Opinião

Uma análise sobre a participação nos lucros segundo a jurisprudência dos tribunais

Autor

  • é advogado no Ibaneis Advocacia e Consultoria mestrando em Direito das Relações Sociais pelo Centro Universitário do Distrito Federal e especialista em Direito Previdenciário.

    Ver todos os posts

11 de julho de 2018, 6h13

Previsto atualmente no artigo 6º, inciso XI, da Constituição Federal de 1988 como um direito dos trabalhadores, a participação nos lucros constitui um importantíssimo mecanismo tanto de política de remuneração e recursos humanos das empresas quanto de aumento dos ganhos dos trabalhadores, através da sua participação nos lucros, resultados ou metas vinculadas ao seu desempenho e ao da empresa.

No presente artigo será feita uma análise do instituto de acordo com a evolução da jurisprudência dos tribunais pátrios.

Controvérsia 1
A primeira controvérsia que surgiu após o advento da Constituição Federal de 1988 foi se o artigo 7º, inciso XI, da Constituição Federal seria autoaplicável ou seria uma norma constitucional de eficácia limitada?

A controvérsia em questão foi dirimida pelo Supremo Tribunal Federal nos autos do RE 569.441, que entendeu que a eficácia do preceito veiculado pelo art. 7º, XI, da CF — inclusive no que se refere à natureza jurídica dos valores pagos a trabalhadores sob a forma de participação nos lucros para fins tributários — depende de regulamentação[1].

Controvérsia 2
Em decorrência da eficácia limitada da norma, inclusive para fins tributários, surgiu, então, a segunda controvérsia acerca do instituto: deve incidir contribuição previdenciária sobre a verba antes de sua regulamentação?

A resposta a essa indagação parte, necessariamente, de uma análise do artigo 28, parágrafo 9º, alínea “j”, da Lei 8.212/1990, in verbis:

Art. 28. Entende-se por salário-de-contribuição:
(…)
§ 9º Não integram o salário-de-contribuição para os fins desta Lei, exclusivamente:
(…)
j) a participação nos lucros ou resultados da empresa, quando paga ou creditada de acordo com lei específica.

Conforme já citado no presente artigo, a regulamentação do instituto ocorreu por intermédio da MP 194/1994 (reeditada 13 vezes) até o advento da Lei 10.101/2000 (conversão da Medida Provisória 1.982-77/2000).

Aqueles que defendem a incidência da contribuição previdenciária sobre a participação nos lucros mesmo antes de sua regulamentação o fazem, primeiramente, com fundamento no artigo 195, inciso I, alínea “a”, da Constituição Federal de 1988.

A Constituição Federal estabelece de forma expressa que a contribuição previdenciária deveria incidir sobre a folha de salários e demais rendimentos do trabalho pagos ou creditados, a qualquer título, o que, por sua vez, atrairia a incidência da contribuição previdenciária sobre a participação nos lucros antes de sua regulamentação.

Os que adotam essa linha de raciocínio trazem, ainda, em favor do seu argumento o teor do artigo 201, parágrafo 11, da Constituição Federal de 1988, que estabelece que os ganhos habituais do empregado, a qualquer título, serão incorporados ao salário para efeito de contribuição previdenciária, incluindo-se, portanto, a participação nos lucros.

O terceiro e último argumento dos que defendem a incidência da contribuição previdenciária sobre a participação nos lucros mesmo antes da sua regulamentação é com fundamento no artigo 111, inciso II, do Código Tributário Nacional, que estabelece a necessidade de interpretar a legislação tributária, no que diz respeito à outorga de isenção, de forma literal.

Ou seja, se o artigo 28, parágrafo 9º, alínea “j”, da Lei 8.212/1990 estabelece que a exclusão da participação nos lucros da base de cálculo do salário de contribuição depende de regulamentação, não poderia essa isenção ser concedida sem que tenha sido editada norma regulamentando o instituto.

Em contrapartida, os que defendem a não incidência da contribuição previdenciária o fazem, primeiramente, em decorrência da natureza da verba, ou seja: verba de natureza não salarial conforme expressamente estabeleceu a Constituição Federal de 1988.

Nesse sentido ensinam Leandro Paulsen e Alessandro Mendes Cardoso:

“Isso porque, tendo em vista os objetivos que informam esse instituto, de integração do capital e do trabalho, permitindo que o empregado participe do resultado da atividade econômica, a PLR, independentemente da sua regulamentação, faz parte daquelas parcelas que vem sendo classificadas como não salariais, entendidas como sendo aquelas que embora entregues pelo empregador a seu empregado, não o são com a qualidade e objetivo contra prestativos, sendo transferidas efetivamente com distintas naturezas e finalidade jurídicas[2]”.

O segundo argumento apresentado para defender a não incidência da contribuição previdenciária sobre a verba antes de sua regulamentação está calcado no princípio da máxima eficácia da Constituição Federal, artigo 5º, parágrafo 1º, da Constituição Federal de 1988: As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata.

Ou seja, em se tratando de uma norma que estabelece um direito/garantia fundamental do trabalhador, a desvinculação da remuneração da participação nos lucros, com a consequente isenção da contribuição previdenciária, deveria se dar de imediato por simples aplicação do dispositivo constitucional que trata da matéria.

O terceiro argumento possui cunho social, pois sustenta que defender a incidência da contribuição previdenciária seria o mesmo que penalizar as empresas que, demonstrando sensibilidade social, se anteciparam e começaram a pagar a verba antes mesmo de sua regulamentação. Nesse sentido entendeu o ministro Ricardo Lewandowski nos autos do RE 398.284:

Peço vênia a Sua Excelência Ministro Menezes Direito para divergir e divirjo pelo seguinte motivo: todos sabemos, e a doutrina hoje é uníssona neste sentido, que toda norma constitucional, seja qual for a sua natureza, tem sempre o mínimo de eficácia.

No caso, o artigo 7º, XI, da Constituição Federal estabelece, com todas as letras, que a participação nos lucros não integra a remuneração nos termos da lei. Então, eu penso que não poderia uma norma posterior, ou seja, a Medida Provisória 794/94, depois convertida em lei ter alterado esta dicção, ou seja, ter modificado este núcleo semântico essencial deste comando constitucional.

A empresa recorrida, no caso, antecipou-se à lei, demonstrou elevada sensibilidade social, concedeu a participação nos lucros aos seus empregados, e eu entendo que não pode ser agora punida com uma cobrança retroativa da contribuição social, ou seja, desde a edição da Constituição Federal até a edição desta Medida Provisória 794/94”.

O Supremo Tribunal Federal pôs fim à controvérsia ao julgar o RE 569.441, entendendo que deve incidir contribuição previdenciária sobre a participação nos lucros antes de sua regulamentação, uma vez que o fato gerador em causa se concretizou antes da edição da norma. Nesses termos:

2. Na medida em que a disciplina do direito à participação nos lucros somente se operou com a edição da Medida Provisória 794/94 e que o fato gerador em causa concretizou-se antes da vigência desse ato normativo, deve incidir, sobre os valores em questão, a respectiva contribuição previdenciária.

Com a devida vênia ao entendimento firmado pela suprema corte, bem como aos que defendem esse raciocínio, nos parece que ele vai contra a natureza da verba e a essência da Constituição Federal que cuidou expressamente de desvincular a verba da remuneração do trabalhador, o que, por sua vez, deve afastar a incidência da contribuição previdenciária.

Regulamento infraconstitucional — Lei 10.101/00 — Requisitos formais
Conforme mencionado anteriormente, a participação nos lucros no âmbito infraconstitucional foi regulamentada pela Lei 10.101/00, a qual buscou privilegiar a livre negociação entre as partes (empregadores e empregados) acerca do procedimento adotado.

O artigo 2º, incisos I a III da Lei 10.101/00 estabelece que a negociação deverá ocorrer por intermédio de comissão escolhida pelas partes, a ser integrada também por um representante do sindicato da categoria, ou por convecção ou acordo coletivo.

Por sua vez, o parágrafo 2º do artigo 2º da Lei 10.101/00 estabelece que o instrumento que formaliza o acordo deverá ser arquivado na sede da entidade sindical dos trabalhadores.

De acordo com o artigo 4º da Lei 10.101/00, existindo eventual impasse no tocante aos termos da negociação da PLR, as partes poderão se valer de mediação ou arbitragem para solucioná-lo.

Controvérsia 3
Dentre os requisitos formais da PLR, surge a seguinte controvérsia: a ausência de participação do sindicato da categoria descaracteriza a natureza da participação nos lucros de modo a possibilitar a incidência da contribuição previdenciária?

O entendimento consolidado, atualmente, no âmbito dos tribunais pátrios é no sentido de que não, devendo ser privilegiada a livre negociação entre as partes, de modo que a participação do sindicato poderá ser relativizada caso ele se omita, ou, ainda, em caso de recusa injustificada por parte da entidade sindical.

A recusa injustificada pode ser caracterizada, por exemplo, nas hipóteses em que o sindicato exige que o acordo da PLR esteja atrelado a outros elementos de sua pauta de reivindicações para categoria.

Nesse sentido, citamos o seguinte entendimento do Superior Tribunal de Justiça:

4. A intervenção do sindicato na negociação tem por finalidade tutelar os interesses dos empregados, tais como definição do modo de participação nos resultados; fixação de resultados atingíveis e que não causem riscos à saúde ou à segurança para serem alcançados; determinação de índices gerais e individuais de participação, entre outros.
5. O registro do acordo no sindicato é modo de comprovação dos termos da participação, possibilitando a exigência do cumprimento na participação dos lucros na forma acordada.
6. A ausência de homologação de acordo no sindicato, por si só, não descaracteriza a participação nos lucros da empresa a ensejar a incidência da contribuição previdenciária
.
(…)
(REsp 865.489/RS, Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA TURMA, julgado em 26/10/2010, DJe 24/11/2010)

Regulamento infraconstitucional — Lei 10.101/00 — Requisitos materiais
No tocante aos requisitos materiais, a Lei 10.101/00 também deu liberdade para que as partes pudessem definir o plano que melhor se adeque à sua realidade, desde que mantida a compatibilidade com a natureza e os objetivos da PLR (integração capital e trabalho, não sendo forma de substituição da remuneração).

A Lei 10.101/00 não prevê de forma peremptória e exaustiva quais os parâmetros válidos de instituição de um programa de PLR, se limitando a exigir regras claras e objetivas quanto aos direitos substantivos de participação, vide o artigo 2º, parágrafo 1º.

A indicação dos índices de produtividade, qualidade ou lucratividade ou programas e metas, resultados e prazos como parâmetros válidos para fixação do direito é meramente exemplificativa, a própria norma indica que outros parâmetros podem ser adotados.

No âmbito jurisprudencial, entende-se que o pagamento da PLR deve observar o procedimento instituído pela Lei 10.101/00 bem como seu ajuste ser dotado de regras claras e objetivas, sob pena de desnaturar-se o instituto e possibilitar a incidência da contribuição previdenciária.

Esse é o entendimento que vem sendo adotado no âmbito do Carf:

CARF: 4ª Câmara /2ªTurma Ordinária da Segunda Seção de Julgamento – Nº Acórdão 2402-00506
(…)
II – A discussão em tomo da tributação da PLR não cinge-se em infirmar se esta seria ou não vinculada a remuneração, até porque o texto constitucional expressamente diz que não, mas sim em verificar se as verbas pagas correspondem efetivamente a distribuição de lucros;
III – Para a alínea "j" do § 9° do art. 28 da Lei n° 8.212/91, e para este Conselho, PLR é somente aquela distribuição de lucros que seja executada nos termos da legislação que a regulamentou, de forma que apenas a afronta aos critérios ali estabelecidos, desqualifica o pagamento, tomando-o mera verba paga em decorrência de um contrato de trabalho, representando remuneração para fins previdenciários;
IV – Os instrumentos de negociação devem adotar regras claras e objetivas, de forma a afastar quaisquer dúvidas ou incertezas, que possam vir a frustrar o direito do trabalhador quanto a sua participação na distribuição dos lucros
.

No mesmo sentido, no âmbito judicial, é o entendimento do Superior Tribunal de Justiça:

5. Para que a verba paga pela empresa possa caracterizar-se como participação nos lucros e, consequentemente, tornar-se isenta da contribuição previdenciária, exige-se a observância de um dos procedimentos descritos no art. 2º da Lei 10.101/2000, vale dizer, comissão escolhida pelas partes ou acordo coletivo, devendo constar dos documentos decorrentes da negociação "regras claras e objetivas quanto à fixação dos direitos substantivos da participação e das regras adjetivas, inclusive mecanismos de aferição das informações pertinentes ao cumprimento do acordado, periodicidade da distribuição, período de vigência e prazos para revisão do acordo".
6. O não cumprimento desses requisitos impede que a verba paga seja considerada, para fins tributários, como participação nos lucros, razão por que sobre ela incidirá a contribuição previdenciária, dada sua natureza remuneratória.
7. O acórdão recorrido foi expresso em afirmar que não houve negociação coletiva entre empresa e empregados, que deixaram de cumprir as regras do art. 2º da Lei 10.101/2000. Incidência da contribuição previdenciária sobre a verba paga a título de participação nos lucros
.
(REsp 1216838/RS, Rel. Ministro CASTRO MEIRA, SEGUNDA TURMA, julgado em 06/12/2011, DJe 19/12/2011)

Contudo, deve ser ressaltado que não compete ao Fisco fazer juízos de valor sobre os termos utilizados pelas partes para a definição da PLR, desde que não haja um vício de vontade ou extrema incompatibilidade entre o acordado e os objetivos do instituto. Nesse sentido:

CARF: 3ª câmara / 1ª turma ordinária da Segunda Seção de Julgamento – Nº Acórdão 2301-000.548
SALÁRIO INDIRETO – PARTICIPAÇÃO NOS LUCROS
Contudo, o que não se pode aceitar é que essa avaliação pessoal por parte do fisco se contraponha à vontade das partes externada no instrumento de negociação ferindo sua autonomia, contrariando assim o que a regulamentação da participação nos lucros mais valoriza, venha a ser pretexto para a desqualificação da natureza de um beneficio.
Recurso Voluntário Provido
Crédito Tributário Exonerado.

Concluímos, pois, a análise desse importante instituto de integração capital e trabalho, em especial diante do que vem sendo decidido pelos tribunais pátrios acerca das principais controvérsias existente a respeito do tema.


[1] RE 569441, Relator(a): Min. DIAS TOFFOLI, Relator(a) p/ Acórdão: Min. TEORI ZAVASCKI, Tribunal Pleno, julgado em 30/10/2014, ACÓRDÃO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL – MÉRITO DJe-027 DIVULG 09-02-2015 PUBLIC 10-02-2015
[2] Contribuições previdenciárias sobre a remuneração. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2013.

Autores

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!