertente: constitucional (vide alínea “b” do inciso I do artigo 195 da CF/88) e infraconstitucional federal (vide já citado artigo 8º da Lei 12.546/11), questionável, à primeira vista, respectivamente, vide recurso especial ao STJ e recurso extraordinário ao STF.

A tese “exclusão do ICMS da base de cálculo da CPRB” possui íntima ligação com o Tema 69 da repercussão geral do STF (afetada no RE 574.706/PR), onde se debateu a possibilidade ou não de “inclusão do ICMS na base de cálculo da COFINS e da contribuição ao PIS”. É porque, nos dois casos, por se tratarem de três contribuições sociais, está se questionando o conceito constitucional de receita bruta, previsto na alínea “b” do inciso I do artigo 195 da CF/88.

Por essa razão, os recursos extraordinários, que tratam da matéria “exclusão do ICMS da base de cálculo da CPRB”, encontraram-se aguardando o desfecho do mencionado Tema 69 da repercussão geral pelo STF, ocasião em que lhe aplicou, por extensão, o sobrestamento previsto no parágrafo 5º do artigo 1.036 do CPC de 2015 (parágrafo 1º do antigo artigo 543-B do CPC/1973). É o que se observa da decisão proferida pelo ministro Dias Toffoli, no RE 943.804/RS, publicada em 3/2/2016, adiante transcrita:

“Observo que esta Corte, ao examinar o RE nº 574.706/PR, concluiu pela existência da repercussão geral de matéria constitucional que poderá influenciar no deslinde do presente feito. O assunto corresponde ao tema 69 da Gestão por Temas da Repercussão Geral do portal do STF na internet e trata da ‘inclusão do ICMS na base de cálculo da COFINS e da contribuição ao PIS’.
Como o resultado do julgamento do RE nº 574.706/PR poderá refletir no deslinde do caso concreto, determino o sobrestamento do feito até o julgamento do referido recurso extraordinário.
Devem os autos permanecer na Secretaria Judiciária.
Publique-se.
Brasília, 1º de fevereiro de 2016” (grifo nosso).

Ocorre que, em 15 de março de 2017, o STF julgou o Tema 69 da repercussão geral, favorável aos contribuintes, determinando a exclusão da parcela de ICMS da base de cálculo do PIS e da Cofins, fixando a seguinte tese: “ICMS não compõe a base de cálculo para incidência do PIS e da COFINS”. Esse julgamento, por consequência, é claro, afetou a tese da “exclusão do ICMS da base de cálculo da CPRB”, ante a similitude da matéria, neste artigo já comentada.

Após essa decisão do STF, o próprio ministro Dias Toffoli, nos autos do mencionado RE 943.804/RS, determinou o retorno dos autos para a segunda instância para adequação do julgamento à tese firmada no Tema 69 da repercussão geral do STF, nos seguintes termos:

“Trata-se de recurso extraordinário interposto contra acórdão que julgou constitucional a inclusão do ICMS na base de cálculo da contribuição previdenciária sobre a receita bruta (CPRB).
Reexaminado os autos, verifico que o Plenário desta Corte, ao examinar o RE nº 574.706/PR, concluiu pela existência da repercussão geral da matéria constitucional versada nestes autos. O assunto corresponde ao tema 69 da Gestão por Temas da Repercussão Geral do portal do STF na internet e trata da discussão ‘à luz do art. 195, I, b, da Constituição Federal, se o ICMS integra, ou não, a base de cálculo da contribuição para o Programa de Integração Social – PIS e da Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social – COFINS’.
Assim, afasto o sobrestamento anteriormente determinado, e, nos termos do art. 328 do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, determino a devolução dos autos ao Tribunal de origem para aplicação da sistemática da repercussão geral.
Publique-se” (grifo nosso).

Diversos outros ministros se posicionaram monocraticamente no mesmo sentido. Transcreve-se, a seguir, a decisão proferida pelo ministro Ricardo Lewandoski, no RE 1.034.004/SC, em 8 de fevereiro:

“Trata-se de recurso extraordinário interposto contra acórdão assim ementado: ‘TRIBUTÁRIO. CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA SUBSTITUTIVA. LEI 12.546/2011. RECEITA BRUTA. ICMS. PARECER NORMATIVO SRFB Nº 3/2012. O Parecer Normativo SRFB nº 3/2012 elucidou o conceito de receita bruta para fins de apuração da contribuição previdenciária prevista nos arts. 7º a 9º da Lei nº 12.546/2011, em substituição à contribuição devida sobre a folha de salários, bem como explicou as hipóteses de exclusão da base de cálculo da aludida contribuição, nos moldes estabelecidos na legislação de regência. O montante do ICMS integra a receita bruta utilizada como base de cálculo da contribuição substitutiva instituída nos arts. 7º a 9º da Lei nº 12.546/2011’
(pág. 187 do documento eletrônico 2).
Bem examinados os autos, verifico que a questão trazida no presente processo guarda similitude com o Tema 69 da repercussão geral (RE 574.706-RG). Ressalte-se, por oportuno, que esse entendimento foi aplicado nas seguintes decisões, entre outras: RE 1.015.286/RS, Rel. Min. Marco Aurélio; ARE 1.038.329/SP, RE 1.066.784/SP e RE 901.783-ED/SC, Rel. Min. Roberto Barroso; RE 1.017.483/SC e RE 1.021.180/SC, Rel. Min. Edson Fachin; RE 922.623/RS e RE 1.066.786/SP, Rel. Min. Alexandre de Moraes; RE 967.623/RS, Rel. Min. Luiz Fux; RE 997.121/SC e RE 1.089.608/SC, Rel. Min. Celso de Mello; RE 943.804/RS, Rel. Min. Dias Toffoli.
Isso posto, determino a devolução destes autos à origem a fim de que seja observado o disposto no art. 1.036 do Código de Processo Civil. Publique-se. Brasília, 18 de dezembro de 2017. Ministro Ricardo Lewandowski Relator”
(RE 1034004, Relator(a): Min. RICARDO LEWANDOWSKI, julgado em 18/12/2017, publicado em PROCESSO ELETRÔNICO DJe-024 DIVULG 08/02/2018 PUBLIC 09/02/2018) (grifo nosso).

Conforme bem narrado no julgamento acima transcrito, quase que a totalidade dos ministros do STF vem se posicionando no sentido da extensão da ratio decidendi firmada no RE 574.706/PR à tese da “exclusão do ICMS da base de cálculo da CPRB”. Destacam-se, nominalmente, os ministros e o número dos recursos extraordinário das suas decisões circunstanciadas: 

(1) ministra Rosa Weber (RE 1.004.609/PR); 

(2) ministro Ricardo Lewandowski (RE 1.103.041/SP, RE 1.044.194/SC, RE 1.034.004/SC e RE 1.070.936/RS); 

(3) ministro Marco Aurélio (RE 1.015.286/RS); 

(4) ministro Edson Fachin (RE 1.017.483/SC, RE 1.021.180/SC e 1.088.880/RN); 

(5) ministro Roberto Barroso (RE 1.066.784/SP, RE 901.783/SC, RE 1.017.317/SC e RE 1.076.156/SC); 

(6) ministro Alexandre de Moraes (RE 1.066.786/SP, RE 922.623/RS; RE 1.102.633/RS), 

(7) ministro Celso de Mello (RE 1.089.608/SC e RE 997.121/SC); 

(8) ministro Dias Toffoli (RE 943.804/RS e RE 1.105.567); e 

(9) ministro Luiz Fux (RE 967.623/RS). 

A infraconstitucionalidade dessa tese, ao que parece, foi completamente esvaziada pela roupagem constitucional que lhe foi concedida no RE 574.706/PR, opinião que foi chancelada, como visto, por ao menos nove ministros do STF em decisões, pasmem, circunstanciadas (e não meros despachos infundados) e reiteradas.

Dessa forma, embora bem fundamentada, a decisão de afetação proferida nos REsp 1.638.772/SC, 1.624.297/RS e 1.629.001/SC pela 1ª Seção do STJ, permissa venia, nos parece inoportuna, na contramão das decisões monocráticas circunstanciada proferidas por quase a totalidade dos ministros do STF.

Com o devido respeito, pensamos que não devem os ministros do STJ — que são contrários à tese em debate (ressalvo que não é o caso da relatora dos mencionados REsp) — esperar novo julgamento do STF, em repercussão geral, sobre o tema em questão para só assim virem a modificar seus posicionamentos pessoais e, consequentemente, a aplicar a causa de pedir remota firmada no Tema 69 julgado pelo STF.

Se o STJ conferir à tese da “exclusão do ICMS da base de cálculo da CPRB” interpretação diversa da adotada pelo STF no Tema 69 da repercussão geral (“exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS e da COFINS”), se estará assumindo que a Constituição Federal de 1988 (no debate, a alínea “b” do inciso I do artigo 195 da CF/88) pode ser interpretada conforme a legislação infraconstitucional federal (no debate, o artigo 8º da Lei 12.546/11). E pior, é aceitar que um mesmo dispositivo constitucional (alínea “b” do inciso I do artigo 195 da CF/88) preveja, infundadamente, dois conceitos de receita bruta distintos, um para a Cofins (sem ICMS) e outro para a CPRB (com ICMS). O cenário atual é de insegurança jurídica.

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