Debate raso

TV e jornalista indenizarão juiz chamado
de louco, covarde e amigo de bandido

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14 de janeiro de 2018, 7h55

A lei não proíbe jornalistas de criticar juízes nem de tirar suas próprias conclusões sobre decisões judiciais. Mas isso deve ser feito de maneira responsável, pois quando o profissional de imprensa se excede neste exercício, ofendendo a honra do alvo de suas críticas, comete ato ilícito e deve indenizá-lo, como prevê o artigo 187 do Código Civil.

Com este entendimento, a 9ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul confirmou sentença que condenou um jornalista e a emissora para a qual trabalha a indenizarem solidariamente um juiz de Porto Alegre por danos morais. Nos dois graus de jurisdição, ficou patente que as manifestações do jornalista eram "completamente desnecessárias" para expor ideias e formular críticas a respeito da atuação do juiz, constituindo-se, apenas, em ataques injuriosos que feriram direitos de personalidade assegurados no artigo 5º, inciso X, da Constituição.

O juiz foi chamado de "psicopata", "fora da casinha", "doente mental", "covarde", "amigo da bandidagem", entre outros adjetivos, por não determinar a imediata prisão de dois suspeitos de assalto. A gravidade dos ataques à honra do juiz foi tamanha que o colegiado elevou o quantum indenizatório de R$ 13 mil para R$ 20 mil, já que se deram no exercício da magistratura.

Ação indenizatória
As críticas ocorreram durante o programa Atividade, apresentado por José Silvas, e com a presença do jornalista Antônio Carlos Contursi, apelidado de "Cascalho". O programa discutia o caso de uma pediatra baleada durante tentativa de assalto. O juiz do caso foi duramente criticando por não ter determinado a prisão imediata dos dois envolvidos — que sequer foi pedida pelo Ministério Público.

Na ação indenizatória movida contra a Ulbra TV e "Cascalho", o juiz Mauro Caum Gonçalves disse que as críticas ácidas que sofreu invadiram a "dignidade de um integrante do Poder Judiciário", extrapolando a liberdade de imprensa e o direito de opinar. Tudo porque, ao decidir sobre o caso, o magistrado apenas deu a interpretação correta ao artigo 311 do Código de Processo Penal: "Em qualquer fase da investigação policial ou do processo penal, caberá a prisão preventiva decretada pelo juiz, de ofício, se no curso da ação penal, ou a requerimento do Ministério Público, do querelante ou do assistente, ou por representação da autoridade policial".

O jornalista contestou, citando o direito constitucional que assegura a liberdade de expressão e a circulação de ideias e notícias. Afirmou que, "no calor do debate", como cidadão, expressou sua indignação pelo fato de os assaltantes não terem sido presos em flagrante pelo juiz. Disse que não teve a intenção de ofender ou denegrir a imagem do autor, já que a indignação era contra todo o sistema político, composto pelos três poderes.

Sentença procedente
A juíza Gladis de Fátima Canelles Piccini, da 6ª Vara Cível do Foro Central de Porto Alegre, criticou, de início, o despreparo técnico-jurídico dos participantes do programa, tomando como regra básica de que é preciso conhecer o tema para poder comentá-lo. Ela disse ter verificado, também, muita "desinformação" no emprego de termos jurídicos, chegando ao cúmulo de se comparar prisão preventiva criminal com prisão civil do devedor de alimentos. "Há um completo desconhecimento sobre as causas da criminalidade, beirando à leviandade, ao afirmar seria o autor o responsável pelo aumento da criminalidade", afirmou.

Conforme a juíza, além de ser mal-informado e de apresentar dados sem citar as fontes, o jornalista foi grosseiro. É que, além das ofensas, ele se referia ao autor de forma depreciativa, tratando-o como "esse juiz", "esse cidadão" e "esse cara". Agindo assim, continuou, o réu extrapolou o seu direito de criticar.

A Ulbra foi condenada solidariamente porque o programa é de sua responsabilidade, sendo o meio utilizado para a veiculação das opiniões que feriram a honra do juiz. Segundo a Súmula 221, do Superior Tribunal de Justiça, "são civilmente responsáveis pelo ressarcimento de dano, decorrente de publicação pela imprensa, tanto o autor do escrito quanto o proprietário do veículo de divulgação".

O relator da Apelação, desembargador Eugênio Facchini Neto, observou que o réu não se comportou como jornalista, mas como um "simples palpiteiro", sem acrescentar elementos racionais a tema de relevante interesse público.

Para Facchini, a importantíssima função de jornalista e da imprensa — como verdadeiros "cães de guarda da democracia" — exige preparo à altura da missão.

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