Opinião

Não podemos desprezar a liberdade de 4 mil pessoas que são beneficiadas no STJ

Autor

  • Ricardo Pieri

    é advogado vice-presidente da Comissão de Processo Penal da seccional do Rio de Janeiro da Ordem dos Advogados do Brasil e membro da Comissão Permanente de Direito Penal do Instituto dos Advogados Brasileiros.

10 de fevereiro de 2018, 6h31

Como advogado, recebi com alegria a notícia de que o Superior Tribunal de Justiça divulgou estudo realizado a respeito dos percentuais de êxito dos recursos interpostos pela defesa perante aquela corte superior.

Este estudo demonstrou que, em um recorte recente de tempo de dois anos, 4 mil pessoas deixaram de ser presas ou permaneceram menos tempo encarceradas graças à atuação do STJ, em reposta a recursos interpostos pela defesa após o esgotamento das instâncias ordinárias.

Em uma república como a nossa, que tem como princípio constitucional fundante a criação de uma sociedade livre, justa e solidária, a liberdade de 4 mil pessoas não pode ser encarada como algo desprezível, desmerecedora de atenção e cuidado, pouco importando a posição social em que se encontrem. Aplica-se aqui a máxima cinematográfica da operação "lava jato": a lei é para todos.

O referido estudo do STJ, que abrangeu cerca de 69.000 recursos defensivos julgados ao longo de 2 anos, demonstrou que em aproximadamente 3.170 casos o pedido da defesa foi acolhido para abrandar o regime de cumprimento da pena. Isto significa que o réu, por força da decisão, teve a sua liberdade cerceada por menos tempo, com mais direitos. O estudo também demonstrou que em cerca de 690 casos a prisão foi substituída por uma pena restritiva de direitos. Isto significa que, por força da decisão, o réu foi retirado do cárcere e posto em liberdade. Por fim, o estudo comprovou que em cerca de 415 casos o réu foi absolvido.

4.000 pessoas afastadas ou trancafiadas por menos tempo no sistema penitenciário brasileiro, que, conforme já reconhecido pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal, vive um estado de coisas inconstitucional, situação extremamente degradante, equivalente à tortura, incompatível a própria noção de Estado Democrático de Direito.

O estudo do STJ não levou em consideração as ações de Habeas Corpus, pois estas, do ponto de vista técnico, não se classificam como recursos. Se os HCs entrassem na conta, o impacto na liberdade das pessoas alcançaria nível muito maior, ante a substituição da prisão por penas alternativas ou o abrandamento do regime de encarceramento. Um outro estudo, realizado pela FGV em 2014, coordenado pelo professor Thiago Bottino, abrangendo julgamentos de 2008 a 2012, demonstrou que os índices de êxito dos HCs nestes casos supera 25% no STJ.

Mas vamos nesta oportunidade nos ater “somente” aos 4 mil casos identificados pelo STJ. Se realmente desejamos levar a sério que a nossa República se destina à criação de uma sociedade livre, justa e solidária, 4 mil cerceamentos ilegais de liberdade não podem jamais ser encarados como algo normal, tolerável, parte do cotidiano.

Dentre os atentados que o Estado sistematicamente pratica contra o indivíduo, o mais grave de todos é a privação da liberdade. O espaço para o erro aqui deve ser reduzido ao máximo. Complacência, vista grossa ou mesmo indiferença sequer poderiam ser cogitados, ainda mais em se falando de 4 mil casos.

Daí a relevância do estudo recentemente divulgado pelo tribunal da cidadania, ao comprovar, em definitivo, a necessidade de se aguardar pelo trânsito em julgado da condenação criminal para que se dê início ao cumprimento da pena de prisão.

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  • é advogado, vice-presidente da Comissão de Processo Penal da seccional do Rio de Janeiro da Ordem dos Advogados do Brasil e membro da Comissão Permanente de Direito Penal do Instituto dos Advogados Brasileiros.

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