Opinião

Justiça humana, enquanto tal, não pode nem deve ser desumana

Autor

  • Roberto Delmanto

    é advogado criminalista formado pela Faculdade de Direito da USP foi membro do Conselho de Política Criminal e Penitenciária do Estado de São Paulo e do Ilanud (Instituto Latino Americano das Nações Unidas para a Prevenção do Delito e o Tratamento do Delinqüente).

4 de janeiro de 2018, 12h10

Como disse um grande jurista, a história das penas não tem sido menos hedionda do que a dos crimes.

Desde a imposição de sanções as mais cruéis, que por vezes se estendiam à família do condenado, até a solitária medieval francesa que não permitia, pela sua baixa altura, que o preso ficasse ereto, só abolida pelo rei Luís, depois feito santo.

Isto sem esquecermos a barbárie dos tribunais da Santa Inquisição, que manchou indelevelmente a Igreja Católica, e que, ao lado do genocídio judeu e cigano, se inscreve entre as páginas mais abomináveis da humanidade.

Mesmo no século atual, países que se consideram civilizados continuam a aplicar a pena de morte — o mais frio e premeditado dos homicídios — e a prisão perpétua, que tira do preso toda e qualquer perspectiva de liberdade como inscrito na Porta do Inferno, da Divina Comédia de Dante Alighieri: "Vós que entrais, deixai para fora toda a esperança".

O Brasil, embora não tenha pena de morte — a não ser em estado de guerra — nem prisão perpétua, é o terceiro país que mais prende no mundo, superado apenas pelos Estados Unidos e pela China. Nossos cárceres, em sua grande maioria, são verdadeiros canis e os que lá adentram, principalmente os jovens, para sobreviver precisam ingressar em uma organização criminosa, da qual se tornam para sempre escravos.

Ao sábio enunciado de que o maior ou menor grau de civilidade de uma nação se mede pela forma com que trata as crianças, as mulheres e os idosos, eu acrescentaria a estes, os idosos presos.

Duas notícias foram recentemente manchetes da mídia escrita e televisiva. A condenação de José Maria Marin, ex-presidente da CBF, nos Estados Unidos, aos 85 anos de idade e a de Paulo Maluf, ex-governador de São Paulo, no Brasil, aos 86.

O primeiro, enquanto aguarda a fixação da pena pelo tribunal que o condenou, foi levado a rigorosa prisão federal, onde não há sequer banho de sol e todos devem se levantar impreterivelmente às seis da manhã, arrumar e limpar a própria cela.

O segundo, que além da idade, apresenta visíveis problemas de saúde atestados por seus médicos, condenado a regime fechado pelo Supremo Tribunal Federal, teve o pedido de prisão domiciliar indeferido pela sua ilustre presidente, que delegou a apreciação do caso à Vara de Execuções Criminais de Brasília. Esta determinou a realização de uma perícia médica oficial. Enquanto isso, foi ele recolhido ao presídio da Papuda em cela de 30 metros, para dez condenados.

Desconheço a legislação norte-americana, mas a brasileira permitia uma solução mais branda. Com efeito, nossa Lei de Execuções Penais, apesar de limitar, no artigo 117, inciso I, o recolhimento do condenado maior de 70 anos em sua residência particular apenas ao "beneficiário de regime aberto", permite ao juiz em seu artigo 116, modificar as condições estabelecidas para esse regime aberto, "desde que as circunstâncias assim o recomendem".

Na "lava jato", aliás, tem sido comum conversão direta do regime fechado para o aberto domiciliar, com ou sem tornozeleira eletrônica, baseada na Lei de Organizações Criminosas que, a meu ver, por questão de equidade, deve ser aplicada aos delitos menos graves previstos em outros diplomas.

Não conheço o mérito do processo de Maluf, nem, se o conhecesse, poderia sobre ele me manifestar, pois sua defesa está entregue a conceituados colegas.

Ao contrário da justiça divina, que, apesar de magnânima, nunca se equivoca, a justiça humana é pleno de erros não só ao absolver culpados, como, pior ainda, ao condenar inocentes.

Mas, mesmo na hipótese de acertado decreto condenatório, a justiça humana, enquanto tal, não pode, nem deve ser, desumana…

Autores

  • é advogado criminalista formado pela Faculdade de Direito da USP, foi membro do Conselho de Política Criminal e Penitenciária do Estado de São Paulo e do Ilanud (Instituto Latino Americano das Nações Unidas para a Prevenção do Delito e o Tratamento do Delinqüente).

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