Forças togadas

Judiciário passou a agir com autoritarismo de militares na ditadura, diz Batochio

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29 de janeiro de 2018, 17h16

O Judiciário, que serviu, muitas vezes, para defender a democracia frente ao autoritarismo do Estado durante a ditadura militar (1964-1985), tem, agora, agido como os militares que governaram o país nos anos de chumbo. A afirmação é do advogado José Roberto Batochio, ex-presidente do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil e um dos advogados do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, condenado na última quarta-feira (24/1) pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região (RS, SC e PR).

Em coletiva de imprensa após a decisão da corte [veja vídeo abaixo], o advogado criticou: “O que verificamos agora é que o autoritarismo não veste mais verde-oliva, parece que sofreu uma mutação cromática, vestindo-se, hoje, de preto”. Para ele, aumentar em 30% a pena do líder petista, para 12 anos e 1 mês de prisão, foi um “ato de autoritarismo contra a Constituição e a Ordem Democrática”.

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Denúncia "mutante" do MPF dificultou o trabalho da defesa, criticou Batochio.
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Ele lembrou que, quando os militares entravam nos tribunais e caçavam juízes, não eram as associações de juízes que buscavam confrontá-los, mas, sim, a advocacia. “Fomos defender os juízes por amor à democracia”, lembrou o advogado que atua há mais de 50 anos na área.

Batochio classificou a acusação do Ministério Público Federal chancelada por Sergio Moro, da 13ª Vara Federal de Curitiba, de mutante, pois foi sendo alterada ao longo do processo para contornar os argumentos da defesa: “A acusação muda toda hora, é cambiante".

Ele explicou que a primeira imputação a Lula foi a de ter recebido um apartamento em Guarujá (SP) como pagamento por atos praticados enquanto presidente que favoreceram a OAS. Esse tipo de atuação seria classificada como crime de corrupção passiva (artigo 317 do Código Penal).

O dispositivo define esse delito como “solicitar ou receber, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida, ou aceitar promessa de tal vantagem”.

Mas “só é dono quem registra”, rebateu Batochio, mostrando que pesquisa sobre a posse do apartamento nos registros públicos da cidade litorânea paulista mostra que o imóvel é da OAS, ou seja, “nunca pertenceu à família de Lula”, disse. Após provado que o político não tinha a posse do imóvel, continuou, a denúncia mudou, afirmando que Lula recebeu a propriedade desse bem.

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Em primeira instância, Moro condenou Lula a 9 anos e 6 meses de prisão.
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“O juiz de primeiro grau passou a falar que Lula recebeu o direito de usar esse apartamento por meio de um laranja”, contou Batochio ao destacar novamente que a defesa mostrou o contrário do que dizia a acusação e o magistrado responsável pelo caso. “Lula jamais usou esse apartamento, sequer passou a noite. Ele nunca permaneceu lá em situação alguma nem recebeu as chaves”, afirmou.

Por conta disso, nova mutação na denúncia, disse o criminalista. Dessa vez, o MPF passou a afirmar que o apartamento foi atribuído a Lula. “Aí nós da defesa ficamos com uma tarefa indecifrável a resolver”, alfinetou Batochio, complementando que o Código Civil traz a definição de propriedade e posse, mas não de atribuição.

O advogado também destacou que é impossível atribuir o imóvel a Lula, ainda mais depois que a OAS deu o bem como garantia fiduciária a um credor após seu pedido de recuperação judicial. “Como o apartamento pode ser do Lula e da OAS ao mesmo tempo?”, questionou.

Detalhou ainda que o imóvel foi oferecido à família Lula para compra depois que o político deixou a presidência porque, em 2005, sua mulher, Marisa, subscreveu uma cota de pagamentos mensais para comprar um apartamento da Bancoop. “A OAS tinha todo o interesse em vender uma unidade do prédio a um ex-presidente da República”, comentou o criminalista.

Para o criminalista, não existe ato de ofício que comprove o favorecimento da OAS por Lula. “Como o crime exige que aconteça a prática de um ato de ofício para justificar o pagamento, o que o Judiciário diz: ‘Bem, sabe como é, de fato está escrito no artigo 317 do CP a necessidade do ato de ofício, mas, sabe, não precisa do ato de ofício’ Se não existe o favorecimento ou o ato de ofício, como nós ficamos? Estamos diante de uma condenação acima das provas, com desprezo as provas e fora da lei”, criticou.

Sylvio Sirangelo/TRF4
Laus , Gebran Neto e Paulsen (da esq. para a dir.) aumentaram a pena do ex-presidente para 12 anos e 1 mês de prisão.
Sylvio Sirangelo/TRF-4

Essa decisão, afirmou, abre um precedente perigoso na Justiça brasileira, pois a insegurança jurídica será calcada na condenação de uma pessoa sem provas concretas, apenas em delações e convicções de procuradores da República.

Essas convicções são perigosas, disse Batochio, pois há no “Brasil uma grande vontade de condenar”.

“Estado democrático de direito é governado por leis, não por juízes”, defendeu o advogado, destacando que as decisões não podem partir do “que o juiz acha, mas do que a lei diz”. Disse por fim que as decisões de Moro no primeiro grau e dos desembargadores Victor Luiz dos Santos Laus , João Pedro Gebran Neto e Leandro Paulsen na segunda instância serão julgadas pela história.

“Alguém se lembra dos juízes que condenaram Nelson Mandela? Ninguém, mas todos se lembram de Mandela. Alguém se lembra dos juízes que condenaram Tiradentes? Ninguém, mas todos se lembram de Tiradentes.”

Assista ao vídeo abaixo, divulgado pelo site O Cafezinho:

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