Opinião

Efeitos da nova lei de afretamento de plataformas de petróleo

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8 de dezembro de 2018, 10h13

Muito se discute sobre os efeitos das diversas alterações legislativas que incidem sobre o afretamento, no setor de petróleo.

Vamos explicar de forma resumida a questão. A Petrobras, ao contratar plataformas, criou um split contratual, que gera artificialmente dois contratos: um de afretamento da plataforma e outro de prestação de serviços.

Para se valer da alíquota zero de IRRF prevista em lei, alocava cerca de 90% dos recursos no afretamento da plataforma pertencente a empresa estrangeira, deixando apenas cerca de 10% dos valores no contrato de prestação de serviços, firmado com empresa local, mas pertencente ao grupo econômico da estrangeira. Trata-se de artificialismo, pois essa proporção 90/10 não reflete os custos de cada atividade.

Esse artificialismo não visava apenas burlar a incidência de IRRF. Ele também impedia a incidência de CIDE-remessa e de PIS/COFINS importação sobre importação de serviços técnicos.

Tudo isso gerou uma série de autuações da SRFB em valores bilionários. Diante da magnitude do problema, foram editadas normas que tentaram regular o setor, como a Lei 13.586/2017.

Essa norma, publicada em 28 de dezembro de 2017, decorreu da conversão da Medida Provisória 796, editada em 17 de agosto de 2017. Com isso era alterada a norma base, a Lei 9.481/1997, que estabelecia alíquota zero de IRRF nos contratos de afretamento de embarcações.

A primeira alteração dessa norma base, em verdade, ocorreu em 2014, por meio da Medida Provisória 651/2014, posteriormente convertida na Lei 13.043/2014 e que dava nova redação ao §2º do artigo 1º, garantindo alíquota zero para IRRF se a parcela relativa aos contratos de afretamento fosse de até 80%.

Passou-se, então, a aceitar a aplicação de alíquota zero para contratos de afretamento que utilizassem a fórmula de 80/20, ou seja, 80% de afretamento e 20% de serviços. Esse split (fragmentação, bipartição) contratual amparado por alíquota zero, é importante salientar, apenas abrangia o IRRF, criando um benefício fiscal específico.

A norma criou tal benefício fiscal estimulada pela sua função antielisiva, que evita a erosão das bases tributáveis. Como esses contratos costumam ser feitos com grupos econômicos, fica fácil estipular valores aleatórios para os dois contratos, já que não se consegue aplicar a regra do Preço de Transferência. A fixação de percentuais máximos de afretamento para concessão de benefício fiscal evita essa erosão, simplificando o procedimento de fiscalização.

Podemos, então, fixar uma primeira premissa, que decorre da interpretação literal do dispositivo legal em tela:

A legislação criou benefício de alíquota zero apenas sobre o IRRF incidente sobre afretamentos, obedecida a proporção por ela estabelecida.

Essa premissa, por si, já excluiria a aplicação dessa legislação aos casos de CIDE e PIS/COFINS. Mas, a bem da argumentação, vamos nos aprofundar na análise.

A mesma legislação, em 2014, fez questão de estabelecer outro benefício: o direito de pagar IRRF apenas sobre o valor excedente, para quem descumprir as condições da norma. Isso consta do artigo 1º, § 6º da Lei 9.481/1997.

Isso demonstra que a incidência de IRRF apenas sobre esse excedente não era uma decorrência natural, já que precisou de uma previsão expressa. A ordem natural seria a incidência plena de IRRF sobre os contratos que não se enquadrassem nos requisitos do benefício legal (afretamento na proporção 80/20). Ao contrário disso, porém, o legislador, em 2014, optou por fazer incidir o IRRF apenas sobre o excedente. Isso nos permite fixar uma segunda premissa:

A incidência de IRRS sobre o excedente do afretamento, nos casos de contratos que descumprem o percentual máximo de 80%, é um benefício legal que precisou de previsão expressa em lei.

Essa premissa é importante, pois leva a outra conclusão. Quando não houver esse benefício legal, é correto fazer incidir tributos como CIDE e PIS/COFINS sobre todo o contrato, se verificada uma artificialidade na bipartição, e não apenas sobre valores que excedam o custo do afretamento.

Voltemos à dinâmica legislativa. Naquela época, após edição da norma de 2014, uma dúvida passou a ser explorada pelos contribuintes: ao estabelecer a alíquota zero de IRRF se criou um benefício fiscal, que precisaria ser interpretado restritivamente, ou teria a norma um caráter de interpretativo, o que implicaria na aceitação retroativa do split feito no modelo 80/20?

A tese da norma interpretativa seduzia os contribuintes porque permitiria que essa fórmula fosse aplicada aos contratos anteriores à vigência da norma de 2014, quiçá para autuações de outros tributos, como CIDE e PIS/COFINS.

Assim, a Petrobras, por exemplo, tentou difundir a ideia de que a legislação correspondia à aceitação, por parte do legislador, da bipartição dos contratos de afretamento e de serviços, como uma norma interpretativa geral. A PGFN, por outro lado, negava esse caráter interpretativo da norma, defendendo sua aplicação de maneira restritiva.

Essas dúvidas levaram à edição, após intensos debates, da Medida Provisória 795/2017, posteriormente convertida na Lei 13.586/2017. Essas normas deram nova redação à Lei 9.481/1997, vindo a sanar essa dúvida no artigo 1º, § 10, que foi assim redigido:

§ 10. O disposto nos §§ 2o e 9o deste artigo não se aplica às embarcações utilizadas na navegação de apoio marítimo, definida na Lei no 9.432, de 8 de janeiro de 1997, vedada, inclusive, a aplicação retroativa do § 2o deste artigo em relação aos fatos geradores ocorridos antes da vigência da Lei no 13.043, de 13 de novembro de 2014.

Vejamos quão enfática foi a redação desse dispositivo. As normas, em geral, apenas expressam o início de sua vigência. A Lei n. 13.586/2017, porém, preocupada com a interpretação ampliativa que se queria dar às alterações de 2014, foi além: disse que era terminantemente proibido, vedada em lei, a aplicação retroativa da definição de alíquota zero para o split 80/20. Isso nos permite concluir que se trata de um favor fiscal, uma renúncia de receitas, e não uma norma que, de forma interpretativa, considere lícita a bipartição artificial de contratos de afretamento e de serviços. Assim, temos uma terceira premissa:

A lei que estipulou alíquota zero de IRRF para bipartição de contratos de afretamento e serviços criou um benefício fiscal que, portanto, deve ser interpretado restritivamente, não possuindo qualquer valor interpretativo.

Não se quer, nesse ponto, dizer que todo split contratual que venha a bipartir os contratos de afretamento e de serviços seja artificial. Cabe aqui o ditado: “nem tanto ao céu, nem tanto à terra”. Uma divisão feita entre empresas que possuam independência negocial e que realmente possua intuito comercial pode ser perfeitamente válida para efeitos tributários. Tudo é uma questão de analisar se a bipartição era real ou apenas uma ficção para fugir da tributação.

Assim, se por um lado não é possível se considerar que toda bipartição contratual seja ilícita, também não é possível dizer que a Lei 13.586/2017 tornou toda bipartição feita dentro de seu percentual (80/20 e depois 65/35, como veremos) lícita. A norma não possui caráter interpretativo ao ponto de estabelecer uma presunção de legalidade de contratos dentro de seus percentuais. Ela apenas representou uma renúncia estatal, para contratos posteriores à vigência da norma, da cobrança de IRRF nas hipóteses que especifica.

Nossa análise das inovações legislativas não para por aí. Reafirmando a segunda premissa, a nova legislação veio esclarecer que, não se tratando de norma interpretativa, o benefício fiscal não poderia interferir na cobrança de CIDE e PIS/COFINS. Para tanto, fez inserir o parágrafo 12 à referida norma, que esclarece que a aplicação dos percentuais da lei não acarreta a alteração da natureza e das condições do contrato de afretamento ou aluguel para fins de incidência da CIDE, do PIS e da COFINS.

Essa conclusão é corroborada pela exposição de motivos, que assim dispôs:

4.6. Por fim, o § 12 traz norma que esclarece que os percentuais definidos nos §§ 2º e 9º não se aplicam à apuração da (…) CIDE (…) PIS/PASEP (…) COFINS-Importação, permanecendo válidas, para efeitos de apuração desses tributos, a natureza e as condições do contrato de afretamento ou aluguel.

Ora, qual seria a intenção do legislador ao redigir o § 12, acima transcrito? Certamente não o fez para dizer o óbvio: que um benefício fiscal que expressamente reduz as alíquotas do IRRF não se aplica a outros tributos que sequer eram tratados naquela lei. Pensar assim significaria considerar o referido parágrafo letra morta, sem a menor finalidade.

A edição do § 12 teve uma função muito clara: demonstrar ao aplicador da norma que em nenhum momento houve a intenção de se analisar a validade da bipartição artificial dos contratos em relação aos demais tributos incidentes naqueles contratos. Buscou evidenciar que não se estava editando uma norma geral interpretativa. E, mais do que isso, demonstra a intenção do legislador de reafirmar a incidência de CIDE e PIS/COFINS nos casos de contratos de afretamento que não comprovem a existência de prestação de serviços autônoma.

Outra alteração importante trazida pela Medida Provisória 795/2017 e posteriormente confirmada na conversão na Lei 13.586/2017 foi a alteração dos percentuais válidos para a concessão do benefício da alíquota zero. O antigo esquema 80/20 foi substituído pelo 65/35, ou seja, apenas se admite, a partir de 1º de janeiro de 2018, a redução a zero da alíquota quando o afretamento abranger, no máximo, 65% do valor da contratação. Isso consta do parágrafo 9º do dispositivo aqui estudado.

Podemos, então, estabelecer uma quarta premissa:

A partir de 2018, o percentual máximo de afretamento aceito pela legislação para fruição do benefício fiscal de alíquota zero no IRRF é de 6%.

A fixação dessa premissa se mostra importante porque na remota hipótese de ainda se considerar possível aplicar a Lei 13.586/2017 para interpretar a atuação de CIDE ou de PIS/COFINS, seria necessário considerar o fato de o legislador apenas entender plausível o split contratual que destina 65% do valor da contratação para afretamento, algo bem longe dos 90% utilizados como padrão pelos contratos da Petrobras.

Essa redução de percentuais foi feita pelo legislador para adequar o país aos padrões internacionais de afretamento. A Petrobras comumente se refere aos modelos internacionais de exploração de petróleo para justificar seus contratos, mas se esquece que em outros países seria de um artificialismo incrível destinar 90% do valor da prospecção ao aluguel da plataforma. Isso é o que diz a exposição de motivos, que transcrevemos a seguir:

(…) os percentuais atualmente estabelecidos apresentam um desequilíbrio econômico e não estão compatíveis com os percentuais adotados por outros países. Nesse sentido, o § 9º ajusta os percentuais a fim de manter a segurança jurídica.

Fica claro, dessa forma, que o próprio legislador entendeu serem muito discrepantes os contratos feitos pela Petrobras, em que 90% é destinado a afretamento da plataforma e 10%, apenas, aos serviços.

Cumpre registrar que o legislador deixou uma opção à Petrobras no caso do IRRF. Reconhecendo que essa empresa descumpriu a legislação, deu a ela a opção de regularizar sua situação, permitindo que se pagasse em parcelamento, sem consectários legais, em suaves prestações, o valor de imposto incidente sobre os afretamentos superiores a 80%. Isso se encontra previsto no artigo 3º da Lei 13.586/2017.

Essa oportunidade, de adesão a mais um benefício fiscal, contudo, está condicionada à aceitação de diversas condições, dentre as quais a desistência expressa e irrevogável das ações administrativas e judiciais. Sendo assim, não encontramos aqui uma autorização ampla para aplicação retroativa do benefício fiscal para os split 80/20, por exemplo, para autuações anteriores a 31 de dezembro de 2014. Continua a valer a previsão de vedação à aplicação retroativa da norma, como regra geral.

E nem precisaríamos lembrar que esse benefício somente se aplicaria a autuações de IRRF, não valendo para as contribuições. A exposição de motivos deixa claro que se trata de renúncia de receitas, que é uma despesa tributária, o que exige interpretação restritiva:

11.3. Para o ano de 2018, em relação à opção prevista no art. 3º que permite o recolhimento do IRRF mediante aplicação dos limites previstos no § 2º do art. 1º da Lei nº 9.481, de 1997, sem incidência de multa, a renúncia estimada será de R$ 11,14 bilhões.

Houve, nas tratativas legais, uma tentativa de se estender o benefício à CIDE e ao PIS/COFINS, o que foi descartado diante do impacto orçamentário que geraria. Vejamos o registro feito na NOTA/PGFN/CAT/Nº 689/2017:

2.2. No texto da minuta de ato normativo, suprimiu-se o § 7º do art. 3º, o qual concedia benefícios fiscais no âmbito do IRRF, da CIDE de que trata a Lei nº 10.168, de 29 de dezembro de 2000, e do PIS/PASEP-importação e COFINS-importação. Sem objeções.

A conclusão que se tira é apenas uma. Não se poderia no âmbito do contencioso dar qualquer benefício de CIDE e PIS/COFINS por aplicação analógica, se essa opção foi descartada expressamente no plano das discussões legislativas. Mais do que isso, se para CIDE e PIS/COFINS não há o benefício de pagar os tributos sobre os valores que excedem a 80% de afretamento, muito menos haveria o direito de não pagar nada, ou seja, de cancelarem-se as autuações, como pretendem muitos contribuintes. “Quem sequer pode menos, nunca poderá mais”.

Assim, a partir dessa análise, somos capazes de formular a nossa quinta premissa:

O direito de pagar tributo com base no esquema 80/20, para atuações relativas a fatos geradores anteriores a 31 de dezembro de 2014, somente existe em relação ao IRRF para os contribuintes que aderiram ao parcelamento e cumpriram a exigência de desistência expressa dos processos judiciais e administrativos.

Juntando todas essas premissas, chegamos ao seguinte esquema gráfico:

Em suma, a conclusão a que chegamos é que para IRRF há previsão de parcelamentos para regularização dos split irregulares feitos até 2014. De 2015 a 2017 o benefício da alíquota zero foi concedido até o percentual de 80%. Esse percentual, em 2018, foi corrigido para 65%, segundo padrões internacionais. Para CIDE e PIS/COFINS-importação, como não existe qualquer benefício fiscal, é necessário analisar caso a caso, para se constatar se houve ou não artificialidade na divisão contratual. Considerando-se haver a artificialidade dos contratos, o tributo deve incidir sobre o total dos contratos, partindo-se do pressuposto de que se trata de contrato único.

Pensar de forma contrária seria admitir que o contribuinte poderia, com uma simples modelagem contratual artificial escolher se pagaria, ou não, CIDE e PIS/COFINS sobre os serviços técnicos importados. Essa, certamente, não foi a intenção do legislador.

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