Opinião

Compliance nos contratos públicos irá oxigenar as relações público-privadas

Autores

  • Rafael Carvalho Rezende Oliveira

    é visiting scholar pela Fordham University School of Law (New York) doutor em Direito pela UVA-RJ mestre em Teoria do Estado e Direito Constitucional pela PUC-RJ especialista em Direito do Estado pela Uerj membro do Instituto de Direito Administrativo do Estado do Rio de Janeiro (Idaerj) professor titular de Direito Administrativo do Ibmec professor do programa de pós-graduação stricto sensu em Direito — mestrado e doutorado do PPGD/UVA do mestrado acadêmico em Direito da Universidade Cândido Mendes de Direito Administrativo da Emerj e do Curso Forum pdos cursos de pós-graduação da FGV e Cândido Mendes procurador do município do Rio de Janeiro sócio-fundador do escritório Rafael Oliveira Advogados Associados árbitro e consultor jurídico.

  • Thaís Marçal

    é advogada e mestranda em Direito da Cidade pela Uerj. Membro do IAB.

7 de janeiro de 2018, 6h09

Há tempos se reconhece a função regulatória das contratações públicas. Isso significa dizer que a busca pelo melhor preço não é a única finalidade das licitações. Diversos outros valores devem nortear a atuação da administração contratual, com destaque para a busca da sustentabilidade econômica, social e ambiental, cabendo mencionar, exemplificativamente: (i) a possibilidade de margem de preferência para "produtos manufaturados e para serviços nacionais que atendam a normas técnicas brasileiras", bem como para os interessados que comprovarem o “cumprimento de reserva de cargos prevista em lei para pessoa com deficiência ou para reabilitado da Previdência Social e que atendam às regras de acessibilidade previstas na legislação”, nos termos do art. 3º, § 5º, I e II, da Lei nº 8666/1993; (ii) tratamento diferenciado dispensado às microempresas e empresas de pequeno porte nas licitações, na forma prevista nos arts. 42 ao 49 da LC 123/2006; (iii) exigências voltadas à promoção da proteção do meio ambiente (licitações ou contratações verdes), al como ocorre na previsão contida nº 0/201 do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão.

Nesse contexto, especialmente a partir da grave crise ética descortinada pela operação "lava jato", parece relevante a busca da maior lisura nas contratações públicas, com a fixação de regras que fomentem à instituição de programas de integridade (compliance) por parte das empresas que pretendem contratar com o Poder Público.

É verdade que a preocupação com a institucionalização de programas de integridade, que tem por objetivo prevenir a prática de atos de corrupção nas relações das empresas privadas com o Poder Público, já pode ser percebida em alguns diplomas legislativos, como, por exemplo: (i) a Lei 12.846/2013 (Lei Anticorrupção), que prevê, como critério para fixação de sanções, a existência de mecanismos e procedimentos internos de integridade, auditoria e incentivo à denúncia de irregularidades e a aplicação efetiva de códigos de ética e de conduta no âmbito da pessoa jurídica; (ii) a Lei 13.303/2016 (Lei das Estatais), que exige a elaboração e a divulgação do Código de Conduta e Integridade no âmbito das empresas estatais.

Contudo, é preciso avançar na efetivação de mecanismos que garantam maior lisura às contratações estatais, especialmente nesse período marcado por crises endêmicas de integridade.

A partir da premissa da função regulatória das licitações públicas, parece razoável a exigência de programa de integridade efetivo por parte das empresas que pretendem participar de licitações públicas, notadamente nos casos de contratações com valores elevados.

Neste sentido, caminha bem o legislador no debate ao Projeto de Lei nº 723/2017, em tramitação na Câmara Municipal de São Paulo, em que se estipula como critério de desempate a existência de programa de integridade pelo licitante.

Diante do escasso número de empates em licitações, em verdade, o ideal seria que todos aqueles que tivessem interesse em contratar com o poder público tenham um programa de integridade previamente implementado. Neste contexto, interessante seria alteração na Lei 8.666/1993, de modo que a existência de programa de integridade fosse estabelecida como condição para habilitação nas licitações para contratações de grande vulto econômico.

Apesar de alguns pontos serem merecedores de críticas, a Lei do Estado do Rio de Janeiro 7.753/2017 caminhou bem ao prever a necessidade das empresas implementarem programas de compliance para novas contratações com valores acima de R$ 1,5 milhão para obras e serviços de engenharia e R$ 650 mil para compras e serviços que tenham o prazo do contrato igual ou maior que seis meses.

A sobredita lei estadual concede o prazo de 06 meses, contados a partir da celebração do contrato, para a contratada implantar o Programa de Integridade, sob pena de imposição de multa. Ainda que se revele interessante a solução encontrada pelo legislador estadual, parece que a contratação de empresa que não detém programa de integridade, com a fixação de prazo exíguo para instituição do referido programa, durante a execução do contrato, pode colocar em risco o alcance dos objetivos buscados pelo Estado, especialmente a diminuição dos riscos contratuais, a segurança jurídica e a eficiência da contratação.

Além de permitir que, durante a execução do ajuste, a contratada não tenha programa de integridade, a previsão legal desconsidera, em certa medida, o fato de que as mudanças de cultura organizacional não podem ser gestadas em espaços curtos de tempo, pois dependem de reestruturação, treinamento e fiscalização, a fim de verificar a efetividade do programa.

É preciso que a ética espraie seus efeitos concretos para os horizontes das contratações com a administração pública, de modo a permitir que a oxigenação das relações público-privadas possibilitem uma simbiose sustentável em busca do desenvolvimento nacional.

Autores

  • é procurador do município do Rio de Janeiro, advogado e árbitro, sócio fundador do escritório Rafael Oliveira Advogados Associados. É pós-doutor pela Fordham University School of Law (New York), doutor em Direito pela UVA-RJ, mestre em Teoria do Estado e Direito Constitucional pela PUC-RJ e especialista em Direito do Estado pela Uerj. Também é membro do Instituto de Direito Administrativo do Rio de Janeiro (Idaerj), professor adjunto de Direito Administrativo do IBMEC. Leciona na Emerj, no Curso Forum e em cursos de pós-graduação da FGV e Cândido Mendes.

  • é advogada e mestranda em Direito da Cidade pela Uerj.

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