Diário de Classe

Diálogo entre Direito e Literatura: uma interdisciplinariedade promissora

Autores

  • Guilherme Augusto De Vargas Soares

    é advogado mestrando em Direito Público – Hermenêutica Constituição e Concretização de Direitos – pelo programa de pós-graduação da Unisinos membro da Comissão de Estudos Constitucionais da OAB-RS membro da Associação Brasileira de Direito Processual (ABDPro) e membro do DASEIN (Núcleo de Estudos Hermenêuticos) coordenado pelo professor Lenio Luiz Streck.

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  • Thiago Fontanive

    é graduando do curso de Direito da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos) e membro do Dasein – Núcleo de Estudos Hermenêuticos.

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21 de julho de 2018, 8h05

Primeiramente, uma exposição sobre o que nós entendemos como diálogo. Juntamente com Gadamer, podemos afirmar que diálogo não é conversa. Diálogo é uma troca que transforma seus participantes. O diálogo deixa uma marca. Ele possibilita encontrar no outro aquilo que ainda não havíamos encontrado em nossa experiência de mundo[1].

Em seguida, faremos uma breve exposição sobre as contemporâneas relações entre Direito e Literatura. Segundo André Karam Trindade e Luísa Giuliani Bernsts, John Wigmore e Benajmin Cardozo são considerados os founding fathers do Direito e Literatura[2]. As origens do Law as Literature remetem a 1925, a partir de um texto de Benjamin Cardozo, juiz da Suprema Corte norte-americana que, em suma, pretende trazer a forma da Literatura para o Direito, isto é, a possibilidade de textos jurídicos serem interpretados e lidos como textos literários. Este movimento, no campo do Direito e Literatura, fundado por Benjamin Cardozo, foi acompanhado por Ronald Dworkin, com a sua ideia do “romance em cadeia”, uma narrativa construída por mais de um romancista (jurista) que, mesmo assim, deve ser coerente e buscar o melhor desfecho (resposta) possível.

John Henry Wigmore, jurista norte-americano, é precursor do movimento Law in Literature, que tem origem a partir da publicação de sua A List of Legal Novels, em 1908. Esse movimento, em suma, destina-se à análise de textos literários que tematizam matérias jurídicas.

Por fim, surge, em 1970, o Law and Literature Movement, ou Law and Literature Scholarship, ou, ainda, Law and Literature Enterprise, movimento que estuda o Direito pela Literatura, examinando, assim, a qualidade literária do Direito. Esse debate promovido pelo Law and Literature Movement contou com a participação de pensadores como James Boyd White, Richard Weisberg Robert Cover, David Ray Papke, Robert Weisberg, Richard Posner, Richard Delgado, Jerome Bruner, Sanford Levinson, Robin West, Martha Nussbaum, Stanley Fish, Owen Fiss, Ian Ward, Paul Heald, Paul Gewirtz e Peter Brooks, entre outros[3].

Tanto Direito como Literatura são ficções, o primeiro uma ficção necessária, um “como se”, a segunda uma ficção reflexiva que problematiza a realidade. Tendo em vista que o Direito tem a pretensão de aprisionamento do presente, projetando um futuro embasado em determinado momento histórico fotografado, a Literatura vem propor um repensar, a partir do seu caráter plurissignificativo (polissemia), da sua linguagem conotativa, ela “transporta” a realidade, ampliando a visão de mundo do sujeito, conduzindo-o a caminhos nunca antes percorridos.

A Literatura proporciona um diálogo do eu consigo mesmo, a partir das experiências do leitor e da narrativa do escritor. Isto é, o encontro do mundo narrado com o mundo vivido, possibilitando um desvelamento do Ser. Um aprendizado com a experiência do outro, uma fusão de horizontes, que amplia a visão do sujeito sobre a realidade. Portanto, o texto literário possui esse duplo sentido, qual seja: um externo, de ampliação da realidade, e outro interno, de compreensão de si mesmo. Assim também afirma Paul Ricoeur[4], quando diz que o homem é um ser que existe, interpretando a si e ao mundo.

A invasão do Direito pela Literatura, isto é, essa interdisciplinariedade, “[…] consiste em criar um objeto novo que não pertença a ninguém”[5]. O texto é um grande exemplo disso, pois nem ao autor ele pertence, porque, após escrito, o criador não possui mais domínio sobre a criatura, não há argumento de autoridade/fonte autorizada na disputa pela melhor interpretação. Dessa forma, entendendo a conduta humana como um texto, a hermenêutica faz uma mediação de sentidos, decifrando a linguagem conotativa ou aquilo que está por detrás do explícito, desvelando o Ser, que é uma compreensão sempre buscada.

Desvendar o passado, projetar um futuro e problematizar o presente, essas são as missões precípuas da Literatura, que refigura a vida através da narrativa.

Por fim, imperioso citar o desenvolvimento do programa Direito & Literatura, produzido pela TV Unisinos, em parceria com o Programa de Pós-Graduação em Direito da Unisinos e da Rede Brasileira de Direito e Literatura, sob a direção do professor André Karam Trindade, apresentado pelo professor Lenio Streck e veiculado semanalmente pela TV Justiça. Esse programa já existe há 10 anos e é um espaço interdisciplinar de debates em que são convidados expoentes de diversas áreas do conhecimento, como Letras, Filosofia, Psicanálise e Direito, para discutir temas polêmicos a partir de obras literárias. Com o objetivo de difundir e afirmar as relações existentes entre Direito e Literatura, o programa vem propondo um novo modo de pensar o Direito e a sociedade.


[1] GADAMER, Hans-Georg. Verdade e método II: complementos e índice. Tradução de Ênio Paulo Giachini; revisão da tradução de Marcia Sá Cavalcante-Schuback. Petrópolis, RJ: Vozes, 2002, pp. 242 e ss.
[2] TRINDADE, André Karam; BERNSTS, Luísa Giuliani. O estudo do direito e literatura no Brasil: surgimento, evolução e expansão. ANAMORPHOSIS – Revista Internacional de Direito e Literatura, v. 3, n. 1, p. 226.
[3] TRINDADE, André Karam; BERNSTS, Luísa Giuliani. O estudo do direito e literatura no Brasil: surgimento, evolução e expansão. ANAMORPHOSIS – Revista Internacional de Direito e Literatura, v. 3, n. 1, p. 227.
[4] CESAR, Constança Marcondes. Ricoeur. In: PECORARO, Rossano (org.). Os filósofos: clássicos da filosofia. 2. ed. Petrópolis, RJ: Ed. PUC-Rio/Vozes, 2008, v. III, pp. 219 e ss.
[5] MARQUES, Reinaldo. Literatura comparada e estudos culturais: diálogos interdisciplinares. In: CARVALHAL, Tania Franco (coord.). Culturas, contextos e discursos: limiares críticos do comparatismo. Porto Alegre: Ed. Universidade/UFRGS, 1999, p. 63, apud SILVA, Maria Luiza Berwanger da. Espaços de dom e de troca: literatura e direito. In: MARTINS-COSTA, Judith (coord.). Narração e normatividade: ensaios de direito e literatura. Rio de Janeiro: GZ Ed., 2013, p. 29.

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