Politização da Justiça

Outros países escolhem melhor sua Suprema Corte, afirma jornal dos EUA

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12 de julho de 2018, 11h35

Quando o primeiro-ministro do Canadá, Justin Trudeau, iniciou o processo de escolha de um novo ministro para a Suprema Corte do país, no ano passado, ele pediu aos interessados que mandassem seus currículos. Surgiram 14 candidatos. Eles preencheram questionários, e suas qualificações foram avaliadas por um conselho consultivo independente.

Em novembro, Trudeau indicou a juíza Sheilah Martin para o cargo, uma escolha que agradou até a oposição ao seu governo. No Congresso do Canadá, ouviu-se declarações como “ela é uma jurista extraordinária”, “uma juíza muito respeitada”, “a pessoa com o temperamento judicial certo” — todos elogios colhidos de parlamentares da oposição.

Esse é um relato do jornal The Washington Post, que vê no Canadá e em outros países exemplos de bons sistemas de escolha de ministros para suas mais altas cortes — ao contrário do sistema dos EUA, que, para o jornal, é muito ruim. Nos EUA, a escolha de ministros para a Suprema Corte é sempre uma briga de foice entre republicanos-conservadores e democratas-liberais.

Em 2016, por exemplo, o então presidente Obama indicou o juiz Merrick Garland para ocupar o cargo deixado vago por Antonin Scalia, que morreu em fevereiro daquele ano. Os senadores republicanos, com maioria simples na Casa, se recusaram a sabatinar Garland e a votar.

Em 2017, o presidente Trump indicou Neil Gorsuch, um conservador. Os democratas deram o troco na mesma moeda. Como seria necessário o apoio de dois terços dos senadores, a aprovação do nome era impossível. Os republicanos recorreram então à “opção nuclear” — ou seja, mudaram a regra da Casa, para a aprovação se concretizar com maioria simples apenas.

Na segunda-feira passada (2/7), Trump indicou o juiz Brett Kavanaugh para substituir o ministro Anthony Kennedy, que anunciou sua aposentadoria (a pedido de Trump). Sai um juiz conservador que, às vezes, votava com os liberais, entra um juiz que votará sempre com os conservadores (porque ele estará entre os mais conservadores da corte).

Desde sua campanha eleitoral, Trump vem anunciando as “qualidades”, para ele e seu partido, de um bom ministro da Suprema Corte: ajudar a reverter decisões para criminalizar o aborto, acabar com o Obamacare (o seguro-saúde dos pobres), deslegalizar o casamento entre pessoas do mesmo sexo e, enfim, votar de acordo com a ideologia conservadora-republicana. Kavanaugh tem todas essas “qualidades”.

Dessa forma, as decisões de casos com peso político serão totalmente previsíveis: os conservadores vencerão por 5 a 4. Ao contrário, os canadenses se orgulham do fato de que todas as decisões de sua Suprema Corte são imprevisíveis. Não importa qual foi o partido no poder que nomeou cada um dos ministros, as decisões serão jurídicas, sem influência da política.

E, na maioria das vezes, os ministros da Suprema Corte do Canadá chegam a um acordo entre eles e tomam decisões por unanimidade, mesmo quando o caso tenha gerado controversas.

Bons exemplos no mundo
O Washington Post destaca o fato de que em muitos países — incluindo Canadá, Brasil, Austrália, África do Sul e Grã-Bretanha — os ministros da mais alta corte se aposentam em uma certa idade, normalmente 70 ou 75 anos. Isso torna previsível o revezamento de ministros e impede que um certo partido, como é o caso dos EUA, domine a corte por décadas seguidas.

[Nos EUA, pesquisas indicaram que a maioria dos eleitores é a favor de um mandato de 18 anos para ministros da Suprema Corte. Assim, haveria um revezamento de ministros a cada dois anos. E isso daria oportunidade a presidentes dos dois partidos de nomear ministros regularmente.]

Entre os bons exemplos de sistema de escolha de ministros para a alta corte se destaca o de Israel. A indicação de ministros para a Suprema Corte daquele país envolve um alto grau de consenso, diz o jornal. Os candidatos são selecionados por nove membros de um comitê: três juízes da ativa, dois ministros de estado, dois membros do parlamento e dois representantes da ordem dos advogados do país. Pelo menos sete dos noves membros precisam entrar em acordo para um candidato ser indicado.

Em vários países, a comunidade jurídica se envolve, de uma forma ou outra, na seleção de candidatos a um cargo na mais alta corte. Na Índia e no Japão, organizações de juízes e associações de profissionais do Direito têm voz ativa no processo de seleção de candidatos.

Nos EUA, o presidente Trump ouviu apenas as instituições conservadoras Heritage Foundation e Federalist Society para definir suas escolhas — e garantir o conservadorismo no poder. O peso político da Suprema Corte é tão grande que, segundo pesquisas pós-eleitorais, muitos eleitores que não gostariam de ver Donald Trump na Casa Branca votaram nele só por causa das nomeações para a Suprema Corte.

Em diversos países da Europa, o sistema de seleção de juízes é organizado de tal maneira que o processo é isolado de interferências políticas indevidas. Na Alemanha, por exemplo, um comitê parlamentar, formado por membros de todos os partidos, propõe nomes de candidatos ao governo. A confirmação da indicação, subsequente, requer uma maioria de dois terços do parlamento, o que assegura à oposição o poder de vetar candidatos inaceitáveis por uma parcela significativa dos eleitores — e tende a valorizar juízes moderados politicamente.

O cientista político Emmett Macfarlane, da Universidade de Waterloo, no Canadá, disse ao jornal Washington Post que os países não podem deixar de observar o processo de nomeação de ministros para a Suprema Corte dos EUA, porque há muito o que aprender sobre o que não se deve fazer.

O sistema dos EUA chegou a ser debatido por algum tempo no Canadá. Mas foi rejeitado porque os canadenses não quiseram politizar sua Suprema Corte.

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